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'Quando os EUA são derrubados, eles levantam': Em discurso sobre o Estado da União, Biden faz defesa de seus anos no poder

Presidente americano usa o tradicional pronunciamento como plataforma para uma campanha que promete ser a mais difícil de sua carreira

Agência O Globo - 08/03/2024
'Quando os EUA são derrubados, eles levantam': Em discurso sobre o Estado da União, Biden faz defesa de seus anos no poder
'Quando os EUA são derrubados, eles levantam': Em discurso sobre o Estado da União, Biden faz defesa de seus anos no poder - Foto: Reprodução / internet

Em uma das falas mais importantes de sua carreira política, o presidente dos EUA, Joe Biden, subiu ao púlpito da Câmara dos Deputados para seu quarto discurso sobre o Estado da União, uma tradicional prestação de contas ao Congresso e à população, e como normalmente ocorre em anos eleitorais, serve para delimitar emas de campanha e trace diferenças em relação a seu rival, no caso, Donald Trump. Logo na entrada, antes de subir ao púlpito, ele foi recebido com aplausos e gritos de "mais quatro anos", entoados pelos parlamentares democratas.

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Biden começou a fala com uma piada — "se eu fosse esperto eu iria embora agora" — e com uma forte defesa da concessão de ajuda à Ucrânia. Um novo pacote de US$ 60 bilhões está barrado na Câmara desde o ano passado, e o presidente fez um novo apelo para que os congressistas deem o sinal verde para a liberação do dinheiro. Ele ainda reiterou que não pretende mandar soldados americanos à Ucrânia, como o presidente francês, Emmanuel Macron, chegou a sinalizar na semana passada.

— Temos que fazer frente a [Vladimir] Putin [presidente da Rússia] — disse Biden. — E minha mensagem a ele é simples: não vamos ir embora, e não vamos nos curvar. Eu não vou me curvar.

O presidente dedicou um tempo razoável ao reafirmar seu compromisso com a defesa da democracia e das instituições, citando o ataque ao Capitólio, promovido por apoiadores de Trump no dia 6 de janeiro de 2021, e sem mencionar o nome de seu provável rival em novembro disse que "você não pode amar seu país apenas quando vence".

— A História está nos observando, assim como observou há três anos, no dia 6 de janeiro, quando insurrecionistas atacaram este mesmo Capitólio para colocar uma adaga no pescoço da democracia americana — afirmou.

O republicano tem sinalizado que um eventual retorno à Casa Branca trará mudanças profundas a órgãos como o Departamento de Justiça, e não esconde o desejo de “vingança” contra o que vê como “perseguição política”, se referindo aos seus muitos processos na Justiça. Em uma fala vigorosa, coube a Biden se apresentar como a alternativa mais viável para a manutenção das bases democráticas.

Em outro tema sensível e eleitoral, ele reiterou o compromisso de restaurar a proteção constitucional ao aborto nos EUA, derrubado por uma decisão da Suprema Corte, em 2022. Vários estados têm adotado medidas que dificultam a interrupção da gestação, e até avançado sobre outros direitos reprodutivos. Na quarta-feira, o governador do Alabama assinou uma lei protegendo a fertilização in vitro no estado, depois que a Suprema Corte local havia determinado que embriões não poderiam ser destruídos, estabelecendo uma equivalência com seres humanos, levando à suspensão temporária de tratamentos.

— Se os americanos me derem um Congresso que apoie o direito à escolha, eu prometo: vou restaurar Roe vs. Wade como a lei dessa terra novamente — diz trecho antecipado do discurso, trazendo uma referência ao nome do caso que estabeleceu a jurisprudência sobre o tema na Suprema Corte, em 1973. No plenário, algumas parlamentares , incluindo a ex-presidente da Câmara, Nancy Pelosi, usaram roupas brancas para chamar a atenção parta a importância do tema.

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Ao apontar que as açõs da Casa Branca estão criando um "futuro de possibilidades", o presidente adentrou o ponto que é considerado um dos mais complexos de seu governo e sua campanha: a economia. Ele fez uma defesa contundente de sua política, o “Bidenomics”, como aliados a definem, mas que não teve esse nome mencionado. Apesar do ritmo constante de crescimento, recuperando as perdas da economia, e do baixo desemprego, hoje em níveis historicamente baixos, o humor dos americanos com as finanças do país está longe do ideal.

— Nossa economia é literalmente a inveja do mundo. Quinze milhões de empregos em apenas três anos. O desemprego nos níveis mais baixos em 50 anos, um recorde de 16 milhões de americanos iniciando pequenos negócios, e cada um é literalmente um ato de esperança — afirmou.

A inflação está hoje em níveis controlados — segundo o Fed, a taxa em janeiro foi de 2,4%, em números anualizados —, mas muitos ainda se ressentem dos ainda altos preços dos alimentos e habitação, inclusive em áreas onde os democratas têm bons desempenhos, como em Nova York e Califórnia.

Vender o Bidenomics como a saída, como o fez em discursos anteriores, parece ser, na opinião de especialistas, o único caminho para começar a mudar opiniões negativas. Segundo o compilado de pesquisas do site Fivethirtyeight, a aprovação média dele é de 38,1%. Para tentar se aproximar do eleitor, citou alguns exemplos de pessoas que conseguiram se reerguer após tempos de dificuldades

— É por causa de vocês [povo americano] que o Estado da União está cada vez mais forte — disse Biden, ao som de gritos de "mais quatro anos".

A promessa de que a economia melhorará em um eventual segundo mandato, como fazem todos os candidatos à reeleição, também será chave para o sucesso — a tarefa não será simples: segundo uma pesquisa do Wall Street Journal, divulgada no domingo, cerca de 60% dos americanos acreditam que a situação econômica do país piorou nos últimos dois anos, enquanto 31% afirmam que as coisas melhoraram.

Imigração e idade

Nem só de Bidenomics trata o discurso, que normalmente dura pouco mais de uma hora. O presidente fará um novo apelo aos congressistas para que aceitem seu pacote de políticas migratórias, que integra um plano mais amplo de envio de ajuda militar e financeira a Ucrânia, Israel e aliados na Ásia e Pacífico. Apesar de criticarem o presidente neste setor, que promete ser um dos principais da campanha, os republicanos, que controlam a Câmara, têm se recusado a votar com a Casa Branca.

Segundo analistas, essa postura tem o dedo do próprio Donald Trump, que pretende levar a crise até a eleição para se beneficiar com suas propostas para fechar as fronteiras e deportar estrangeiros em massa. O nome do republicano não aparece no discurso.

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O presidente deve mencionar um dos principais pontos de ataque contra sua candidatura à reeleição: sua idade. Aos 81 anos, ele será, caso vença, a pessoa com mais idade a conquistar a reeleição — Trump, por sua vez, tem 78 anos.

— Minha vida me ensinou a abraçar a liberdade e a democracia. Um futuro baseado nestes valores centrais que definiram os EUA: honestidade, dignidade, igualdade. Me ensinou a respeitar a todos. A dar a todos uma chance justa. A não dar um lar ao ódio — dirá o presidente, segundo trechos antecipados pela Casa Branca à CNN. — Agora outras pessoas com minha idade veem uma história: uma história americana de ressentimento, de vingança. Esse não sou eu.

Na política externa, o ponto alto de seu discurso foi antecipado à tarde: a criação de um porto, em Gaza, destinado a facilitar a entrega de ajuda à população palestina em meio a uma grave crise humanitária.

A guerra lançada por Israel ao grupo terrorista Hamas se mostra um calcanhar de aquiles para o democrata, especialmente entre seu eleitorado — em três estados, houve votos de protesto nas primárias do partido, com os votos “não comprometidos”, equivalentes a um voto nulo, atingindo até 30% nas urnas. Do lado de fora da Casa Branca, um grupo protagoniza um protesto contra o presidente,, que obrigou a comitiva a usar um caminho alternativo até o Congresso. Um pedido por um cessar-fogo imediato não está no discurso tampouco nos planos oficiais da Casa Branca até o momento.

Segundo assessores, ele está preparado para possíveis vaias e manifestações de oposicionistas dentro do Congresso. No ano passado, ele chegou a responder a algumas das críticas no plenário, mas este ano o presidente da Câmara, o republicano Mike Johnson, disse ter pedido aos seus colegas de Casa que “reduzam a temperatura”. Uma das parlamentares mais vocais e críticas a Biden, Marjorie Taylor Greene, que o vaiou no ano passado, não disse se repetirá a dose este ano — ela usava, além de uma roupa vermelha, um boné da campanha de Donald Trump. Entre os presentes no plenário da Câmara, chamou a atenção o deputado cassado George Santos, que apesar de ter sido expulso da Casa ainda manteve alguns privilégios dentro do Legislativo.

E seguindo uma tradição iniciada nos anos 1950, um dos integrantes do Gabinete de Biden foi escolhido o sobrevivente designado: este ano, a função coube a Miguel Cardona, secretário de Educação, que assiste ao discurso de um local protegido e distante do Congresso.