Internacional

‘A idolatria pela figura do caudilho vive até hoje’: em livro, correspondente conta as peculiaridades da América Latina

Ariel Palácios, que reporta a partir de Buenos Aires para a GloboNews, traz detalhes sobre líderes como Maduro, Stroessner, Kirchner e o presidente argentino de ultradireita, Javier Milei

Agência O Globo - 27/04/2024
‘A idolatria pela figura do caudilho vive até hoje’: em livro, correspondente conta as peculiaridades da América Latina

Após cobrir a América Latina a partir de Buenos Aires por quase 30 anos, o jornalista Ariel Palacios lança neste sábado um novo livro, “América Latina, Lado B: O cringe, o bizarro e o esdrúxulo de presidentes, ditadores, e monarcas dos vizinhos do Brasil”, pela Globo Livros. Ao longo de mais de 400 páginas, Palacios fala sobre as peculiaridades de países latino-americanos de todas as épocas. Mas alguns dos países estão, como disse o jornalista em entrevista ao GLOBO, na pole position, entre eles Argentina, Venezuela, Paraguai e Bolívia.

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Dentro deles, algumas figuras se destacam, como o atual presidente argentino, Javier Milei. “Milei já disse em uma entrevista ao jornal El País que seus cães são seus melhores conselheiros e estrategistas políticos”, lembra Palacios. A América Latina é terreno fértil para líderes bizarros, acredita o jornalista, “porque na região a concentração de poder é muito grande e as instituições tendem a ser fracas”.

O que seria o lado B da América Latina?

São as bizarrices, o que chamamos de pequenas histórias, fatos que não aparecem nas grandes reportagens. Embora alguns, sim, apareçam, porque há coisas que são aparentemente pequenas, mas que ilustram muito bem a personalidade de um caudilho, ditador ou presidente democraticamente eleito. E é interessante como as sociedades toleram alguns tipos de comportamentos. Algumas vezes são coisas feitas explicitamente na frente do público, outras nos bastidores.

Qual seria uma bizarrice explícita?

Por exemplo, [Nicolás] Maduro falando que se comunicava com [Hugo] Chávez através de um passarinho, que anos depois virou uma borboleta, mudança que teve pouco ibope. Maduro também conversou com vacas e pediu votos a elas, numa exposição agropecuária. Também tivemos o venezuelano falando com um cavalo. Em 2013, o primeiro escândalo do governo Maduro foi, pouco depois da eleição, a crise do papel higiênico. Primeiro ele disse que era uma mentira inventada pela mídia e a oligarquia. Depois botou a culpa nos EUA e, por último, afirmou que se tratava de uma vitória da revolução bolivariana, porque se faltava papel higiênico era porque os venezuelanos estavam se alimentando mais.

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Poderia contar algumas?

A Bolívia, por exemplo, tem bizarrices de sobra ao longo de sua História. No século XIX, tivemos o general Mariano Melgarejo, ditador e fanático pela França. Quando a guerra entre Prússia e França começou, em 1870, Melgarejo quis enviar suas tropas para Paris. Seus generais lhe explicaram que era muito complicado, mas ele queria salvar a França. (...) Um doido. Acabou voltando para La Paz, foi derrubado e terminou seus dias em Lima. A Bolívia tem bizarrices aos montes.

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Temos um país campeão das bizarrices na América Latina?

É difícil de estabelecer. Mas existe um grupo de países que ocupa a pole position, como Argentina, Bolívia, e Venezuela, que tem sido bizarra nas últimas décadas.

Com o chavismo?

Sim, 80% das bizarrices venezuelanas são com o chavismo e com o madurismo, principalmente o madurismo. Mas na Bolívia é uma constante, no Paraguai e no Equador também.

Os líderes latino-americanos tendem a ser mais bizarros?

Infelizmente, na região a concentração de poder é muito grande e as instituições tendem a ser fracas. A idolatria pela figura do caudilho, que é uma herança espanhola, está viva até hoje. Temos também o lado místico de muitos, que acham que são enviados de Deus.

E assim chegamos a Javier Milei. Ele é o mais bizarro dos presidentes argentinos, civis e militares?

Sim, Milei é o campeão da bizarrice porque os outros acumulam situações ao longo de suas vidas, mas com Milei é tudo muito rápido. Ele era um economista de quinta categoria e chegou a presidente. Ele é totalmente um outsider, e a política argentina não estava acostumada a outsiders. É um fenômeno inédito, como foi [o ditador Alberto] Fujimori no Peru.

As maiores bizarrices são suas relações com seus cachorros e com a irmã, Karina?

Sim, [o fato de] ele clonar e falar com o cachorro para pedir conselhos políticos. Qualquer pessoa, se puder se comunicar com seu cachorro morto, vai provavelmente lhe perguntar se ele está bem, onde está, não pedir conselhos políticos. Milei já disse em entrevista que seus cães são seus melhores conselheiros e estrategistas. É um presidente que consulta um animal, através da irmã. O jornalista Hugo Alconada Mon consultou mais de 20 fontes e contou que Milei disse a conhecidos que já foi gladiador há 2 mil anos, no Coliseu de Roma, onde se encontrou com um leão, que era a encarnação do cachorro. No encontro, conta Milei, Deus apareceu e disse a eles que não deviam se confrontar porque no futuro se ajudariam mutuamente. Isso não é normal.