Internacional
Insatisfação com a economia explica vitória da oposição nas eleições municipais da Turquia, dizem analistas
Resultados foram um golpe para o presidente Erdogan, na política turca por mais de 20 anos; Partido Republicano do Povo levou seis das dez maiores cidades do país, incluindo Istambul e Ancara
Em maio passado, o presidente da Turquia, Recep Tayyip Erdogan, garantiu com facilidade mais um mandato como chefe de Estado, abalando a moral da oposição política e levantando temores entre seus críticos de que seu controle sobre o governo lhe permitiria levar o país ainda mais à autocracia. Neste fim de semana, a oposição revidou.
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Os oponentes de Erdogan obtiveram uma surpreendente série de vitórias nas eleições locais em toda a Turquia no domingo, aumentando o número de cidades do país sob seu controle e colocando-os ainda mais na maioria das grandes metrópoles.
Segundo os analistas, essas vitórias da oposição poderiam servir como um teste do poder de Erdogan no país, ao mesmo tempo em que permitiriam que as estrelas da oposição em ascensão usassem os grandes orçamentos das principais cidades para construir seus perfis antes da próxima eleição presidencial, prevista para 2028.
O maior partido de oposição da Turquia, o Partido Republicano do Povo, obteve 37,8% dos votos, sua maior participação desde 1977, de acordo com os resultados preliminares da agência de notícias estatal Anadolu. O Partido da Justiça e do Desenvolvimento de Erdogan obteve 35,5%, segundo a agência, seu pior resultado em eleições locais desde que o partido foi fundado há mais de 20 anos.
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Os resultados foram um golpe para o presidente, de 70 anos, que tem sido o político predominante da Turquia por mais de duas décadas. Ele usou seu poder como primeiro-ministro e, depois, como presidente para expandir o papel do Islã na vida pública e para aumentar o status do país como um ator econômico e militar, às vezes de forma que exasperou os Estados Unidos e os outros aliados de Ancara na Otan.
Eleitores insatisfeitos
Os críticos de Erdogan o acusam de empurrar o país para um governo de um homem só, intimidando a imprensa e cooptando instituições governamentais para atender aos interesses de seu partido. Seus defensores negam que ele seja um aspirante a autocrata, apontando para seu longo histórico de sucesso em eleições que são amplamente consideradas livres.
Mas o desempenho do partido de Erdogan no domingo mostrou que muitos eleitores estavam insatisfeitos, segundo analistas, especialmente com sua administração da economia. Uma crise de custo de vida que já dura anos enfraqueceu a moeda nacional, e a inflação altíssima corroeu o valor dos contracheques e das contas de poupança dos turcos.
Durante anos, Erdogan insistiu em reduzir as taxas de juros para estimular o crescimento, mesmo quando a inflação ultrapassou 80% no final de 2022.
— Muitos eleitores do governo ficaram desiludidos com o fato de que continuaram votando em Erdogan, mas não tiveram nenhum tipo de melhoria real em seus padrões de vida — disse Berk Esen, professor associado de ciência política da Universidade Sabanci, em Istambul.
Isso aparentemente fez com que alguns partidários do partido do presidente ficassem em casa, contribuindo para as vitórias da oposição que o professor Esen chamou de "realmente fenomenais".
O comparecimento foi de 78%, abaixo dos 87% registrados nas eleições presidenciais e parlamentares de maio passado, de acordo com o Conselho Eleitoral Supremo da Turquia.
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No entanto, o Partido Republicano do Povo aumentou o número de cidades que administra de 21 para 35, em um total de 81. Os prefeitos do partido agora controlam seis das dez maiores cidades do país, incluindo as cinco maiores: Istambul, Ancara, Izmir, Bursa e Antalya.
De acordo com os resultados preliminares, o partido de Erdogan tomou uma grande cidade da oposição, Hatay, que foi fortemente danificada por fortes terremotos em fevereiro de 2023, que mataram mais de 53 mil pessoas. Os resultados oficiais são esperados pelo conselho eleitoral nos próximos dias.
'Resposta à crise'
Dirigindo-se a uma multidão reunida do lado de fora da sede de seu partido em Ancara na segunda-feira cedo, Erdogan reconheceu as perdas, chamando-as de "um ponto de virada" que exigiu reflexão.
— As urnas estão fechadas, a nação teve sua palavra final, tomou sua decisão — disse ele. — Examinaremos os motivos desse revés.
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No período que antecedeu a eleição presidencial do ano passado, Erdogan recorreu várias vezes ao Tesouro para proteger os eleitores de baixa renda das dificuldades econômicas, gastando generosamente em assistência social e aumentando várias vezes o salário mínimo. Porém, depois de vencer as eleições, ele mudou de rumo e nomeou uma equipe econômica com poderes para aumentar as taxas de juros a fim de tentar recuperar a economia.
A inflação, entretanto, permaneceu alta, chegando a 67% em fevereiro, de acordo com o governo. Alguns economistas externos dizem que a taxa real é ainda maior.
O aperto econômico fez com que, antes das eleições deste fim de semana, Erdogan tivesse "ficado sem artilharia" e não pudesse mais contar com o dinheiro público para proteger a carteira dos eleitores, disse Selva Demiralp, professora de economia da Universidade Koc, em Istambul.
— A vitória da oposição é uma resposta atrasada à crise econômica — disse ela.
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Apesar das perdas de seu partido, Erdogan provavelmente manterá políticas econômicas mais ortodoxas, na esperança de que elas compensem a longo prazo, disse a professora.
Novo fôlego para a oposição
A reeleição de Erdogan no ano passado, apesar dos problemas econômicos da Turquia e das acusações de que seu governo não havia reagido rapidamente após os terremotos de fevereiro de 2023, abalou o ânimo de seus oponentes. Uma coalizão de seis partidos que havia se reunido para tentar destituí-lo se desfez, e um jovem desafiante destituiu o candidato presidencial fracassado da oposição como líder do maior partido da oposição.
Mas as vitórias de domingo provavelmente revigorarão os eleitores da oposição e garantirão as plataformas de seus líderes para moldar a política. Na capital, Ancara, Mansur Yavas, o atual prefeito da oposição, derrotou um adversário do partido de Erdogan por 28,7 pontos percentuais. Em Istambul, o prefeito Ekrem Imamoglu defendeu sua cadeira de um adversário para o qual Erdogan e vários ministros de seu governo haviam feito campanha, vencendo por 11,5 pontos percentuais.
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A derrota em Istambul foi um golpe particularmente duro para o presidente turco, dado o vasto orçamento, o grande número de empregos que a prefeitura controla e os seus laços pessoais com a cidade. Erdogan não apenas cresceu na cidade, mas também impulsionou sua própria carreira política ao vencer uma eleição difícil para se tornar prefeito em 1994.
A vitória de Imamoglu, de 52 anos, foi a terceira contra candidatos apoiados por Erdogan, levando muitos turcos a considerá-lo um possível candidato à presidência.
— Aqueles que não entendem a mensagem da nação acabarão perdendo —disse Imamoglu aos apoiadores do lado de fora da prefeitura de Istambul na segunda-feira.
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Sua campanha se concentrou em preocupações econômicas e mensagens positivas de uma forma que repercutiu entre os eleitores, disse Tugce Ercetin, professora assistente de ciência política da Universidade Bilgi de Istambul.
— Os eleitores estão punindo os atores que consideram responsáveis pela economia — disse.
A data da próxima eleição é uma questão em aberto.
Futuro de Erdogan
Erdogan está no segundo dos dois mandatos presidenciais permitidos pela Constituição, com mandato até 2028. Semanas antes da votação de domingo, ele disse que essa seria sua "última eleição".
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Mas alguns turcos acham que ele poderia buscar um caminho legal para permanecer no cargo, seja pressionando o Parlamento a convocar eleições antecipadas, o que lhe permitiria concorrer novamente, seja modificando a Constituição para permitir outro mandato.
Dada a forte manifestação da oposição no domingo, seus líderes também podem decidir pressionar por eleições antecipadas, na esperança de que possam usar as urnas para destituir Erdogan enquanto ele é considerado vulnerável.
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