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Imunidade presidencial: Trump busca vitória ou derrota demorada em análise na Suprema Corte

Máxima instância do Judiciário americano começa a avaliar principal argumento da defesa do ex-presidente nesta quinta-feira; republicano quer anular acusações criminais por atos praticados enquanto ocupava a Casa Branca

Agência O Globo - 25/04/2024
Imunidade presidencial: Trump busca vitória ou derrota demorada em análise na Suprema Corte
Trump

A Suprema Corte dos EUA começa a analisar, nesta quinta-feira, a tese da imunidade presidencial — cerne da defesa do ex-presidente Donald Trump em uma série de casos que ele enfrenta na justiça, sobretudo na acusação de tentativa de conspiração para subverter o resultado da eleição presidencial de 2020. A decisão dos magistrados sobre o presidente americano possuir ou não imunidade absoluta em atos praticados durante o mandato tem peso decisivo para Trump, embora mesmo uma derrota que protele o julgamento da causa para depois das eleições atenda a pretensões mais imediatas do republicano.

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Trump não vai acompanhar a sessão desta quinta presencialmente. Enquanto os ministros estiverem reunidos em Washington, o ex-presidente estará sentado no banco dos réus em um tribunal de Nova York, onde responde ao caso de pagamento de suborno à ex-atriz pornô Stormy Daniels. Contudo, os seus interesses estarão presentes.

A defesa de Trump busca, de forma ampla, o reconhecimento de uma imunidade presidencial irrestrita. Em janeiro, advogados do ex-presidente chegaram a afirmar que um chefe de Estado americano deve ser imune à persecução penal por atos cometidos enquanto estiver no cargo, mesmo que ordene a uma unidade das forças especiais assassinar seus rivais políticos. Alegaram também que apenas o Congresso poderia julgá-lo, não os tribunais, nem mesmo após deixar o cargo.

A maioria dos especialistas em direito americano dizem que dificilmente a tese do ex-presidente vai prevalecer na Suprema Corte, e enfrentará ceticismo até mesmo dos ministros por ele indicados. No entanto, embora a intenção de Trump seja ter sua alegação acatada, ao menos duas maneiras de ser derrotado interessam.

Uma delas envolve o "timing" da decisão. Mesmo que o argumento da defesa de Trump seja derrotado categoricamente, cada semana que o caso permanecer sob apreciação judicial diminui as chances do julgamento da acusação contra ele, a suposta tentativa de conspiração para subverter o resultado das eleições de 2020, começar antes da eleição.

Se o tribunal agir com considerável rapidez, o que não foi a tônica do caso até o momento, e decidir contra Trump dentro de um mês, o julgamento provavelmente se iniciaria no meio da campanha presidencial. Se o tribunal não decidir até o final de junho, o julgamento poderia não ocorrer até depois das eleições. Neste caso, Trump poderia ordenar que o Departamento de Justiça suspendesse as acusações, considerando que vença a disputa eleitoral.

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A outra possibilidade, que recebeu menos consideração, mas não é menos importante, é a de que a decisão da Corte, mesmo se emitida prontamente, adicione uma nova camada de complicações legais ao caso, o que também levaria a uma protelação que beneficiaria Trump.

Em 2020, quando outro caso envolvendo o ex-presidente chegou à Suprema Corte, meses antes da eleição presidencial vencida por Joe Biden, os magistrados seguiram pelo segundo caminho. A questão para a Corte era similar a desta quinta-feira: se Trump tinha direito a uma forma de imunidade presidencial absoluta que o permitisse bloquear promotores de obterem seus registros fiscais. Trump perdeu o caso. Mas a perda foi uma espécie de vitória, pois o processo foi devolvido aos tribunais inferiores para mais análises, esgotando o prazo.

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Em uma opinião concordante, dois dos nomeados de Trump — os juízes Brett Kavanaugh e Neil Gorsuch — resumiram a mensagem final da Corte desta maneira: "A Corte hoje, por unanimidade, conclui que um presidente não possui imunidade absoluta de uma intimação criminal estadual, mas também concorda unanimemente que este caso deve ser devolvido ao tribunal de primeira instância, onde o presidente pode levantar objeções constitucionais e legais à intimação conforme apropriado".

Isso acabou sendo uma boa maneira de perder. O caso foi discutido por mais de seis meses antes de retornar à Suprema Corte em fevereiro de 2021, quando os juízes emitiram uma decisão final contra Trump — meses após a eleição.

Nesta quinta, as pretensões de Trump estarão nas mãos dos mesmos juízes, em um tribunal de maioria conservadora que ele mesmo indicou três dos magistrados. Apesar disso, não há garantia de vitória. Em um Tribunal de Apelações que apreciou as alegações anteriormente, até mesmo a juíza nomeada por Trump decidiu que não havia imunidade.

Trump recorre a Nixon

A defesa de Trump alega que o ex-presidente tem direito à imunidade absoluta das acusações as quais está sendo imputado, baseando-se em uma compreensão ampla da separação dos poderes e em um precedente da Suprema Corte de 1982, que reconheceu a imunidade em casos civis por ações tomadas por presidentes dentro do "perímetro externo" de suas responsabilidades oficiais.

Dois dos principais precedentes no caso envolvem o ex-presidente Richard Nixon, que ficou conhecido pelo escândalo de Watergate. No caso United States v. Nixon, o tribunal decidiu, em 1974, que o presidente, ainda no cargo, tinha que cumprir uma intimação judicial que buscava fitas de suas conversas no Salão Oval, rejeitando suas reivindicações sobre privilégio executivo.

"Nem a doutrina da separação dos poderes, nem a necessidade de confidencialidade das comunicações de alto nível, sem mais, podem sustentar um privilégio presidencial absoluto e incondicional de imunidade de processo judicial em todas as circunstâncias", escreveu o presidente da Suprema Corte à época, Warren E. Burger.

Mas em 1982, muito depois de Nixon deixar o cargo sob ameaça de impeachment, o tribunal decidiu a favor dele no caso Nixon v. Fitzgerald, um processo civil movido por um analista da Força Aérea que disse ter sido demitido em 1970 em retaliação por críticas aos gastos públicos. Na ocasião, os juízes votaram a favor de Nixon por 5 a 4.

"Em vista da natureza especial do cargo e funções constitucionais do presidente, achamos apropriado reconhecer a imunidade presidencial absoluta de responsabilidade por danos por atos dentro do 'perímetro externo' de sua responsabilidade oficial", escreveu o ministro Lewis F. Powell Jr., no voto da maioria.

O procurador especial Jack Smith, responsável pela acusação contra Trump no caso da tentativa de subverter o resultado eleitoral, argumentou aos juízes que o precedente de 1982 não se aplica a casos criminais.

"Este caso envolve o interesse muito mais duro em vindicar a lei penal federal em uma acusação movida pelo próprio Poder Executivo", escreveu Smith em documento apresentado à Corte. "Isso não era verdade no [caso] Fitzgerald". (Com NYT e El País)