Internacional
‘Protestos mostraram que sociedade civil ainda está viva’, diz opositor russo Dmitry Gudkov
Membro de Comitê Russo Antiguerra e exilado na Europa, ex-deputado defende que o Ocidente permita a fuga de capitais e de cérebros para a Europa e os Estados Unidos
Desmantelada internamente pelo autoritarismo do presidente Vladimir Putin, a oposição russa teve nomes proeminentes presos, proscritos ou mortos nos últimos anos. Da Europa Ocidental, os exilados encorajaram os protestos contra o Kremlin que tomaram várias cidades dentro e fora da Rússia há uma semana, quando cidadãos saíram para votar já sabendo, na prática, que Putin seria vitorioso. Dentre os políticos no exílio está Dmitry Gudkov, ex-legislador da Duma, a Câmara Baixa do Parlamento, que fugiu do país para evitar a prisão em junho de 2021, três meses antes das legislativas. Ele diz ter sido vítima de acusações fabricadas para tirá-lo do páreo eleitoral. Mesmo opositores moderados, como ele, estão sujeitos ao expurgo, disse Gudkov ao GLOBO em Berlim.
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Fundador de um partido de centro-direita em 2018, ele diz que as consequências do ataque em Moscou na última sexta-feira também serão trágicas. Gudkov aponta a tentativa do Kremlin de incriminar, mesmo sem provas, a Ucrânia, como sinal do uso político do assassinato terrorista de pelo menos 133 pessoas, “para justificar a escalada da guerra com o vizinho, aumentar o recrutamento militar, restabelecer a pena de morte e até impor a lei marcial”.
Um dos quatro legisladores que votaram contra a anexação da Crimeia por Moscou em 2014, Gudkov hoje integra o Comitê Russo Antiguerra, criado por opositores ao conflito na Ucrânia. Sem revelar a localização exata para preservar a segurança, um de seus endereços provisórios fica na Bulgária, onde vive seu pai, Gennady Gudkov, ex-tenente-coronel da KGB e deputado conhecido por críticas vocais a Putin, cassado em 2012. Pai e filho vivem hoje no exílio.
Putin foi reeleito com 87% dos votos, segundo a contagem oficial. Como vê o resultado?
Não gosto da palavra “reeleito”. Foi uma operação eleitoral especial para usurpar o poder pelos próximos seis anos. Não foi uma eleição, e nem mesmo a chamamos assim. Putin está no poder há 24 anos e viola a lei internacional e até a Constituição, não poderia concorrer a um próximo mandato. Ele está na lista de procurados do Tribunal Penal Internacional em Haia. Matou (o opositor russo Alexei) Navalny, seu principal oponente, e ninguém da oposição pôde participar das eleições. O pleito foi conduzido com três candidatos falsos, censura e governos locais organizando ônibus para pessoas votarem.
Após os protestos nas eleições, a repressão poderá aumentar?
Temo um aumento da repressão. As pessoas o fizeram nos postos de votação (ao meio-dia, como convocado pela oposição). E o regime sabe por que. Significa que a sociedade civil ainda está viva. Tentarão expulsar pessoas do país e punir outras para destruir o que sobrou dela.
Existe consenso na oposição sobre os próximos passos?
Quando a diáspora russa age junta, incluindo jornalistas, blogueiros, celebridades e líderes públicos, podemos atingir grande audiência na Rússia. Logo após o início da guerra, no ápice do recrutamento militar, atingimos centenas de milhões de pessoas. Talvez não sejamos uma oposição (clássica), pois não participamos de eleições. Não temos essa opção. Mas, em comparação com os dissidentes soviéticos, temos muito mais influência, por causa da revolução tecnológica, das mídias sociais, apesar das restrições na Rússia. Precisamos primeiro unir esforços e mandar mensagens unificadas. Segundo, alcançar audiências novas. É possível inclusive chegar aos apoiadores de Putin e precisamos achar uma estratégia para mudar suas percepções sobre o regime. Temos ainda que explicar aos políticos e diplomatas do Ocidente que as sanções devem ser mais eficientes: vivemos no século XXI, em que as sobre o petróleo são facilmente contornadas. Não se compra o petróleo da Rússia, mas a Índia o faz .
O que poderia ser feito no lugar das sanções?
O que pode exaurir a economia de Putin é a fuga de capitais. Bancos europeus poderiam abrir contas para cidadãos russos, com o devido controle, é claro, e eles poderiam levar dinheiro para países ocidentais. Outra é a evasão de cérebros. Putin precisa de profissionais e especialistas para sua máquina de guerra. Mas, infelizmente, as fronteiras da Europa estão fechadas. Os russos não conseguem obter um visto ou abrir uma conta bancária. Não podemos nos realocar (facilmente). Mesmo se você conseguir, enfrentará muitos problemas (...) e, por isso, muitos desistem e voltam para casa.
Veja: Ilustrações mostram passo a passo de ataque que deixou 133 mortos e mais de 121 feridos perto de Moscou
A oposição no exílio dialoga diretamente com o Ocidente?
Sim. O problema é que nós trabalhamos como pessoas físicas. Somos aqueles que podem ser feridos, mas ainda não somos parte do processo, pelo menos não no nível das conversas profissionais, assim como oposições formais. As decisões (do Ocidente) são tomadas sem o nosso conhecimento, mas ninguém entende a Rússia melhor do que nós. Temos que ser, de alguma forma, reconhecidos como uma “Rússia alternativa”. Há um problema de legitimidade.
O senhor era apontado como político de oposição moderada a Putin. Todo o espectro da oposição está sob ameaça?
Certamente. Eu me considero moderado, não sou um radical. Nunca fui. O que não significa que tenha restrições em dizer que Putin é um criminoso de guerra, que o regime é ilegítimo, ou que o território ucraniano deveria ser reconhecido em suas fronteiras de 1991. Gostaria de participar de eleições e fui membro do Parlamento. O moderado, numa eleição justa, tem, creio, mais chances de vencer. É por isso que tentam se livrar de todos os políticos de oposição com idade para concorrer à Presidência (acima de 35 anos).
O que a oposição perde com a morte de Alexei Navalny?
Não foi uma morte. Nalvalny foi assassinado lentamente, ao longo de três anos, e não há dúvida quanto a isso. Algumas pessoas podem dizer que perdemos a esperança, mas não a perdemos. Agora temos Yulia Navalnaya, que decidiu continuar a luta dele, e eu espero que essa tragédia nos ajude a coordenar mais. Ao mesmo tempo, precisamos abdicar de ilusões e deixar de acreditar que um herói virá e resolverá tudo. Ninguém pode fazer nosso trabalho a não ser nós mesmos.
Putin assume riscos em nível doméstico com o progressivo isolamento do Ocidente?
O único risco que ele realmente teme é a divisão das elites russas, que tentam se integrar no mundo e na economia. Elas ainda mantêm seu dinheiro e seus bens em países ocidentais. Seus filhos estudam aqui (na Europa), e não na Coreia do Norte. Putin estragou suas vidas, e muitos deles são contra essa guerra. Mas elas têm medo de se opor ao regime. Se ousarem demonstrar isso, irão, no mínimo, ser presas, e, na pior das hipóteses, morrer. Outro risco é o de que, se Putin continuar o recrutamento militar (para a guerra na Ucrânia), as pessoas comecem a protestar. Ninguém quer ir à guerra.
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Outros membros destacados da oposição argumentam que uma mudança política na Rússia só aconteceria pela força. O que pensa disso?
Se estamos falando de fazer isso com batalhas, como na Ucrânia, não acredito que seja possível. A Rússia é um país extenso, com tecnologia nuclear, 1,2 milhão de pessoas nas forças de segurança e voltada para a aplicação da lei. O melhor é usar a força como ameaça, não implementá-la. Se a mudança acontecer pela força, uma ditadura será trocada por outra. Essa é minha angústia.
A Rússia passou da autocracia czarista para o totalitarismo comunista e teve poucos anos de experiência democrática entre o fim da União Soviética e a ascensão de Putin. Por que o projeto democrático não foi bem-sucedido?
Em “Por que as nações fracassam”, os economistas Daron Acemoglu e James A. Robinson destacam duas condições para países falharem ou serem bem-sucedidos. A primeira, instituições inclusivas. E a segunda é apenas... sorte. Infelizmente, a Rússia não teve sorte para fazer essa transição. Nos anos 1990, houve uma oportunidade, uma década de experiência democrática. Mas não tivemos sorte com os preços do petróleo. À época, infelizmente, reformas aconteceram, mas os padrões de vida caíram drasticamente. E as pessoas conectaram o aumento da pobreza com as reformas democráticas implantadas.
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