Internacional
Justiça da Argentina afirma que Irã esteve por trás de atentado à Amia e chama país de 'Estado terrorista'
Ataque contra instituição judaica em 1994 deixou 85 mortos, e há décadas permeia a vida jurídica, diplomática e política do país
A Câmara Federal de Cassação da Argentina, principal instância criminal do país, determinou hoje que o Irã esteve por trás do atentado contra a sede da Associação Mutual Israelita Argentina, em julho de 1994, que deixou 85 mortos e mais de 300 feridos. A decisão, que vem em caráter definitivo, é vista como histórica, e pode abrir as portas para o rompimento de relações com Teerã e para processos contra a República Islâmica em tribunais internacionais.
“Neste processo foram julgados crimes que reconduzem a uma política inaugurada pelas autoridades do Estado (sic) Islâmico do Irã desde a revolução de 1979. Seria então possível e viável a aplicação da ‘prova de controle eficaz’ para determinar a responsabilidade do Estado iraniano (como ocorreu com o Sudão por crimes ocorridos na região de Darfur) pelos atos de terrorismo cometidos fora de seu espaço soberano”, escreveu o juiz Carlos Mahiques em seu voto.
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Ao longo do julgamento, os magistrados analisaram provas judiciais, testemunhos e documentos, e Mahiques, ao lado de seus colegas, afirmou que o ataque contra a sede da Amia, assim como o atentado contra a embaixada de Israel em Buenos Aires, em 1992, ocorreram graças a uma decisão “política e estratégia” de Teerã.
O magistrado aponta para o Hezbollah, grupo político-militar libanês, como responsável pelos dois ataques, corroborando decisões judiciais anteriores — segundo Mahiques, a milícia “atuou sob inspiração, organização, planejamento e financiamento de organismos estatais e paraestatais subordinados ao governo dos aiatolás”.
Mesmo sem ter suas digitais no ataque, o Irã está sujeito, afirma a decisão, a processos movidos pelos parentes das vítimas, e pode se ver diante “da obrigação de reparar integralmente o dano causado (moral e material), mediante, entre outras medidas, uma indenização pecuniária”. Os magistrados concluem detalhando que o caso poderá ser julgado em qualquer lugar do mundo.
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O atentado à Amia, no dia 18 de julho de 1994, deixou 85 mortos e mais de 300 feridos, e por décadas foi um caso que movimentou não apenas os tribunais, mas o governo argentino e chancelarias em Buenos Aires e Teerã. Mudanças de juízes, pistas falsas e uma morte até hoje inexplicada, a do promotor Alberto Niesman, em 2015 — ele acusava a ex-presidente Cristina Kirchner de acobertar provas da participação do incidente, foi encontrado morto antes de prestar depoimento.
O Irã sempre negou qualquer participação nos ataques, e não enviou representantes ao processo. Segundo os juízes, a motivação por trás das ações contra a embaixada — que não estava em julgamento — e contra a Amia foi a decisão do governo argentino de cancelar, em 1991, contratos de transferência de tecnologia nuclear. Para os magistrados, uma medida “intolerável” a Teerã.
A decisão afirma, contudo, que são necessárias reformas para julgar à revelia os sete iranianos e libaneses considerados responsáveis diretos pelo atentado à Amia, e que têm seus nomes na lista vermelha da Interpol. A lei argentina exige que estejam devidamente representados em um tribunal para que haja o processo. Segundo os magistrados, diante de crimes dessa magnitude, que “afetam toda a comunidade internacional”, se torna necessária “a adoção pelo Estado de procedimentos alternativos e complementares que assegurem a possibilidade de impulsionar os processos e assim evitar a impunidade dos autores, responsáveis e cúmplices.”
“Um recurso desse tipo que seria útil e adequado para garantir o direito à verdade e a um melhor acesso à justiça pelas vítimas do terrorismo é o chamado processo à revelia”, disse a decisão.
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Parentes das vítimas e representantes de comunidades judaicas da Argentina celebraram a decisão.
— Isso foi histórico, único na Argentina, e não deviam isso somente á Argentina: deviam isso às vítimas — disse ao canal LN+ Jorge Knoblovitz, presidente da Delegação de Associações Israelitas Argentinas. — Isso abre a possibilidade de uma ação no Tribunal Penal Internacional, porque se estabeleceu que o Estado do Irã é um Estado terrorista.
A decisão também promete ter impactos políticos: em sua conta no X, antigo Twitter, o presidente Javier Milei não emitiu comentários, mas republicou notícias e declarações de apoio à decisão judicial. Contudo, alguns de seus aliados defendem até o rompimento de relações com Teerã.
“Foi um crime contra a humanidade e o Irã esteve por trás do ataque à Amia. Sempre soubemos disso, por isso já havíamos pedido ao Poder Executivo para que a Argentina rompesse relações com o Irã. Pedimos novamente agora”, escreveu, no X, a deputada Sabrina Ajmechet, presidente da Comissão de Direitos Humanos.
Jorge Macri, chefe do governo de Buenos Aires, afirmou que “a decisão da Câmara de Cassação Penal sobre o ataque terrorista à AMIA, ocorrido há quase 30 anos em nossa cidade, é um passo fundamental para alcançar a justiça há muito esperada”.
O governo do Irã não se pronunciou. (Com La Nación e AFP)
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