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'Temos que inventar um novo nome para o acontecimento Madonna', diz artista visual brasileiro

Responsável pela cenografia do show atual de Marisa Monte, Batman Zavareze analisa apresentação de Madonna, definida por Gringo Cardoa como 'uma ópera da liberdade'; Deborah Colker ressalta diversidade no palco: 'Juntou preto, branco, drag, mãe, filho, ga

Agência O Globo - 05/05/2024
'Temos que inventar um novo nome para o acontecimento Madonna', diz artista visual brasileiro

"Temos que inventar um novo nome para o acontecimento Madonna". Assim um dos artistas visuais brasileiros mais expressivos da contemporaneidade brasileiro, Batman Zavareze, define a apresentação da cantora nesse sábado (4) , Copacabana, na "The Celebration Tour".

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Responsável pela cenografia de shows como o mais recente de Marisa Monte, ele conta que ver Madonna em cena foi uma de suas maiores "aulas de espetáculo pop".

— Foi disruptivo ver um show que era filme e teatro misturados o tempo todo. Por um momento era teatral, puro Broadway, mas rapidamente virava cinema sem nunca perder a força das músicas que marcaram meus 40 anos que sou impactado por Madonna — afirma. — Adorei as cenas sendo construídas ao vivo, enquanto o show rolava, as silhuetas dos trabalhadores da próxima cena montavam a próxima experiência. Achei uma coreografia linda de metalinguagem

Para Batman, além da tecnologia audiovisual sincronizada, Madonna sabe misturar o melhor e o impensável da comunicação pop muito além da música.

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—O que vi hoje foi uma história sendo contada numa mega operação de som, luz, imagens e tecnologias. Ver essa rainha com seus 40 anos de estrada em plena forma é um ato de coragem extremo, seja na moda, no comportamento, na coreografia, no figurino, nas imagens e até na sua música que mesmo quando ela se distanciou de minha playlist eu continuei muitas vezes recorrendo a tudo que a Madonna criou como referência numa série de trabalhos que fiz.

A coreógrafa Deborah Colker destacou o momento da projeção no telão em que Madonna e Michael Jackson dançam ao som da mistura das músicas "Billie Jean", dele, e "Like a Virgin", dela.

— Eu passei mal — brinca Deborah.

Um dos principais nomes da dança do Brasil, Deborah passa a limpo a performance dos bailarinos de Madonna:

— Maravilhosos! As coreografias são super ensaiadas mas a individualidade de cada bailarino tá ali. É solto e com improvisos e a super presença de cada um, escolhidos a dedo. Todos tecnicamente muito bons mas cada um tem seu universo pessoal, sexual, da onda de cada um. Tem: pop , hip hop , vogue , funk , samba , dança moderna, contemporâneo, jazz , stilleto, techno, samba. Juntou tudo e todos: Preto, drag, crianças, mãe, filhos, brancos, gays, trans. Até momento Martha Graham teve, porque ela foi aluna da mestra. Tudo erótico e sexual é autêntico é pra valer. Ela sempre esteve na frente , e continua.

O cenógrafo Gringo Cardia define a apresentação de Madonna como "uma ópera da liberdade".

— Conceitualmente, o que é bacana do show é ver a história de uma mulher que lutou pela liberdade a vida inteira. A liberdade de poder ser uma zé ninguém e chegar onde ela chegou, e também a coisa forte de dar uma força a todas as liberdades individuais. Principalmente, a dos gays e das mulheres. Madonna sempre botou isso na mesa, se expondo. É um dos melhores shows que já vi, porque ela conversa com todos os personagens que foram ela própria ao longo da carreira. É muito bem dirigido, com roteiro espetacular, uma ópera pop. Não chamo nem de icônica, mas de épica essa noite que foi muito importante para a liberdade do povo em geral.

A luz e os cenário estavam "impecáveis" e os vídeos foram usados de maneira "inteligente, bonita e moderna", segundo Gringo.

— Em vez de fazer o tempo todo computação gráfica, ela usa as próprias filmagens do show, que são muito bem feitas, de ângulos e maneiras diferentes. Soube usar led de maneira óbvia, mas muito plástica. Ela sempre se cerca dos melhores profissionais. Os bailarinos são atores incríveis, Madonna sempre valorizou a cena novaiorquina, a marginalidade, algo entre o maldito e o mundo bem estabelecido.

Além da estética, o cenógrafo destaca joga luz sobre a relação de Madonna com o Rio.

— Apesar de a gente viver em um país machista e com tantas diferenças culturais e sociais, ela vê no Rio uma cidade que tem compromisso com a liberdade através da expressão. A favela sendo do jeito que é e se impondo como uma música principal... O samba... tudo isso mostra a garra de pessoas que têm compromisso com a liberdade. Ela enxerga isso como uma sociedade inteira, ama do Rio por isso, a cidade é a cara dela. Poderia ter visto esse show em qualquer lugar do mundo, mas fiquei feliz de ele ter sido em Copacabana. É diferente. Dois milhões pessoas se conectando de uma maneira popular inimaginável. Nenhum outro lugar do planeta faz isso. Foi impecável, de muito bom gosto, impressionante.

O fato de mexer com o conservadorismo foi outro ponto que mereceu uma reflexão de Gringo:

— Ela sempre foi um personagem além, uma pessoa que batalha pela ética, valores, tem coragem de enfrentar o conservadorismo. Por isso o neonazismo odeia Madonna. Ela briga pela liberdade dela e faz uma provocação contra princípios ridículos que as pessoas impõem, joga consciência crítica para mexer com os pudores em relação à liberdade do corpo de cada um. É das mulheres mais importantes da história, que fez grande movimento para transformar e dar força a toda história LGBTQIA+ , batalhou contra o preconceito contra a Aids e coloca isso de maneira linda no show, com pessoas importantes do Brasil e também sobre a luta pela identidade negra. É a mulher mais importante do planeta em termos de fazer a cabeça das pessoas. Não existe alguém que atinja mais quantidade de gente do que ela.