Internacional

Moradores de Veneza protestam contra cobrança de taxa para visitantes: 'Parque de diversões'

Venezianos dizem que, além de restringir a liberdade de ir e vir, esquema não combaterá o turismo de massa; eles defendem que aluguel de curto prazo ofertados por meio de sites deveria ser o alvo

Agência O Globo - 25/04/2024
Moradores de Veneza protestam contra cobrança de taxa para visitantes: 'Parque de diversões'

Em uma decisão inédita, as autoridades de Veneza começaram a cobrar, nesta quinta-feira, uma taxa de entrada para os turistas que visitam a cidade italiana por um dia, isto é, não pernoitam. Apesar da medida ter sido implementada sob a justificativa de abrandar os efeitos do overtourism (turismo de massa), criticado principalmente pelos moradores, ela não foi bem recebida por eles. Ao contrário: centenas de venezianos tomaram as ruas para protestar contra a cobrança, afirmando que a medida em nada contribuirá para resolver o problema.

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Segurando cartazes com "Acesso gratuito à Veneza", "Não ao ticket, Sim para casas e serviços para todos" e "Veneza se vende, se defende", pouco mais de 300 pessoas se reuniram perto da estação na manhã desta quinta, onde placas e cabines foram montadas para a venda do bilhete, que custa € 5 (quase R$ 28). Aqueles que pernoitam — porque já pagam uma taxa de turismo — menores de 14 anos, residentes, estudantes e trabalhadores estão isentos. Os ingressos também podem ser adquiridos de maneira online.

Houve tensão entre alguns manifestantes e a tropa de choque, e o esquema causou dúvidas naqueles que estavam hospedados em hotéis na cidade, informou o Guardian.

Considerada uma das cidades mais bonitas do mundo, Veneza é um dos principais destinos turísticos, mas está se afogando sob o peso das multidões. Segundo o Guardian, a cidade perdeu mais de 120 mil moradores desde o início da década de 1950. Nos horários de pico, pelo menos 100 mil visitantes passam a noite no seu centro histórico, o dobro da população de apenas 50 mil habitantes. Ainda assim, alguns moradores acreditam que a medida restringe os direitos fundamentais de liberdade de movimento, além de transformar a famosa cidade em uma espécie de atração.

— Isso não é um museu, não é uma área ecológica protegida, você não deveria ter que pagar. É uma cidade — disse Marina Dodino, da associação de moradores locais ARCI, à AFP.

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A ideia é similar à de Matteo Secchi, responsável pelo Venessia.com, também uma associação de moradores. Ele afirmou que, ao implementar uma taxa para quem deseja circular, tudo o que as autoridades fazem é "transformar Veneza em um parque temático".

— Você não pode impor uma taxa de entrada em uma cidade. Esta é uma imagem ruim para Veneza… quero dizer, estamos brincando? — disse ao Guardian.

Aluguel na mira

Os moradores também reclamam que as medidas não abordam outro problema importante: a expansão dos aluguéis de curto prazo por meio de sites como o Airbnb, que estão expulsando os inquilinos de longo prazo. Em Florença, que também sofre com o turismo de massa, por exemplo, as autoridades proibiram novos aluguéis privados de curto prazo para férias no centro histórico e ofereceram reduções de impostos para os proprietários que voltarem a usar aluguéis comuns.

— É preciso começar pelas casas se realmente quisermos resolver o problema do turismo em Veneza — disse Federica Toninello, uma ativista local.

A “Taxa de Acesso a Veneza” está sendo introduzida inicialmente em 29 dias movimentados ao longo de 2024, principalmente nos fins de semana de maio a julho. Esta quinta-feira, dia 25 de abril, é feriado nacional — os italianos festejam a “Festa della Liberazione”, isto é, a libertação da Itália do fascismo. Cerca de 13 mil ingressos foram vendidos até o fim desta manhã, segundo o gabinete do prefeito, Luigi Brugnaro. O gestor negou, segundo o Guardian, que a iniciativa tenha caráter lucrativo, prometendo cortar os impostos locais caso a medida seja bem-sucedida.

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Ele afirmou que o novo esquema é “um experimento”, monitorado com “controles muito suaves” e “sem filas”. Não há catracas ou barreiras na cidade, mas inspetores realizarão verificações nos principais pontos de entrada. Eles poderão aplicar multas aos que não tiverem ingressos, que variam de € 50 a € 300 (entre R$ 276,6 e R$ 1,6 mil). Mas um funcionário disse à AFP que não se espera nenhuma multa na quinta-feira, pois as autoridades estão tentando persuadir em vez de punir.

Sem limites de ingresso

A ideia do bilhete já vinha sendo debatida há muito tempo, mas foi adiada repetidamente devido à preocupação de que poderia prejudicar seriamente a receita turística e comprometer a liberdade de movimento. As autoridades já haviam imposto uma proibição em 2021 aos enormes navios de cruzeiro dos quais milhares de turistas saem diariamente, redirecionando-os para um porto industrial mais distante.

— O objetivo é encontrar um novo equilíbrio entre o turismo e a cidade de seus residentes — disse à AFP Simone Venturini, o conselheiro local responsável pelo turismo.

Não haverá limite para o número de ingressos disponíveis. Em vez disso, o objetivo é tentar persuadir os turistas de um dia a visitarem Veneza em períodos mais calmos. O esquema está sendo observado de perto à medida que destinos em todo o mundo enfrentam um grande número de turistas, que impulsionam a economia local, mas correm o risco de sobrecarregar as comunidades locais e os locais frágeis.

— Acho que é bom, porque talvez diminua o número de turistas em Veneza — disse Sylvain Pelerin, um turista francês que visita a cidade há mais de 50 anos.

Na visão da turista Gabriella Pappada, que vem de Lecce, no sul da Itália, a medida pode privar as pessoas que não têm condições de conhecer a região:

— Considero Veneza a cidade mais bonita do mundo e, portanto, privar uma pessoa com baixo orçamento da oportunidade de vir para desfrutar da cidade por uma ou duas horas é certamente uma pena para estes turistas.

'Só cinco euros'

Veneza, espalhada por mais de 100 pequenas ilhas e ilhotas no nordeste da Itália, foi listada pela UNESCO como Patrimônio Mundial em 1987. Mas o número de pessoas que procuram conhecer o que o órgão cultural da ONU chama de “extraordinária obra-prima arquitetônica” tornou-se esmagador.

Dezenas de milhares de pessoas entram nas ruas estreitas da cidade durante o dia, geralmente em navios de cruzeiro, para ver pontos turísticos como a Praça de São Marcos e a Ponte Rialto. No ano passado, a UNESCO ameaçou colocar Veneza em sua lista de patrimônios em perigo, citando o turismo de massa e o aumento dos níveis de água em sua lagoa, atribuído às mudanças climáticas.

Veneza escapou da ignomínia somente depois que as autoridades locais concordaram com o novo sistema de venda de ingressos. Mas, para o turista americano Ashish Thakkar, que está visitando Veneza com sua esposa, o efeito do passe é questionável.

— Se eu estiver vindo de fora do país, cinco euros só para ter acesso à cidade, eu não me importaria de pagar — disse à AFP. (Com AFP)