Internacional

Governo Milei vai negar ditadura em aniversário do golpe de 76 na Argentina

Mesma posição foi mantida pelo presidente durante a campanha eleitoral; Casa Rosada preparou um vídeo no qual líder argentino diz que país foi palco de guerra

Agência O Globo - 23/03/2024
Governo Milei vai negar ditadura em aniversário do golpe de 76 na Argentina
Javier Milei - Foto: Reprodução

Neste domingo, o governo do presidente argentino, Javier Milei, divulgará um vídeo sobre o golpe de Estado de 24 de março de 1976, no qual, segundo informações publicadas pela imprensa local e confirmadas pelo GLOBO com fontes do governo, defenderá, como fez o chefe de Estado durante sua campanha eleitoral no ano passado, a ideia de que entre 1976 e 1983 a Argentina foi cenário de uma guerra, e não de uma ditadura.

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A guerra, para Milei, foi entre o Estado, sob o comando dos militares, e grupos guerrilheiros. Para o presidente argentino e os principais membros de seu governo, todos os governos democráticos que passaram pela Casa Rosada desde 1983 ignoraram a violência cometida pelos grupos guerrilheiros, como sustenta a chamada Teoria dos Dois Demônios — que, por sua vez, ignora o monopólio da força do Estado e a desproporcionalidade do poder de fogo entre os dois lados.

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Segundo as mesmas informações, o governo preparou um vídeo que será publicado em redes sociais no qual participaram ex-integrantes da guerrilha peronista Montoneros e familiares de militares que foram vítimas de atentados prévios ao golpe de 76. O vídeo foi dirigido pelo cineasta Santiago Oría, que comanda a produção audiovisual da equipe de comunicação do governo e foi peça-chave na campanha eleitoral de 2023.

Nos debates presidenciais do ano passado, Milei negou que a ditadura argentina tenha deixado 30 mil pessoas desaparecidas, como sustentam ONGs locais, entre elas as Mães e Avós da Praça de Maio, e assegurou que o país viveu uma guerra, na qual um dos lados — o Estado — cometeu excessos. A fala do então candidato provocou reações imediatas, mas Milei jamais recuou.

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No poder, o presidente pretende, segundo fontes de seu governo, instalar a ideia de que existem “duas verdades” sobre o que aconteceu na Argentina nos anos de chumbo. Quando visitou uma escola de Buenos Aires, no início de março, o chefe de Estado disse aos estudantes que deviam “ler os dois lados da biblioteca”.

— Leiam os dois lados da biblioteca e tenham sua própria visão — disse o chefe de Estado.

A visão de Milei é a mesma dos principais integrantes de seu governo, especialmente da vice-presidente, Victoria Villarruel, que como advogada defendeu militares envolvidos em crimes da ditadura. Segundo a imprensa local, Villarruel é uma das encarregadas de revisar cada detalhe do vídeo que o governo publicará no domingo.

Em meio a uma onda de rumores sobre possíveis indultos a ex-militares presos por seu envolvimento em crimes cometidos durante a ditadura, fontes da Casa Rosada negaram qualquer tipo de iniciativa nesse sentido. O interesse de Milei, frisaram as fontes, é “deixar bem clara sua posição de rejeição aos relatos que predominaram no país nos últimos 40 anos”.

A mesma fonte assegurou que o presidente e seus assessores não negam os abusos cometidos pelos militares, mas querem que “o outro lado da História” também seja contado. Esse outro lado, acrescentou a fonte, é a violência de grupos guerrilheiros contra militares, para Milei, tão vítimas como os presos políticos desaparecidos.

Durante a campanha, a vice-presidente argentina chegou a referir-se às Mães da Praça de Maio como mães de terroristas.

— Esperamos que [o dia 24 de março] seja um dia de paz e reflexão para todos — declarou o porta-voz do governo, Manuel Adorni.

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O ministro da Defesa, Luis Petri, esteve recentemente no lançamento de um livro que defende a figura do coronel Argentino del Valle Larrabure, assassinado pelo guerrilha Exército Revolucionário do Povo (ERP) em 1975, antes do golpe. No evento, o ministro pediu perdão “pela democracia ter esquecido deste herói”.

— Alguns dirigentes demonizaram as Forças Armadas que atuaram na década de 70 — declarou o ministro.

No domingo, como todos os anos, ONGs de defesa dos direitos humanos organizarão uma marcha de repúdio ao golpe de Estado de 76, que terminará na Praça de Maio. Espera-se uma longa manifestação e uma forte operação de segurança do governo para impedir que os manifestantes impeçam a passagem por ruas e avenidas do centro da cidade.