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Ozempic: tire todas as dúvidas sobre o fim da patente e a chegada da versão mais barata no Brasil

Indústria de países como China, Índia e Brasil se movimentam para oferecer, já em 2026, similares ou genéricos a preços reduzidos

Agência O Globo - 30/04/2024
Ozempic: tire todas as dúvidas sobre o fim da patente e a chegada da versão mais barata no Brasil
Ozempic - Foto: Arquivo/CFF

O Ozempic é um fenômeno global: a demanda pelo medicamento para diabetes, muito usado para perder peso, levou a farmacêutica Novo Nordisk a fechar 2023 com um valor de mercado acima de 500 bilhões de dólares, mais alto do que o próprio PIB da Dinamarca, de onde é a companhia. Ainda assim, o monopólio sobre a semaglutida, princípio ativo do remédio, leva a custos elevados (cerca de mil reais mensais) e a uma limitada capacidade produtiva, o que tem deixado muitos pacientes que poderiam se beneficiar das drogas sem acesso. Mas essa realidade deve mudar em breve no Brasil.

Em 2026, a patente sobre a semaglutida chega ao fim, permitindo que laboratórios comercializem medicamentos genéricos ou similares. A indústria brasileira, assim como a de outros países onde a exclusividade também está perto de terminar, já se movimenta para introduzir versões mais baratas do remédio no mercado – que podem estar disponíveis já daqui a dois anos e, se seguir a tendência de outros remédios no Brasil, a preços de 15% a 60% inferiores.

— Os laboratórios têm um grande gasto com pesquisa de novas moléculas, então quando uma delas começa a ser comercializada, a indústria repassa os gastos do desenvolvimento não só dela, mas das outras que foram descartadas. A farmacêutica fica com o direito de ser dona daquela molécula por um tempo, mas quando a patente chega ao fim outras indústrias podem produzi-la. E quando você não tem o custo do desenvolvimento e tem a concorrência de empresas, os preços tendem a diminuir — explica Paola Zucchi, chefe da disciplina de Economia e Gestão em Saúde da Escola de Medicina da Unifesp.

Porém, antes mesmo de a patente expirar, os laboratórios já podem desenvolver as moléculas e realizar os estudos necessários para comprovar que tenham a mesma segurança e eficácia da original. Além disso, podem submeter o produto a agências reguladoras para uma aprovação – deixando o caminho pronto para, quando o prazo chegar ao fim, o medicamento já estar 100% apto a ser vendido.

— Já houve casos em que, quase imediatamente depois de vencida a patente, tivemos o ingresso de genéricos no mercado brasileiro. A semaglutida é mais complexa, e portanto depende de mais estudos, da elaboração de uma documentação mais densa. Mas é perfeitamente possível num curto prazo após o fim da patente termos alternativas no mercado. A estratégia de cada empresa varia, mas a indústria brasileira está se preparando — diz Reginaldo Arcuri, presidente do Grupo Farma Brasil, que representa a indústria farmacêutica do país.

Laboratórios da China e da Índia, no entanto, já estão mais avançados no desenvolvimento e validação dessas moléculas em estudos. No início de abril, a chinesa Hangzhou Jiuyuan Gene Engineering submeteu às autoridades o primeiro pedido pedido de aprovação de um similar da semaglutida no país.

Já na Índia, empresas como Dr. Reddy’s, Cipla e Biocon também desenvolvem versões próprias da molécula. Em março, a Biocon recebeu o sinal verde no Reino Unido para seu genérico da liraglutida, uma substância semelhante à do Ozempic, porém mais antiga e menos eficaz. Há algumas semanas, a empresa anunciou um acordo com a brasileira Biomm para, a partir de 2026, comercializar sua versão similar da semalgutida no país.

— A Biocon desenvolve e produz o produto, e nós seremos responsáveis por licenciar e importar para a venda no Brasil. Iniciando esse processo agora, nossa expectativa é que, no momento em que a patente expire, entre junho e julho de 2026, já tenhamos o produto pronto e aprovado para ser vendido no mercado brasileiro. Entendemos que esses dois anos são suficientes — afirma Renato Arroyo Barbeiro, CFO e Diretor de Relações com Investidores da Biomm.

Médicos ouvidos pelo GLOBO contam que a expectativa para a chegada de similares e genéricos da semaglutida é alta: — Isso é muito desejável, porque com mais concorrência vamos começar a ter uma mudança de preço que beneficiará pacientes que hoje não têm condição financeira de fazer o tratamento — diz Márcio Mancini, coordenador do departamento de Farmacoterapia da Associação Brasileira para o Estudo da Obesidade e da Síndrome Metabólica (Abeso).

Paulo Miranda, presidente da Sociedade Brasileira de Endocrinologia e Metabologia (SBEM), concorda e cita os limites de produção da Novo Nordisk: — Existe essa expectativa da entrada de similares tanto de produção externa, como interna. Sabemos que há uma dificuldade de acesso hoje, não só pelo custo, mas pela disponibilidade devido ao alto consumo mundial da medicação e pelos limites de produção da farmacêutica.

Quanto vai custar o similar do Ozempic?

Em relação a preço, Barbeiro, da Biomm, diz ainda não ser possível estimar. Mas, para comparação, a legislação brasileira define que um genérico deve ser ao menos 35% mais barato do que o medicamento de referência – o “original”, nesse caso o Ozempic. Na prática, segundo estimativas da Associação Brasileira das Indústrias de Medicamentos Genéricos e Biossimilares (PróGenéricos), os genéricos costumam ter um preço 60% menor no mercado brasileiro.

— O Brasil encontrou o que se denomina de sistema de propriedade intelectual farmacêutico equilibrado, onde se assegura a inovação farmacêutica e se permite a entrada de medicamentos genéricos e biossimilares no menor tempo possível — diz Tiago de Moraes Vicente, presidente da PróGenéricos.

Em estudo publicado no periódico Economia e Sociedade neste ano, pesquisadores da Universidade de Brasília e da Universidade Federal de Santa Catarina analisaram essa diferença em farmácias e drogarias do país. O trabalho confirmou que genéricos costumam ser 59% mais baratos, mas apontou que os similares geralmente têm o custo 15% inferior ao remédio de referência.

— Na prática, ambos são iguais aos seus medicamentos de referência e podem ser utilizados pela população sem medo de perder a qualidade, eficácia ou segurança. Mas, para o medicamento similar, é permitido o uso de uma marca, propaganda e apresentação do produto aos prescritores, o que gera mais custos ao produto final. Enquanto o genérico carrega apenas nome do princípio ativo — explica Marcela Amaral, uma das autoras do estudo e gerente de Acesso e Precificação do Sindicato da Indústria de Produtos Farmacêuticos (Sindusfarma).

No caso da versão da semalgutida que tem a previsão mais próxima de ser comercializada no Brasil, a produzida na Índia, o diretor da Biomm explica que será um similar, e não um genérico. Porém, diz que, mais para frente, o país pode passar a produzir aqui o remédio, o que também reduziria o valor:

— Hoje, o contrato é apenas de comercialização. Mas a fábrica da Biomm, em Nova Lima, Minas Gerais, vai produzir insulina, então existe a possibilidade de, com pouco investimento, passarmos a produzir a semalgutida aqui no futuro. As adequações não são tão complexas, e isso tornaria o remédio ainda mais acessível.

Além da Biomm, Arcuri conta que outras empresas brasileiras também devem direcionar esforços para a produção nacional da semaglutida, ainda que planos não tenham sido anunciados pelas farmacêuticas:

— Certamente teremos a indústria brasileira participando da produção e do desenvolvimento desse medicamento. O foco é fornecer, com produção local e preços competitivos, aquilo que é importante para a saúde dos brasileiros. Temos, por exemplo, a Bionovis, a Libbs, que têm a capacidade e as instalações industriais para produzir esses medicamentos de rota biotecnológica.