Política

Com base frágil, governo Lula amplia recursos ao STF e reforça 'judiciarismo de coalizão'

Tendência criada em 2020 coloca o Supremo Tribunal Federal como uma Corte mais decisiva

Agência O Globo - 05/05/2024
Com base frágil, governo Lula amplia recursos ao STF e reforça 'judiciarismo de coalizão'
Lula - Foto: Reprodução- agência Brasil

O Supremo Tribunal Federal ( STF) desponta como uma Corte cada vez mais decisiva para o governo. No período de Jair Bolsonaro (PL), cresceu o número de ações impetradas no tribunal pela Advocacia-Geral da União (AGU), e a tendência ganhou força com o presidente Luiz Inácio Lula da Silva — quase sempre para reverter medidas da gestão anterior centradas em armar a população. Em outra frente, mais política, a reação a anseios golpistas aproximou o STF da gestão Lula, o que interessa ao Palácio do Planalto, na ausência de uma base sólida no Congresso.

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Um levantamento do projeto Supremo em Pauta, coordenado na FGV Direito SP pelas pesquisadoras Eloísa Machado e Luiza Ferraro, mostra que a judicialização por parte de governos era tímida nas gestões Dilma Rousseff (PT) e Michel Temer (MDB). Sob Bolsonaro, intensificou-se: foram 17 ações de controle constitucional assinadas pela AGU, a maioria (11) questionando normas aprovadas pelo Congresso Nacional.

Lula, por sua vez, contestou duas decisões do Legislativo: a do fim da desoneração da folha de pagamento dos 17 setores que mais empregam no país e a abrangência dos direitos políticos da União na Eletrobras, empresa privatizada no governo Bolsonaro. No geral, o petista entrou com 15 ações até agora, sendo 13 no ano passado — um recorde na série histórica de dez anos analisada pelo levantamento.

— O perfil é bem diferente. Em termos de embates entre Poderes, temos o Bolsonaro muito mais ativo em questionar normas editadas pelo Congresso Nacional e o Lula com ênfase muito grande no que se refere a controle de armas, tentando controlar uma política que foi descontrolada no governo Bolsonaro — avalia a professora Eloísa Machado.

Competência dos estados

As ações focadas em desarmamento da AGU de Lula, comandada por Jorge Messias, são em boa parte voltadas para leis regionais que foram criadas na esteira do bolsonarismo. A possibilidade de estados se debruçarem sobre política de armas, inclusive, está em discussão na Câmara. A Comissão de Constituição e Justiça (CCJ) considerou constitucional a aprovação desse tipo de lei pelas unidades da federação, algo de que o governo discorda.

— Tem uma atuação forte da AGU no Supremo para dizer que é competência da União — afirma Machado.

O chamado controle concentrado de constitucionalidade inclui diferentes tipos de ação. A mais comum é a ação direta de inconstitucionalidade (ADI), por meio da qual o autor reivindica ao STF a revogação de uma lei ou ato normativo com base na suposta inconstitucionalidade. Foi com ADIs que Bolsonaro e Lula buscaram derrubar a desoneração da folha — no caso do petista, o ministro Cristiano Zanin concedeu liminar favorável, e o plenário virtual está analisando a decisão.

Apesar de ter sido Bolsonaro o principal questionador do Congresso na Corte, os presidentes da Câmara e do Senado, Arthur Lira (PP-AL) e Rodrigo Pacheco (PSD-MG), reagiram de forma enfática ao movimento recente da AGU de Lula no caso da desoneração, dado que a prorrogação da medida econômica havia sido aprovada no Legislativo. A insatisfação engrossa um caldo de atritos que não é de hoje e abarca ainda outras formas de judicialização criticadas pelos parlamentares.

Em entrevista ao programa “Conversa com Bial”, da TV Globo, Lira reclamou das ações no STF movidas por partidos políticos — algo que abrange siglas dos diferentes matizes ideológicos. Lula, por exemplo, balizou as nomeações de Aloizio Mercadante no BNDES e de Jean Paul Prates na Petrobras após a Corte analisar uma ação do PCdoB que provocava o Supremo sobre a Lei das Estatais.

Já Pacheco tem colocado em curso uma agenda legislativa que bate de frente com movimentos do STF. O caso mais explícito é o da PEC das Drogas, pautada em resposta ao julgamento no Judiciário sobre a descriminalização do porte de pequenas quantidades de maconha.

'Judiciarismo de coalizão'

Ex-presidente da Corte na década de 1970, Eliomar Baleeiro classificou o Supremo como “esse outro desconhecido”, por causa dos tímidos holofotes sobre o tribunal — cenário bem diferente do de hoje. Além da popularização dos ministros, com transmissões ao vivo das sessões, participações em eventos e entrevistas, os 11 magistrados passaram a atuar de forma mais ativa na vida política.

— O Supremo Tribunal Federal no Brasil, até uns 25 anos atrás, era um órgão muito distante, muito discreto. Fazia suas políticas de sobrevivência corporativa, mas não tinha a centralidade que tem hoje — resume o cientista político Christian Lynch, do Iesp-Uerj.

Lynch cunhou o termo “judiciarismo de coalizão” para se referir a como Lula tem tratado a Corte. Numa conjuntura marcada pelo fortalecimento do Judiciário e, ao mesmo tempo, por um Legislativo de dinâmicas distintas daquele de alguns anos atrás, Bolsonaro e Lula, cada um à sua maneira, entenderam a centralidade do STF, avalia o professor. O presidencialismo de coalizão, assim, opera em novas bases.

— O Supremo foi ficando cada vez mais importante, mas só se deram conta disso a partir do governo Temer, com o impeachment da Dilma. Perceberam que precisavam tratar o STF como estratégico durante a Lava-Jato — diz Lynch. — Bolsonaro é eleito e percebe a absoluta centralidade do Supremo, mas como um inimigo. Agora temos um governo que percebe a centralidade, mas o quer como amigo, aliado.

Na parte que envolve a influência de um Poder sobre outro, são comuns indicações ou aval de ministros do STF a nomes escolhidos para cargos-chave pelo presidente da República. Houve o caso da campanha de Gilmar Mendes e Alexandre de Moraes pela escolha de Paulo Gonet para a Procuradoria-Geral da República (PGR), por exemplo, além da nomeação de um ex-ministro do Supremo, Ricardo Lewandowski, como titular do Ministério da Justiça.

— Temos uma crítica séria e consolidada sobre esse arranjo que coloca o Supremo como protagonista, mas hoje há também uma agenda da extrema direita que quer implodir o tribunal. Temos que ter cuidado para analisar os pontos todos dessa dinâmica — pondera Eloísa Machado.