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'Parem de dar desculpas': após ajudar Israel a repelir ataque do Irã, países ocidentais são cobrados pela Ucrânia

Presidente Volodymyr Zelensky deu indireta em discurso no domingo, sugerindo que o Ocidente pode e deve ajudar Kiev a enfrentar a ofensiva russa

Agência O Globo - 15/04/2024
'Parem de dar desculpas': após ajudar Israel a repelir ataque do Irã, países ocidentais são cobrados pela Ucrânia

Horas depois dos mísseis e drones iranianos serem lançados contra Israel, e serem quase totalmente interceptados pelos sistemas de defesa de Israel e por aliados como EUA e Reino Unido, o presidente da Ucrânia, Volodymyr Zelensky, expressou apoio ao governo israelense e condenou o ataque. Em uma publicação no X (antigo Twitter) e em seu discurso diário, ele disse que “mundo inteiro viu que Israel não estava sozinho nesta defesa”, e que “a ameaça no céu também foi destruída pelos aliados”

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Mas nas entrelinhas, o líder ucraniano deixou um recado no ar: para ele, qualquer estratégia de defesa funciona bem quando os aliados empregam todo o potencial disponível.

— E quando a Ucrânia diz aos seus aliados que a unidade proporciona a melhor proteção, eles já conhecem muito bem a eficácia disto. Eles sabem e fornecem. E quando a Ucrânia diz que os aliados não podem fechar os olhos aos mísseis e drones russos, isso significa que devemos agir, e agir com firmeza — afirmou o presidente.

Foram declarações feitas em um dos momentos mais difíceis para a Ucrânia desde o início da invasão russa, em fevereiro de 2022. Com os aliados ocidentais cada vez menos propensos a fornecer ajuda, devido a questões econômicas ou impasses políticos (como nos EUA), os arsenais do país estão reduzidos, afetando as capacidades de resistência às ofensivas terrestres e, especialmente, aos ataques aéreos russos.

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Na semana passada, uma série de bombardeios usando drones e mísseis, incluindo o hipersônico Kinzhal, destruiu a principal usina de geração de energia que atende a capital, Kiev, e comandantes afirmam que a frente de resistência Leste está se deteriorando a cada dia. Segundo analistas, os russos devem fazer novas ofensivas nas próximas semanas para apresentar “vitórias”, se aproveitando de um momento de aparente fraqueza.

— O céu não é protegido pela retórica, a produção de mísseis e drones para o terror não é limitada pelo pensamento. E o fato de as sanções contra a Rússia ainda serem contornadas, e o fato de nós, na Ucrânia, esperarmos durante meses por um pacote de apoio vital, o fato de ainda estarmos à espera de uma votação no Congresso, mostra que a autoconfiança dos terroristas também vem crescendo há meses — disse Zelensky no domingo, se referindo ao impasse sobre a aprovação de um pacote de ajuda militar de US$ 60 bilhões (R$ 310,72 bilhões) pelo Congresso dos EUA.

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O presidente ucraniano usou uma linguagem moderada para expressar uma frustração cada vez mais visível entre os ucranianos, e que motivou comentários pouco diplomáticos nas redes sociais.

“Então interceptar mísseis iranianos sobre a Síria e a Jordânia não é uma ‘provocação’, mas interceptar mísseis que a Rússia manda para a Ucrânia em céus ucranianos — e às vezes da Otan — é [uma provocação]. O Irã, a Síria e a Jordânia estão bem e não reagiram”, disse, no X, a ativista ucraniana Ariana Gic.

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O economista Roman Sheremeta, professor na Universidade Case Western Reserve (EUA), sugeriu que falta vontade à Otan para adotar uma zona de exclusão aérea sobre a Ucrânia.

“Aparentemente, o céu da Ucrânia pode ser fechado, o inimigo é o mesmo. Rússia e Irã são Estados terroristas gêmeos. As forças da Otan têm a capacidade para defender países de fora da Otan”, afirmou no X. “Uma desculpa para os EUA e para a Otan é que derrubar mísseis russos e drones poderia dar início à Terceira Guerra Mundial. Ao contrário, são ações como essas que podem mostrar a ditadores e terroristas que eles podem ser parados.[...] Então parem de dar desculpas e fechem o céu da Ucrânia."

Taras Mishchenko, editor do site Mezha.Media, voltado ao setor de tecnologia, usou uma foto do Coringa, interpretado por Joaquín Phoenix, para ilustrar um comentário sobre o que vê como disparidade de reações.

“Quando você lê explicações sobre por que os Estados Unidos e a Grã-Bretanha poderiam abater drones kamikaze iranianos lançados contra Israel, mas os poloneses não podem abater um míssil de cruzeiro russo em seu espaço aéreo”, escreveu no X.

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Nem só os ucranianos criticaram a falta de um apoio similar ao visto no fim de semana a Israel.

“O ataque noturno dos aiatolás a Israel foi repelido com sucesso graças a uma rápida resposta internacional e à vontade de defender o espaço aéreo. De qualquer forma, é uma pena que não defendamos vigorosamente o espaço aéreo sobre a Ucrânia…”, disse no X o chanceler da República Tcheca, Martin Dvorak.

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Ao todo, além de Israel, França, Reino Unido, Estados Unidos e Jordânia participaram da operação para repelir o ataque de mísseis e drones do Irã, atuando sobre os territórios iraquiano e jordaniano, além dos céus israelenses. Ao ser questionado sobre os motivos de uma estratégia similar não ser repetida na Ucrânia pela Otan, que conta com 32 membros, o ministro das Relações Exteriores britânico, David Cameron, foi sucinto.

— Colocar forças da Otan diretamente em conflito com as forças russas, creio que isso levaria a uma escalada perigosa. [Devemos] fazer possível para apoiar a Ucrânia, em termos de dinheiro, diplomacia e, especialmente, armas. Dar as armas para que se defendam, treinar suas tropas, são coisas que com certeza são a coisa a se fazer — disse Cameron, em entrevista à Rádio LBC, de Londres. No mês passado, após uma sugestão feita pelo presidente da França, Emmanuel Macron, de que tropas da aliança militar poderiam ser enviadas à Ucrânia, o líder russo, Vladimir Putin, disse que tal decisão traria a "certeza de uma guerra" entre os dois lados. Acredita-se que a lógica também seja válida para a presença de aeronaves ocidentais nos céus do país.

Para Cameron, usar jatos para abater mísseis e drones “não é a melhor opção”, e que sistemas de defesa, como o Domo de Ferro israelense, são mais eficazes, ao mesmo tempo em que defendeu um maior acesso dos ucranianos a equipamentos antimísseis, como o sistema americano Patriot. No mês passado,