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Análise: Ataque do Irã foi calculado para evitar guerra mais ampla, mas bola agora está com Israel

Irã só lançou projéteis contra alvos militares, em um aparente esforço para evitar vítimas civis, e avisou os países vizinhos de que realizaria a ação 72 horas antes

Agência O Globo - 14/04/2024
Análise: Ataque do Irã foi calculado para evitar guerra mais ampla, mas bola agora está com Israel

O chefe do Guarda Revolucionária, Hossein Salami, disse neste domingo que o Irã limitou o escopo de seu ataque com drones e mísseis contra Israel às instalações usadas durante o bombardeio atribuído ao Exército israelense contra o anexo consular da embaixada iraniana em Damasco, que deixou 16 mortos em 1º de abril, incluindo sete membros da força de elite iraniana — entre os quais Mohammad Reza Zahedi, comandante das Forças Quds (braço da Guarda Revolucionária do Irã para ações no exterior). Salami, citado pela agência de notícias semioficial Tasnim, acrescentou que “o ataque poderia ter sido mais extenso”.

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Já na madrugada deste domingo, a missão do Irã na ONU pediu que Israel não reaja militarmente, afirmando que, com o ataque sem precedentes lançado com base no "artigo 51 da Carta das Nações Unidas sobre autodefesa", "o caso [bombardeio em Damasco] pode ser considerado encerrado".

As declarações reforçam o entendimento de autoridades e analistas de que a ofensiva aérea iraniana foi uma mostra de força calculada para evitar uma guerra mais ampla, já que o Irã só lançou projéteis contra alvos militares, em um aparente esforço para evitar vítimas civis em centros urbanos ou econômicos, e avisou os países vizinhos de que realizaria a ação 72 horas antes.

Evitar um conflito maior, porém, vai depender da reação de Israel, que avalia como responderá ao ataque, em que foram lançados mais de 330 mísseis e drones em direção ao território israelense. Enquanto milhares de pessoas se reuniam após o ataque entre sábado e este domingo gritando "morte a Israel" e "morte aos EUA" na Praça Palestina, em Teerã, um mural recém-inaugurado advertia contra uma retaliação em farsi e hebraico, dizendo respectivamente: "O próximo tapa será mais violento" e "seu próximo erro será o fim de seu falso Estado". Segundo a mídia americana, durante um telefonema, o presidente dos EUA, Joe Biden, teria recomendado ao premier israelense, Benjamin Netanyahu, que evitasse uma retaliação imediata argumentando que não houve danos significativos a Israel.

'Ação proporcional'

Ao elogiar a ofensiva aérea do Irã, o presidente iraniano, Ebrahim Raisi, recomendou aos partidários de Israel que "apreciem a responsável e proporcional ação da República Islâmica do Irã", afirmando que a ofensiva aérea "ensinava Israel uma lição inesquecível", de acordo com a rede iraniana Press TV. Os ataques, afirmou em comunicado, "abriram um novo capítulo na história do governo iraniano e cumpriram com a promessa do aiatolá Ali Khamenei, o líder supremo do Irã, de punir o agressor".

Raisi advertiu, porém, que quaisquer ações "imprudentes" de Israel e de seus aliados levarão a uma "resposta mais forte" da República Islâmica, ecoando mensagem da missão do Irã na ONU divulgada previamente que pediu aos EUA que "fiquem de fora" do conflito com Israel. O chefe das Forças Armadas iranianas, general Mohammad Bagheri, indicou que as autoridades iranianas "enviaram uma mensagem aos EUA avisando que, se cooperarem com Israel nas suas possíveis próximas ações, as suas bases não estarão mais seguras". Washington possui várias bases militares na região. Segundo informações da mídia americana, o presidente dos EUA, Joe Biden, afirmou ao primeiro-ministro Benjamin Netanyahu que não ajudará Israel em ações de ataque contra o Irã.

— Por enquanto, os iranianos fizeram sua jogada — disse ao jornal americano The New York Times Sanam Vakil, diretora do programa do Médio Oriente e Norte de África na Chatham House. — Eles escolheram denunciar o blefe de Israel e sentiram que precisavam fazê-lo, porque veem os últimos seis meses como um esforço persistente para fazê-los recuar na região.

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Desde que o ataque liderado pelo grupo terrorista Hamas em 7 de outubro no sul israelense, que levou à guerra em Gaza, Israel intensificou seus ataques aos interesses e aos comandantes iranianos na Síria, em uma escalada de ações prévias que durante anos causaram o assassinato de cientistas nucleares e comandantes militares iranianos, explosões em suas bases nucleares e militares, ataques cibernéticos, infiltrações de inteligência e um embaraçoso roubo de documentos nucleares. Numa série de ataques iniciados em dezembro, Israel assassinou pelo menos 18 comandantes e militares iranianos da Força Quds.

O Irã vinha sendo criticado internamente e por alguns funcionários graduados de grupos do chamado Eixo de Resistência por sua postura cautelosa durante a guerra em Gaza, especialmente pela recusa em fazer mais para apoiar o Hamas e por recomendar contenção ao movimento xiita Hezbollah, seu aliado próximo no sul do Líbano, disse Vakil, em referência à troca de hostilidades entre o grupo libanês e Israel na fronteira norte do Estado judeu.

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— [Com os ataques de sábado], acho que Teerã viu a necessidade de traçar um limite e deixar claro a Israel que o Irã tem linhas vermelhas e não continuaria a tolerar a lenta degradação de sua posição — disse.

Assim, acrescentou, Teerã sentiu que tinha de responder, mesmo que o seu ataque tenha motivado um firme apoio americano e um amplo apoio diplomático ocidental a Israel, aliviando parte da pressão sobre Israel durante sua guerra em Gaza, pelo menos temporariamente, e isolando novamente o Irã.

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— O governo do Irã parece ter concluído que o bombardeio em Damasco foi um ponto de inflexão estratégico, em que o fracasso em retaliar causaria mais danos que benefícios — concordou Ali Vaez, o diretor de Irã do International Crisis Group em uma entrevista ao New York Times. — Mas, ao retaliar, a guerra nas sombras que travava com Israel durante anos agora ameaça se tornar um conflito muito real e prejudicial.

Agora, disse Vakil, os dois lados se veem em um impasse: apesar de preparados para uma escalada, sabem que isso causaria enormes danos a si mesmos. Após a ofensiva iraniana, as autoridades israelenses não revelaram suas intenções, mas previamente não tinham descartado a possibilidade de atacar o território iraniano, provavelmente visando instalações militares ou nucleares, segundo especialistas.

Por agora, tanto o ministro da Defesa de Israel, Yoav Gallant, e o membro do Gabinete de guerra Benny Gantz afirmaram que a interceptação dos ataques apresenta uma oportunidade para estabelecer uma aliança estratégia internacional contra Terrã.

Por precaução, o aeroporto Teerã-Mehrabad, dedicado a voos domésticos, permanecerá fechado na segunda-feira até às 6h (horário local, 23h30 de domingo no Brasil), segundo a agência Isna. Além disso, as autoridades anunciaram o cancelamento de voos do Aeroporto Internacional Imam Khomeini de Teerã até o mesmo horário.