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Casa Roberto Marinho abre nesta sexta mostra com visões de 75 artistas sobre o Rio, a partir dos últimos 120 anos
Exposição 'Rio: desejo de uma cidade' tem como recorte temporal os 120 anos que o jornalista e empresário Roberto Marinho completaria em 2024

Nos últimos 120 anos, o Rio passou por sua maior reforma urbanística, viu subir ao alto do Corcovado a estátua do Cristo Redentor, ouviu o silêncio do Maracanazo e a revolução da bossa nova, perdeu a condição de capital federal, lutou pela democracia, sediou uma inédita Olimpíada na América do Sul. Cidade de tantos epítetos, ora maravilhosa, ora partida, foi o berço de inovações artísticas e comportamentais, que inspiraram músicas, pinturas, filmes, livros, edificações. O recorte temporal de pouco mais de um século e as transformações pelas quais a cidade passou no período foram o ponto de partida da nova exposição da Casa Roberto Marinho, “Rio: desejo de uma cidade”, que abre ao público neste sábado, a partir do meio-dia, no centro cultural do Cosme Velho, na Zona Sul carioca.
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Com 139 obras e outros 46 trabalhos ampliados e plotados em paredes da casa, a mostra reúne a produção de 75 artistas brasileiros e estrangeiros, de diferentes épocas. Em comum, a ideia de interpretar o Rio de Janeiro desde 1904 até o momento atual, marcando os 120 anos de nascimento do jornalista e empresário Roberto Marinho (1904-2003).
Dividida em oito eixos temáticos, como “Corpo”, “Morar”, “Festejar” e “Lembrar”, a mostra tem curadoria de Lauro Cavalcanti, diretor da CRM, Marcia Mello e Victor Burton, com consultoria do executivo Jorge Nóbrega, do colecionador Luiz Chrysostomo e do arquiteto Pedro Mendes da Rocha. Em todos os espaços expositivos, obras de linguagens diversas, como pintura e fotografia, e de períodos distintos são apresentadas lado a lado, sem hierarquização ou orientação cronológica.
— Desde o início, não houve a pretensão de abarcar tudo, nem de mostrar um Rio idílico, ideal. As obras trazem as belezas, mas também as contradições, os problemas da cidade. E dá para perceber como a cultura é intrínseca ao Rio, e muito responsável por sua resiliência —observa Cavalcanti. — Também queríamos, nestes cruzamentos, buscar outras vozes, de outros lugares sociais, que muitas vezes não têm espaço institucional.
A partir da premissa, os curadores selecionaram obras do próprio acervo da CRM e de instituições como o Museu de Arte do Rio (MAR), o Museu Nacional de Belas Artes (MNBA) e o Instituto Moreira Salles (IMS), além de coleções particulares. Assim, pinturas de modernistas como Tarsila do Amaral, Ismael Nery, Di Cavalcanti e Djanira criam diálogos com artistas contemporâneos, de várias gerações, a exemplo de Carlos Vergara, Jarbas Lopes, Luiz Zerbini, Rivane Neuenschwander, Marcos Chaves e Allan Weber. Outras vezes, a troca é feita entre telas e fotografia, reunindo nomes históricos, como Pierre Verger, Jean Manzon, Kurt Klagsbrunn e José Medeiros, a fotógrafos como Alair Gomes, Evandro Teixeira, Custodio Coimbra, Rogério Reis, Thiago Facina, Anna Kahn, Joelington Rios e Ratão Diniz.
Na coletiva “Duplo olhar”, montada na CRM em 2019, Marcia Mello, que assinou a curadoria com Paulo Venancio Filho, já havia proposto uma abordagem semelhante, com encontros entre as obras da coleção da Casa e imagens de 39 fotógrafos, de vários períodos.
— Abrimos ainda mais as questões, nestas relações entre pinturas e imagens e entre as próprias características da fotografia. E sem algum tipo de hierarquia, com pintores clássicos em diálogo com fotógrafos jovens da periferia — comenta Marcia. — Além das fotos expostas, as vitrines trazem cópias de época do Marc Ferrez, do Augusto Malta, do Carlos Bippus, que é pouco conhecido, mas tem paisagens noturnas lindas do Rio de 1920. Tem muita coisa desse período até os anos 1940 a 1950, que foram fundamentais para a formação da identidade carioca.
Os cruzamentos entre as múltiplas linguagens geraram coincidências capazes de surpreender curadores e artistas. Em visita à montagem na terça-feira, Victor Arruda, que produziu a acrílica “As gêmeas” especialmente para a coletiva, emocionou-se ao ver como a obra estava exposta:
— Quando cheguei, vi minha obra ao lado de um Ismael Nery que foi meu durante muitos anos e, num certo momento, precisei vender. Essa tela ficava no meu quarto. Foi uma surpresa gigante!
Além das relações entre suportes como pintura, escultura, vídeo e fotografia, a mostra “Rio: desejo de uma cidade” destaca outras áreas em que a cidade teve protagonismo, como a música, a literatura, o cinema, o design gráfico e a arquitetura. Uma parte da exposição traz fotos de detalhes da arquitetura e maquetes de edifícios icônicos, como o Palácio Capanema, o MAM-RJ e o conjunto Pedregulho.
Na seção “Projetar”, a mostra destaca outra importante contribuição carioca à cultura nacional com a presença da Escola Superior de Desenho Industrial (Esdi-Uerj), inaugurada em 1963 e considerada a primeira instituição em design de nível superior no Brasil.
— A Esdi marcou gerações de designers, que foram e ainda estão atuantes no mercado. Como destaque do design gráfico, elegemos o símbolo do Quarto Centenário do Rio (1965), do Aloísio Magalhães, que a cidade inteira adotou, por sua simplicidade, força e poder de síntese — enaltece Burton. —Passamos também por outros ícones identificados com o Rio, como as capas da gravadora Elenco, que viraram a imagem da bossa nova. São alguns símbolos de uma cidade que, por muito tempo, falava pelo país.
Faz parte da programação a exibição de filmes, no cinema da Casa, com clássicos ambientados em terras cariocas, como “Rio, 40 graus”, de Nelson Pereira dos Santos, e “Central do Brasil”, de Walter Salles (que também terão sessões no Globoplay, abertas gratuitamente a não assinantes).
A cidade como personagem
A literatura também ganha destaque na mostra, com edições antigas e citações de autores cariocas, de nascimento e por adoção, como Cecília Meireles, Vinicius de Moraes, Clarice Lispector, Carlos Drummond de Andrade e Murilo Mendes. Doutor em Antropologia da Literatura pela PUC-Rio e escritor, Augusto Guimaraens Cavalcanti organiza a área dedicada aos livros.
— A proposta é olhar para o Rio como uma cidade que já nasceu personagem, passando por autores pré-modernistas, como Lima Barreto e João do Rio, e chegando a vozes como Stella do Patrocínio — explica Augusto, filho de Lauro Cavalcanti. — Destacamos também como autores estrangeiros ou de outros estados ajudaram a criar o imaginário do Rio. Até a expressão “Cidade Maravilhosa” se popularizou quando a francesa Jane Catulle-Mendès lançou o livro de poemas “La ville merveileuse” (1913), que tinha o Rio como foco e depois virou marchinha.
Colecionador de fotografia e ex-presidente do Grupo Globo, Jorge Nóbrega destaca que a exposição transita pela construção da memória, mas sem ser nostálgica.
— As obras reforçam essa relação afetiva com a cidade, sem buscar defini-la. A mostra joga várias perguntas no ar, para que o público descubra quais são os traços do Rio, o que é ser carioca — reflete o executivo. — Uma curiosidade é que o Rio Carioca passa por baixo da Casa, queríamos uma seleção que fluísse da mesma forma. Acredito que será uma mostra capaz de atrair um público mais amplo do que o que já frequenta o espaço.
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