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Pacote de ajuda à Ucrânia deve ser aprovado neste sábado após democratas virarem votos

Deputados do Partido Democrata intervieram na sexta-feira para apoiar a apresentação da medida ao plenário, em uma notável quebra de costume em uma votação importante

Agência O Globo - 20/04/2024
Pacote de ajuda à Ucrânia deve ser aprovado neste sábado após democratas virarem votos

A Câmara dos Estados Unidos deu um passo fundamental na sexta-feira para a aprovação de um pacote de ajuda à Ucrânia, Israel e Taiwan — que há muito tempo estava paralisado — após democratas virarem os votos cruciais para fazer com que a legislação superasse a oposição republicana e pudesse ser considerada em plenário. Desde o final do ano passado, o governo tem enfrentado dificuldades para aprovar o envio de um novo pacote de ajuda militar à Ucrânia, no momento em que Kiev vê seus arsenais chegarem a níveis críticos, e em que a Rússia intensifica ataques contra cidades e fortalece posições de defesa em áreas já ocupadas.

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A votação de 316 a 94 votos abriu caminho para que a Câmara apresentasse o pacote de ajuda, preparando votações separadas neste sábado para cada uma de suas partes. Mas a aprovação dessas medidas, cada uma delas atraindo o apoio bipartidário de diferentes coalizões, não foi posta em dúvida, tornando a ação de sexta-feira o principal indicador de que a legislação está praticamente certa de ser aprovada. Se isso acontecer nas votações marcadas para a tarde deste sábado, espera-se que o Senado aprove rapidamente a medida, e o presidente Joe Biden disse que a assinaria como lei.

Na sexta-feira, a regra para considerar o projeto de lei — historicamente uma votação partidária direta — foi aprovada com mais apoio democrata do que republicano, mas também obteve a maioria dos votos do Partido Republicano, deixando claro que, apesar de uma profunda resistência da extrema direita, há um amplo apoio bipartidário para o pacote de US$ 95,3 bilhões (quase R$ 500 bilhões).

A votação foi uma enorme vitória no amplo esforço para financiar a Ucrânia em sua luta contra a invasão russa, uma das principais prioridades do governo Biden. Foi um triunfo contra as forças do isolacionismo dentro do Partido Republicano e um momento importante de consenso em um Congresso que, no ano passado, foi definido principalmente por sua disfunção.

Mas isso só aconteceu depois que o presidente da Câmara, Mike Johnson, colocou seu cargo em risco ao se voltar para os democratas em uma violação significativa dos costumes da Câmara, comprometendo ainda mais sua posição, enquanto abria caminho para que a legislação fosse votada e aprovada.

No plenário da Câmara, os democratas mantiveram seus votos até que ficasse claro que não havia apoio republicano suficiente para que a medida fosse aprovada sem o suporte deles e, em seguida, os votos "sim" começaram a chegar. Por fim, 165 democratas votaram a favor da medida, mais do que os 151 republicanos que a apoiaram.

— Os democratas, mais uma vez, serão os adultos na sala, e estou muito feliz que os republicanos finalmente tenham percebido a gravidade da situação e a urgência com que devemos agir — disse o deputado Jim McGovern, de Massachusetts, o principal democrata no Comitê de Regras. — Mas aqui não se recebe um prêmio por fazer o seu trabalho.

McGovern culpou uma "minoria MAGA [referência aos apoiadores do ex-presidente Donald Trump] que não quer se comprometer" pelo longo atraso na aprovação da ajuda à Ucrânia. Mas ele disse que os democratas estavam fornecendo os votos porque "há muito mais em jogo aqui do que um partidarismo mesquinho".

Foi a segunda vez durante esta legislatura que os republicanos tiveram que contar com os votos dos democratas na Câmara para levar ao plenário uma legislação para tratar de uma questão crítica. Eles fizeram isso no ano passado para permitir uma votação para suspender a lei do teto da dívida e evitar um calote federal catastrófico. Naquela votação, 29 republicanos votaram contra a regra. Na sexta-feira, foram 55.

Após a votação, o deputado Paul Gosar, do Arizona, tornou-se o terceiro republicano a dizer que apoiaria uma tentativa de destituir Johnson de seu cargo. A deputada Marjorie Taylor Greene, republicana da Geórgia, já havia apresentado uma resolução pedindo a destituição de Johnson, mas ainda não solicitou a votação.

O representante Hakeem Jeffries, democrata de Nova York e líder da minoria, disse que Johnson não havia lhe pedido diretamente votos democratas para aprovar a regra na sexta-feira, mas era óbvio que a medida exigiria um apoio substancial de suas fileiras para ser aprovada. Ele acrescentou que a maioria dos democratas também apoiaria os elementos do pacote de ajuda neste sábado.

Trinta e nove democratas votaram contra a regra na sexta-feira, incluindo muitos progressistas que se opõem à ajuda irrestrita a Israel devido à forma como o país conduziu sua ofensiva contra o grupo terrorista Hamas em Gaza, onde as autoridades de saúde dizem que mais de 33 mil pessoas foram mortas e a população está enfrentando uma crise de fome, segundo a ONU.

O principal democrata se recusou repetidamente a sinalizar se os membros de seu partido votariam para salvar o cargo de Johnson caso os republicanos tentassem removê-lo, algo que Jeffries havia dito anteriormente ser uma possibilidade clara, acrescentando que a conversa aconteceria "no momento apropriado".

— Acho que o que interessa ao povo americano neste momento é atender às suas necessidades em um mundo muito perigoso, apoiando nossos aliados democráticos — disse Jeffries. — Esse será o teste definitivo pelo qual o presidente da Câmara Johnson, eu e todos os nossos colegas da Câmara, de ambos os lados do corredor, seremos julgados.

Muitos republicanos se manifestaram a favor da legislação para enviar ajuda à Ucrânia e a Israel. O representante Michael Burgess, republicano do Texas e presidente do comitê de regras, disse que queria que o governo Biden fornecesse mais informações sobre como o financiamento de ajuda externa anterior foi usado e quais eram suas metas de longo prazo para acabar com o conflito na Ucrânia. Segundo ele, os republicanos continuarão a pressionar pela prestação de contas, mas admitiu que "hoje estamos em um ponto de inflexão".

— A falta de ajuda agora pode nos custar muito mais caro mais tarde e eu não quero que isso se torne uma realidade — ponderou.

Mas a ala de extrema direita da sigla republicana, que tem exercido um poder descomunal em uma pequena maioria, se manifestou contra o projeto de lei.

— Estou preocupado com o fato de o presidente da Câmara ter feito um acordo com os democratas para financiar guerras no exterior em vez de proteger a nossa fronteira — comentou o deputado Thomas Massie, republicano do Kentucky, um dos oponentes mais veementes da legislação e que ameaçou votar para destituir Johnson por esse motivo.

Para contornar a oposição de membros de seu próprio partido, Johnson dividiu o pacote em três partes, adicionando um quarto projeto de lei para facilitar o acordo com os conservadores.

A regra foi fundamental para a estratégia de Johnson, pois ela permite votações separadas sobre a ajuda a Israel e a ajuda à Ucrânia, que são apoiadas por coalizões diferentes, mas depois as reúne sem exigir que os congressistas votem a favor ou contra o projeto inteiro.

Isso fez com que a regra fosse a única votação do tipo "tudo ou nada" que os deputados enfrentariam no pacote de ajuda externa, tornando-a, de muitas maneiras, mais importante do que qualquer uma das votações sobre as partes individuais do plano. A medida também inclui um pacote de penduricalhos, entre eles um projeto de lei para exigir a venda do TikTok por seu proprietário chinês ou proibir o aplicativo nos Estados Unidos.

— Tudo isso foi preparado com antecedência — disse o deputado Chip Roy, um republicano de extrema direita do Texas, ao se levantar para se opor à regra. — É por isso que o presidente Biden e Chuck Schumer [líder da maioria no Senado] estão elogiando isso.

A votação de sexta-feira ocorreu depois que os republicanos do Comitê de Regras da Câmara também foram forçados, na noite de quinta-feira, a contar com os votos dos democratas para que a legislação saísse do comitê e fosse para o plenário da Câmara. Os deputados de extrema-direita que tentaram bloquear a regra no comitê — Massie, Roy e o deputado Ralph Norman, da Carolina do Sul — se opuseram a ela porque não permitiria a votação de disposições severas de segurança na fronteira que, segundo eles, deveriam ser priorizadas em relação à ajuda à Ucrânia.

De acordo com a regra aprovada na sexta-feira, os republicanos terão duas chances de zerar ou limitar o financiamento para a Ucrânia. Espera-se que esses esforços fracassem.