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Principal rival de Maduro nas eleições diz que Lula e Petro ajudaram em sua candidatura

Para Edmundo González Urrutia, líderes internacionais podem ter influenciado presidente venezuelano para que sua participação no pleito fosse permitida

Agência O Globo - 27/04/2024
Principal rival de Maduro nas eleições diz que Lula e Petro ajudaram em sua candidatura

O diplomata Edmundo González Urrutia, de 74 anos, foi confirmado no sábado como o representante da líder da oposição venezuelana, María Corina Machado, nas eleições de 28 de julho — nas quais o presidente venezuelano, Nicolás Maduro, disputará um terceiro mandato. Embora seja um homem discreto e se considere “moderado”, ele sabe que, como candidato das forças democráticas num momento político delicado para o país, aproxima-se de uma zona de turbulência. Em entrevista ao El País, o embaixador disse acreditar que o presidente Luiz Inácio Lula da Silva e seu homólogo colombiano, Gustavo Petro, influenciaram Maduro para que pudesse participar do pleito. Afirmou, também, que teve contato com autoridades internacionais, principalmente do Brasil e Colômbia, que acompanham o assunto com “muito interesse e responsabilidade” e preparam um "plano de garantias" para o pleito, sem entrar em mais detalhes.

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Defensores do diálogo com a Venezuela, Brasil e Colômbia têm buscado exercer influência sobre Caracas para garantir que o processo eleitoral prossiga dentro de uma margem democrática, apesar da inabilitação sucessiva de opositores, a mais recente na quinta-feira. As articulações ganharam força neste mês, na esteira de um março marcado por tumultos durante a inscrição de candidatos no pleito, quando a primeira substituta de María Corina, a filósofa Corina Yoris, foi impedida de se registrar injustificadamente, provocando críticas do Itamaraty.

O caso ocorreu dias após o procurador-geral da Venezuela, ligado ao chavismo, prender diversos colaboradores do núcleo duro da campanha de María Corina. A confusão foi o estopim para a retomada de parte das sanções americanas contra o petróleo venezuelano, cujo levantamento estava condicionado à participação plena da oposição nas eleições, conforme o Acordo de Barbados, firmado entre as duas partes, em outubro, com participação brasileira.

Em 10 de abril, Petro se reuniu com Maduro e depois com representantes da oposição em Caracas. Durante a visita, ele disse que trabalharia pela “paz política” no país vizinho. Uma semana mais tarde, Lula foi a Bogotá discutir, entre outras coisas, o cenário na Venezuela. Coincidência ou não, três dias depois veio o anúncio de que González Urrutia iria representar a oposição pela Plataforma Unitária Democrática (PUD), após seu registro ser aceito sem obstáculos pelo Conselho Nacional Eleitoral (CNE) e aprovação unânime pelos membros da aliança. Na terça-feira, o presidente brasileiro aplaudiu o movimento da oposição em prol de uma candidatura única, classificando-o como “extraordinário”.

— Na questão da Venezuela, está acontecendo uma coisa extraordinária: a oposição toda se reuniu, está lançando um candidato único. Vai ter eleições, eu acho que vai ter acompanhamento internacional, há interesse de muita gente de querer acompanhar. Se confirmado, o Brasil participará [do processo]. A perspectiva é de que quando terminar as eleições, a gente volte a uma normalidade — disse Lula durante um café com jornalistas.

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Quem é o rival de Maduro

González Urrutia iniciou sua carreira como primeiro secretário do embaixador da Venezuela nos Estados Unidos no final da década de 1970, e depois foi embaixador de Caracas na Argélia entre 1991 e 1993 e na Argentina nos primeiros anos do governo de Hugo Chávez (1999-2013). Em seu mandato, trabalhou pela incorporação da Venezuela ao Mercosul, que se concretizou anos depois. Ser o centro de uma campanha presidencial é algo novo para ele, e seu silêncio e discrição contrastam com um Nicolás Maduro beligerante, cuja imagem é exaltada na televisão estatal, nas estradas, aeroportos e redes sociais.

Pesquisas já o colocaram em primeiro lugar, com o apoio de María Corina, vencendo Maduro e outras opções com ampla margem. Segundo ele, a líder da oposição foi uma “figura fundamental” para promover seu nome internamente, embora classifique a articulação como um “esforço conjunto”. O diplomata reconheceu a importância da política para a coalizão:

— Ela [María Corina] é a líder de todo esse processo. Em 22 de outubro, milhões de venezuelanos votaram [nas primárias]: é um mandato — disse ao El País. — Se houve alguma dúvida ou desconfiança em relação à candidatura de María Corina, ela lidou com isso de forma inteligente. Ela lidou com isso de uma forma que hoje ninguém contesta sua liderança.

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Mesmo impedida de concorrer a cargos públicos por 15 anos pela Justiça, até às vésperas do registro de candidaturas acreditou-se que María Corina não abdicaria da sua posição por outro nome. Quando Yoris foi barrada, a PUD registrou provisoriamente o nome de Edmundo González Urrutia, que seria substituído por um nome aprovado unanimemente pelos partidos da oposição durante uma janela de alterações nas cédulas eleitorais permitida pelo órgão eleitoral.

Mas obter consenso seria um desafio depois da confusão nos registros de candidaturas elevar as tensões internas. Além do diplomata, o partido Um Novo Tempo (UNT), membro da aliança opositora, inscreveu um segundo candidato nos últimos minutos: o governador do estado de Zulia, Manuel Rosales, que perdeu as eleições em 2006 contra o ex-presidente Hugo Chávez. O movimento foi classificado como “traição” por María Corina, que chegou a declarar que “o regime escolheu seus candidatos”. No entanto, com a abertura do período para substituir os nomes nas cédulas, Rosales desistiu da sua candidatura, declarando que “o futuro da Venezuela tem que vir em primeiro lugar”.

— Agradeci [Rosales] pessoalmente por seu gesto[desistência de candidatura própria], que devemos reconhecer — disse o diplomata ao El País, afirmando que teve uma conversa “muito cordial” com o governador.

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Segundo González Urrutia, ele não esperava “de jeito nenhum” que se tornaria de fato o rival de Maduro nas eleições quando foi registrado provisoriamente.

— Fui ingênuo — afirma, destacando que só caiu a ficha quando recebeu uma ligação avisando sobre sua indicação.— Não tive tempo para reagir. Senti uma grande sensação de responsabilidade diante do que estava por vir.

Relação com chavismo

O diplomata disse que, “curiosamente”, não se sentiu hostilizado pelo chavismo — apesar de ter sido chamado como “candidato dos Estados Unidos” por Maduro, ao que rebateu afirmando ser o candidato “de todos os venezuelanos democratas”. Em entrevista, ele se mostrou confiante de que sua candidatura seguirá até o fim:

— Acho que eles já teriam feito isso [inabilitado a candidatura]. Se quisessem nos tirar do jogo, esta era a oportunidade perfeita e não o fizeram.

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Olhando para o futuro, o principal nome para enfrentar Maduro nas eleições se diz “realista” em relação ao “desafio imenso” à sua frente no pleito. Com um discurso conciliador, ele não se esquiva de dialogar com o presidente para promover o “entendimento entre todos os venezuelanos” e espera buscar “caminhos de entendimento com as Forças Armadas”, alinhadas ao chavismo, em caso de vitória. E não afasta a possibilidade de conceder anistia aos chavistas:

— Será necessário fazer tudo o que for preciso para reconciliar o país, deixar para trás o conflito, atenuar o ânimo de conflito. Para isso, é necessário visão.

González Urrutia reconheceu os desafios de ter o chavismo na oposição caso se consagre vencedor: “pode ser um país ingovernável”, declarou ao El País. No entanto, ele diz estar confiante para enfrentar um eventual cenário de instabilidade, mesmo diante do aparelhamento estatal por aliados de Maduro.

— Depende do respaldo com que chegarmos. Se chegarmos com uma votação massiva, com o apoio da comunidade internacional, é muito difícil que o governo possa distorcer essa realidade.

Colaborou Emanuelle Bordallo