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Rapper iraniano é condenado à forca por protesto contra morte de Mahsa Amini, acusada de usar hijab ‘impróprio’

Toomaj Salehi escreveu canções críticas ao regime e participou de manifestações pela jovem, morta sob custódia policial no final de 2022

Agência O Globo - 24/04/2024
Rapper iraniano é condenado à forca por protesto contra morte de Mahsa Amini, acusada de usar hijab ‘impróprio’

Um popular rapper iraniano foi condenado à forca por apoiar protestos contra a morte de Mahsa Amini, de 22 anos, em 2022, presa por usar um hijab considerado “impróprio”. Toomaj Salehi, de 33 anos, será enforcado por acusações relacionadas a um período de agitação nacional contra o governo, disse o advogado de Salehi ao jornal iraniano Sharq, nesta quarta-feira.

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Em declarações públicas, Salehi vocalizou apoio à onda de manifestações “Mulheres, Vida, Liberdade”, que levaram à sua prisão em outubro de 2022. Ele também lançou canções criticando o regime iraniano e exigindo maiores liberdades e direitos às mulheres. Salehi postou fotos suas participando de alguns protestos em apoio à própria Mahsa Amini.

A jovem morreu em setembro de 2022, após ser presa por supostamente violar regras rígidas do hijab. Desde então, as manifestações levaram a milhares de detenções, assim como a relatos de tortura e morte nas mãos do Estado iraniano.

Após ser preso no mesmo ano da morte de Mahsa, Salehi foi condenado novamente, no ano passado, a seis anos e três meses de prisão por “corrupção na Terra”, mas evitou a pena de morte devido a uma decisão do Supremo Tribunal. A corte encontrou “falhas na sentença original” e devolveu o caso a um tribunal de primeira instância para que fosse reexaminado.

Já a primeira secção do Tribunal Revolucionário de Isfahan, contrariando a decisão do Supremo Tribunal, sentenciou Salehi à pena máxima, de acordo com advogado Amir Raisian a Sharq. O Tribunal Revolucionário acusou o rapper de “assistência em sedição, reunião e conluio, propaganda contra o sistema e apelo a motins”, disse Raisian.

O judiciário iraniano ainda não confirmou a sentença. Salehi tem 20 dias para recorrer da decisão, o que seu advogado afirma que será feito. Desde então, o cantor alegou tortura na prisão, segundo o Iran Wire.

Em uma publicação nas redes sociais antes de sua prisão, o rapper escreveu: “Vocês deveriam saber que não tenho medo da morte, da prisão e da tortura. O que temo é ver mulheres venderem seus corpos por necessidade e ser obrigado a calar a boca. Tenho medo de ver as pessoas se curvarem até a cintura na lata de lixo, mas permanecerem em silêncio; ver você bater em um trabalhador e ficar quieto; testemunhar o assassinato de um manifestante e a tortura de sua família em busca de justiça, e calar a boca... Há um mar de sangue entre você e eu".

Salehi foi preso pela primeira vez em setembro de 2021, depois que suas canções sobre corrupção, pobreza, execuções e violência contra manifestantes se tornaram virais.

Mais de 500 assassinatos

A primeira das mortes investigadas foi a de Mahsa Amini. No relatório, afirma-se que pouco depois de sua prisão pela polícia da moralidade, a mulher foi admitida no hospital Kasra de Teerã, já em morte cerebral, com “traumatismos infligidos enquanto estava sob custódia da polícia”. A missão está, portanto, “convencida” de que Amini “foi submetida a violência física que levou à sua morte”.

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Após o início dos protestos, destaca o documento, centenas de manifestantes ou transeuntes morreram devido à repressão. “Em setembro de 2023, uma cifra crível era de 551 pessoas assassinadas, incluindo até 49 mulheres e 68 crianças (...). Houve mortes em pelo menos 26 das 31 províncias, com o maior número de vítimas em regiões habitadas por minorias [étnicas], particularmente na província de Sistão-Baluquistão, nas regiões curdas do país e no Azerbaijão ocidental”.

Apenas em 30 de setembro de 2022, 104 pessoas morreram em Zahedan, na província oriental de Sistão-Baluquistão, quando “as forças de segurança dispararam com rifles de assalto (AK-47) de uma delegacia localizada em frente a um complexo de oração, mirando civis”.

Execuções extrajudiciais

O “padrão de uso de armas de fogo”, como rifles de assalto “carregados com munição de múltiplos projéteis”, explica a “maioria das mortes”, continua o relatório. Policiais, membros da Guarda Revolucionária e paramilitares atiravam em situações que não envolviam risco para eles. O texto menciona um protesto pacífico “em frente a um prédio do governo ou base de segurança”. Segundo o documento, “os assassinatos seletivos de manifestantes constituíam execuções extrajudiciais”.

Em outras ocasiões foram usadas armas “menos letais”, mas que serviram para, por exemplo, cegar um ou ambos os olhos de numerosos cidadãos, incluindo crianças, com balas de borracha. Os feridos nas manifestações frequentemente não conseguiam acesso a atendimento médico, já que o Ministério da Saúde proibiu hospitais de atendê-los.

Em outros casos, houve detenções arbitrárias por “dançar, cantar, gritar, escrever slogans ou buzinar”. Familiares de manifestantes, profissionais de saúde, jornalistas, estudantes, professores, ativistas, artistas e atletas também foram presos por solidariedade com os protestos. O relatório acusa que, após a detenção, vinha a tortura – física, psicológica e verbal.

“Os detidos, incluindo crianças, foram submetidos a longas e repetidas sessões de interrogatório, durante as quais tiveram os olhos vendados ou foram encapuzados”. As torturas incluíam “socos, chutes, golpes, chibatadas e queimaduras, choques elétricos, suspensões e posições antinaturais”. Além disso, “a numerosos detidos, incluindo crianças, foram injetadas à força substâncias desconhecidas”, continua o texto.

Especialmente em centros de detenção secretos, o “padrão de violência sexual e baseada em gênero” incluiu “o estupro [também de crianças] com objetos, choques elétricos nos genitais, nudez forçada, toques e outras formas de violência”. Uma mulher detida em novembro de 2022 foi estuprada por dois agentes do Estado enquanto uma agente feminina, vestida com o chador que cobre mulheres da cabeça aos pés, a segurava.

Quando os detidos finalmente compareciam perante um tribunal, o faziam sem um advogado de sua escolha e sem serem autorizados a acessar seu processo para conhecer as provas contra eles. Nessas condições de privação de “garantias processuais”, nove manifestantes executados pelos protestos foram condenados à forca. Outros 19 aguardam no corredor da morte por sua relação com os protestos.

A missão de investigação da ONU conclui o relatório incentivando os Estados que incorporam o conceito de justiça universal em suas legislações a abrir investigações sobre a repressão no Irã. Também os insta a conceder asilo e vistos aos participantes do movimento “Mulher, vida e liberdade”, dos quais destaca a “coragem e resiliência”. (Com AFP e El País)