Internacional
Em meio à guerra em Gaza, EUA enviaram quantidade 'sem precedentes' de armas a Israel
Dados apontam mais de 100 vendas secretas desde o início da operação militar, envolvendo 140 voos de bases americanas ao redor do mundo
Em meio a anúncios da criação de um píer para o envio de ajuda humanitária a Gaza, e aos lançamentos aéreos de itens básicos ao território — que provocaram a morte de cinco pessoas na sexta-feira —, surgiram detalhes sobre o escopo do apoio militar dos Estados Unidos a Israel desde o início da guerra, em outubro do ano passado. Segundo investigações publicadas esta semana, uma operação “sem precedentes”.
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Na quarta-feira, o Washington Post revelou que foram feitas, desde outubro, mais de 100 vendas secretas de armamentos, incluindo munições de precisão, bombas de pequeno calibre, mísseis do tipo “bunker buster”, capazes de penetrar camadas de concreto, armas de pequeno calibre e munição de artilharia de 155mm. Os números foram apresentados por integrantes do governo a congressistas, de forma sigilosa.
Todos os anos, os EUA fornecem cerca de US$ 3,3 bilhões (R$ 16,43 bilhões) em ajuda a Israel para adquirir equipamentos e serviços militares de empresas americanas, além de uma pequena parcela que pode ser destinada a compras internas. Mas em situações como a guerra em Gaza, onde o Exército israelense precisa de armas, munições e equipamentos, são abertas linhas adicionais — oficialmente, apenas duas dessas linhas foram aprovadas pela Casa Branca desde o dia 7 de outubro, uma de US$ 106 milhões (R$ 527,8 milhões) e outra de US$ 147 milhões (R$ 732 milhões). Um novo pacote, que prevê assistência de segurança de US$ 14,1 bilhões (R$ 70 bilhões), está parado na Câmara.
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Contudo, como aponta o Washington Post, as outras 100 autorizações de venda foram feitas longe do escrutínio público, uma vez que seus valores ficaram abaixo de um patamar que obriga o debate público sobre as operações. A Casa Branca afirmou ao jornal que seguiu todos os protocolos para manter os membros do Legislativo informados sobre esse tipo de ação.
Em outra reportagem publicada na quinta-feira, o jornal israelense Haaretz revelou detalhes sobre a operação para levar todas essas armas a Israel, algo considerado sem precedentes em tempos modernos. Usando dados disponíveis ao público em geral, como registros de voos e imagens publicadas em redes sociais, a publicação conseguiu identificar 140 decolagens de aeronaves de carga da Força Aérea dos EUA, supostamente levando equipamentos militares de bases ao redor do mundo para Israel.
A maior parte das decolagens ocorreu nas bases de Dover, nos EUA, Rammstein, na Alemanha, e al-Udeid, no Catar, onde fica baseado o Comando Central dos Estados Unidos, responsável pelo Oriente Médio. Também foram identificadas viagens partindo das bases de Sigonella, na Itália, Osan e Kunsan, na Coreia do Sul, e de Guam, um estratégico território dos EUA no Pacífico.
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Os destinos preferenciais foram a base aérea de Nevatim e o aeroporto Ben Gurion, mas o aeroporto de Ramon, no Sul israelense, também foi destino de aeronaves procedentes de Nova York, Hong Kong e Liège, na Bélgica — desde o início da guerra, sindicatos de trabalhadores aeroportuários da cidade afirmam que o terminal está sendo usado como ponto de transporte de armas a Israel, e recentemente eles se recusaram a carregar as aeronaves. Em fevereiro, o governo da Valônia, onde fica Liège, anunciou a proibição das licenças para exportação de armas a Israel.
Armazéns secretos
Mesmo com as revelações sobre o transporte das armas, o real escopo da pegada militar dos EUA em Israel é pouco conhecido. Em dezembro, o Guardian mencionou a existência de uma ampla rede de armazéns, com equipamentos americanos, espalhados ao redor de Israel. As instalações foram estabelecidas nos anos 1980, inicialmente pensadas em servir como linha de apoio para missões dos EUA no Oriente Médio, mas gradualmente foram feitas concessões para os israelenses.
— Oficialmente, é equipamento dos EUA para uso dos EUA. Mas por outro lado, em uma emergência, quem vai dizer que não vamos dar a eles a chave dos armazéns — disse ao Guardian um ex-funcionário do Pentágono.
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Segundo documentos obtidos pelo jornal, esses depósitos guardam uma grande quantidade das chamadas “bombas burras”, que são consideradas obsoletas pelos militares americanos. Apesar de não haver qualquer constatação de que os israelenses tiveram acesso a esse material, não deixa de chamar a atenção uma avaliação, feita pela inteligência dos EUA e divulgada pela CNN em dezembro, de que “metade” das bombas lançadas sobre Gaza por Israel era desse tipo.
Como detalham os documentos obtidos pelo Guardian, são “bombas de metal simplesmente jogadas de aeronaves para que a gravidade faça seu trabalho”.
— Já é grave o suficiente utilizar essas armas quando elas atingem precisamente seus alvos. É um problema maciço de danos civis se elas não têm essa precisão, e se nem mesmo podemos dar o benefício da dúvida de que a arma está de fato atingindo onde as forças israelenses pretendiam — disse à CNN Brian Castner, ex-oficial de disposição de explosivos (EOD) e atual conselheiro da Anistia Internacional, em dezembro.
Os detalhes surgem em um momento complicado para os EUA na guerra. Ao mesmo tempo em que não dá sinais de que abandonarão seu aliado, a Casa Branca eleva o tom em relação às ações israelenses em Gaza. Na quinta-feira, o presidente Joe Biden citou no discurso sobre o Estado da União o número de 30 mil palestinos mortos, por vezes questionado por Israel, defendeu a ampliação da ajuda humanitária e as negociações para um cessar-fogo temporário, de seis semanas.
O presidente também anunciou a criação de um píer para acelerar o envio de alimentos e medicamentos, e o incremento dos lançamentos dos pacotes pelo ar — em um incidente nesta sexta-feira, o paraquedas de um dos contêineres não funcionou, matando cinco pessoas que o aguardavam.
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Privadamente, Biden tem feito críticas ácidas ao premier Benjamin Netanyahu, inclusive sobre a intenção do governo de lançar uma ofensiva contra Rafah, cidade no Sul de Gaza onde estão centenas de milhares de pessoas. Além das vidas dos civis, Biden também tem uma preocupação eleitoral: setores de sua base de apoio, como os árabes-americanos, sinalizam que podem não votar nele em novembro, quando disputa a reeleição contra Donald Trump. Os questionamentos à postura dos EUA na guerra também são cada vez mais numerosos dentro do Partido Democrata.
— Você pergunta a muitos americanos sobre as transferências de armas a Israel agora, e então eles dizem que você está maluco, como “por que nós mandaríamos mais bombas pra lá?” — disse ao Washington Post o deputado democrata Joaquin Castro, que ainda em outubro assinou um pedido para um cessar-fogo em Gaza. — As pessoas já fugiram do norte para o sul, agora estão aglomeradas em um pequeno pedaço de Gaza, e você ainda vai continuar a bombardeá-las?
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