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Conselho de Segurança da ONU: Entenda por que Rússia e China vetaram resolução dos EUA sobre guerra em Gaza

Redação do texto final, rivalidade histórica e contexto geopolítico estão por trás da não aceitação da proposta americana por Pequim e Moscou

Agência O Globo - 22/03/2024
Conselho de Segurança da ONU: Entenda por que Rússia e China vetaram resolução dos EUA sobre guerra em Gaza

A Rússia e a China vetaram, nesta sexta-feira, o projeto de resolução sobre a guerra entre Israel e Hamas na Faixa de Gaza, apresentado pelos EUA ao Conselho de Segurança da ONU. A proposta, levada a votação no órgão com sede em Nova York, recebeu 11 votos a favor, três contra e uma abstenção — sendo bloqueada, apesar da maioria favorável, em razão do poder de veto de Moscou e Pequim.

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A resolução americana se dirigia à necessidade de um "cessar-fogo imediato e sustentado" com o objetivo de proteger civis, permitir assistência humanitária e aliviar o sofrimento humano em Gaza, estabelecendo como ação o apoio a "esforços diplomáticos para garantir tal cessar-fogo em conexão com a libertação de todos os reféns restantes". Washington afirma que a redação foi fechada após consultas a outras delegações no âmbito do conselho.

O texto final, contudo, foi alvo de críticas severas de Rússia e China, que se referiram à proposta como "ambígua", "inaceitável" e "hipócrita". Tanto o representante de Pequim quanto o de Moscou lembraram que os EUA vetaram resoluções recentes que propunham o cessar-fogo em Gaza e a liberação dos reféns, condenando a demora de Washington para acompanhar o entendimento da maioria sobre a urgência do fim do conflito e a linguagem escolhida para o documento, que não determinaria os meios para uma trégua, de forma clara.

— Todas as tentativas [de cessar-fogo], uma vez após a outra, sofreram resistência dos EUA, que por quatro vezes, a sangue frio, impuseram um veto nesta Câmara — afirmou o embaixador russo, Vassily Nebenzia, antes de recomendar o veto ao conselho. — Passados 6 meses, Gaza foi virtualmente varrida do mapa, e agora a representante dos EUA, sem pestanejar, nos garante que Washington reconhece a necessidade de um cessar-fogo.

Nebenzia, assim como o embaixador chinês, Zhang Jun, apontaram que o texto não apela, de forma direta, pelo fim das hostilidades em Gaza, e que foi escrito de uma forma que permitiria interpretações perigosas ao estabelecer contrapartidas para que haja uma trégua definitiva, o que poderia ser lido como um incentivo a ações militares israelenses contra o enclave palestino, incluindo Rafah.

— A proposta [americana] passou por várias iterações e contém elementos que respondem a preocupações da comunidade internacional, mas sempre se eximiu da questão central de um cessar-fogo — declarou Jun. — Um cessar-fogo imediato é um pré-requisito fundamental para salvar vidas, expandir o acesso a ajuda humanitária e prevenir conflitos maiores. O projeto americano, pelo contrário, estabelece pré-condições para um cessar-fogo, o que não é diferente de dar um sinal verde para a continuidade da matança, o que é inaceitável.

Teor geopolítico

A embaixadora americana, Linda Thomas-Greenfield, chamou a postura das delegações russa e chinesa de "cínica", descartando que apenas os tecnicismos levantados pelas delegações estivessem por trás da decisão. A diplomata vinculou os vetos de ambos à oposição histórica aos EUA.

— China e Rússia simplesmente não quiseram votar a favor de um projeto elaborado pelos Estados Unidos, porque prefeririam ver-nos fracassar do que ver o Conselho ter sucesso — disse.

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Embora China e Rússia mantenham uma posição quase avessa aos EUA dentro do conselho, a disputa atual vai além de uma questão de semântica, e reflete uma série de outros embates geopolíticos — em que Pequim, Moscou e Washington manifestam interesses estratégicos concorrentes, incluindo alguns específicos no Oriente Médio e outros mais gerais.

Tradicionalmente uma zona de influência — e área de operação — americana, o que acontece no Oriente Médio ressoa rapidamente nos EUA, que tem uma política externa longa na região. Para analistas políticos, Pequim e Moscou tentam tirar proveito do conflito em Gaza, que ao implicar Israel também envolve os EUA, ao menos na medida em que retira a atenção de Washington de outras frentes, como a guerra na Ucrânia ou as disputas estratégicas no Pacífico e no Mar do Sul da China.

Em um artigo publicano em janeiro pelo The New York Times, os pesquisadores no Carnegie Endowment for International Peace Isaac Kardon e Jennifer Kavanagh, avaliaram como o comportamento distante da China em relação à crise no Mar Vermelho, envolvendo os rebeldes houthis e a coalizão internacional liderada pelos EUA, revelam o interesse chinês no desgaste americano.

"Pequim joga um jogo cínico, aproveitando-se da mesma potência americana que despreza, tentando ter as duas coisas. Para os líderes da China, há uma certa lógica estratégica nisto. A crise do Mar Vermelho distrai os Estados Unidos de se concentrarem na Ásia, dando à China tempo para mobilizar as suas capacidades no Pacífico ocidental, ao mesmo tempo que se apresenta como uma potência benevolente que não se intromete nos assuntos de outros países", escreveram.

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Além da abordagem indireta, China e Rússia guardam objetivos próprios de expandir suas zonas de influência na região. Os dois países foram apontados como os responsáveis por articular a entrada de Arábia Saudita, Egito, Emirados Árabes Unidos e Irã no Brics, no ano passado — o último deles, principal elo direto de ambos com o conflito em Gaza.

O regime de Teerã é apontado como o principal fornecedor de armamentos e líder ideológico do grupo chamado 'Eixo da Resistência', que reúne grupos e movimentos armados da região, muitas vezes apontados por fontes ocidentais como agentes por procuração das forças iranianas, incluindo o Hamas.

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Parte dos analistas apontam que a relação com o Irã — sobretudo da Rússia, que encontrou no país um importante fornecedor de drones para a ofensiva na Ucrânia — seria um dos fatores a influenciar a decisão dos países de manterem uma postura pró-palestina. Nem China e nem Rússia, fontes importantes para as trocas comerciais com o Irã, pressionaram o país de forma aberta por uma solução.

A postura menos ativa no conflito, mantendo a linha mais voltada para Gaza, também parece atender ao objetivo de ambos em relação ao Sul Global, onde a causa palestina tem mais força e reúne apoiadores. (AFP e NYT)