Internacional
Prisioneiro palestino mais famoso em Israel é apontado como possível liderança no pós-guerra em Gaza; saiba quem é
Marwan Barghouti foi incluído pelo Hamas nas negociações para um cessar-fogo no enclave, que preveem a troca de reféns por detentos
Uma delegação do grupo terrorista Hamas deixou o Cairo nesta quinta-feira sem ter avançado nas negociações destinadas a alcançar um cessar-fogo humanitário na Faixa de Gaza antes do Ramadã, mês sagrado para os muçulmanos e que terá início no dia 10. As conversas, que ocorriam desde domingo com países mediadores (Catar, Egito e EUA), tinham como objetivo formalizar uma pausa de seis semanas no conflito e libertar reféns mantidos no enclave em troca do envio de detentos palestinos presos em Israel. Segundo o jornal egípcio al-Qahera, as reuniões devem ser retomadas na próxima semana.
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Nas conversas atuais, conforme o El País, o nome de um prisioneiro palestino recebe especial destaque: Marwan Barghouti. Aos 64 anos e atrás das grades israelenses desde 2002, ele cumpre cinco penas de prisão perpétua no país. Para as autoridades de Israel, Barghouti é considerado um terrorista. Já para muitos palestinos, ele é um herói capaz de unir diferentes facções de um povo abalado pela guerra e por um governo em crise. O próprio líder do Hamas, Ismail Haniya, pediu a libertação do detento, ainda que ele seja membro do Fatah, partido que compete com o grupo terrorista nos bastidores do poder na Palestina.
Autoridades penitenciárias de Israel puniram Barghouti com o isolamento em uma cela individual ao mesmo tempo em que também conversavam em Paris para acertar um hiato bélico. A família do palestino calcula que essa decisão foi efetivada em meados de dezembro. De acordo com Arab Barghouti, 33, filho mais novo do palestino, seu pai ficou 12 dias em uma cela isolada na prisão. As luzes teriam ficado muito fortes, e o alto-falante no volume máximo reproduzia slogans em hebraico. Ele teria recebido menos alimento, água, higiene e roupas.
O ministro da Segurança Nacional de Israel, o controverso ultranacionalista Itamar Ben-Gvir, se vangloriou do endurecimento das condições. Em 14 de fevereiro, ele escreveu no X (antigo Twitter): “Hoje transferiram o maior dos assassinos, Marwan Barghouti, da prisão de Ofer para o isolamento devido a informações sobre o planejamento de motins. Os dias em que os terroristas gerenciavam as prisões chegaram ao fim”. No local, segundo Arab, seu pai foi algemado pelas costas e ferido no braço. Os dois não têm contato direto há 22 anos, e a esposa de Barghouti, Fadwa, não é autorizada a visitá-lo há mais de um ano.
Apesar de tudo, a família mantém o otimismo enquanto as negociações continuam, embora afirme que “a prioridade é deter o genocídio em Gaza e garantir a libertação de todos os prisioneiros políticos”.
‘Um governo de unidade’
Abdelqader Badawi, de 29 anos, foi preso pelas autoridades de Israel quando era adolescente por resistir à ocupação nas ruas. Ele permaneceu atrás das grades de 2012 a 2019 e, entre 2016 e 2018, passou vários períodos em confinamento solitário em uma cela com Barghouti. Ao El País, Badawi descreveu o palestino como “humano, professor, amigo e um mar de generosidade”. Badawi conta que, graças a Barghouti, a quem chama de “doutor”, e à sua insistência de que ele deveria se educar, ele obteve o certificado escolar e dois diplomas da Universidade al-Quds.
— Sem dúvida ele é a solução. Acredito que ele pode formar um governo de unidade com todas as facções e tendências políticas — disse Badawi.
Internamente, a popularidade do Hamas não parou de crescer em detrimento da Autoridade Nacional Palestina (ANP), cujo governo, interino desde a renúncia do primeiro-ministro em 26 de fevereiro, é liderado pelo Fatah. Ainda assim, a figura de Barghouti continua sendo a mais valorizada em uma possível corrida presidencial, segundo a última pesquisa publicada em dezembro pelo Centro Palestino de Políticas e Pesquisas de Opinião. Arab Barghouti destacou que, após quase duas décadas sem eleições, “os palestinos devem escolher quem querem como líder”. Ele defende que seu pai pode ser “uma peça para a unidade”.
— Barghouti pode lutar contra a corrupção e contra a ocupação — continuou ele, criticando a divisão interna, a má reputação que cerca os líderes palestinos e o jugo israelense. Ele pontuou, no entanto, que não sabe se seu pai se lançaria à corrida para liderar a Palestina agora.
Barghouti, que tentou ser candidato presidencial de sua cela nas eleições que terminaram não ocorrendo em 2021, já esteve na lista para ser solto quando, em 2011, Israel trocou mais de mil prisioneiros pelo soldado Guilad Shalit, que passou cinco anos sequestrado em Gaza. No final, ele ficou fora do acordo — e quem saiu da prisão foi Yahia Sinwar, hoje líder do Hamas no enclave e o homem mais procurado pelas autoridades israelenses, apontado como o cérebro do ataque de 7 de outubro. Naquele dia, o grupo terrorista, que governa o enclave desde 2006, invadiu e matou cerca de 1,1 mil pessoas em Israel. Como resposta, o Exército de Israel já matou mais de 30,8 mil palestinos.
‘Banho de sangue’
Ao ser perguntado sobre o atual presidente, Mahmoud Abbas, o ex-prisioneiro Abdelqader Badawi ri e diz é preciso uma liderança que leve a população “pelo caminho da reconstrução da Autoridade Nacional Palestina” porque, “infelizmente, a política não teve fôlego nas últimas duas décadas”. Ele ressaltou que as circunstâncias atuais são diferentes daquelas que levaram Barghouti à prisão em 2002, no auge da segunda Intifada, quando foi acusado de assassinato. Hoje, afirmou, o objetivo deve ser acabar com o “banho de sangue em Gaza”.
— Se depender apenas de Israel, Barghouti não sairá [da prisão], mas é preciso ver as negociações e como o Hamas joga suas cartas — opinou Abdelfatah Doleh, que esteve preso entre 2006 e 2011, período em que também compartilhou cela com ele. — Se o Hamas pensar no bem de todos os palestinos, precisará de Barghouti — continuou Doleh, porta-voz de uma das seções do Fatah e outro dos que têm em um pedestal o prisioneiro palestino mais famoso em Israel.
Analista político, Sari Orabi passou cinco anos em prisões de Israel e três nas da ANP por pertencer ao círculo do Hamas. Ele afirma que o grupo terrorista precisa de Barghouti “porque há muita pressão contra o Hamas a nível internacional”. Orabi acredita que os fundamentalistas sabem que “será muito difícil voltar a gerenciar e liderar Gaza e reconstruí-la”, motivo pelo qual “Barghouti pode ser útil”. Colocado em uma zona “neutra” e sem contato direto com a cúpula do grupo para “evitar voltar à prisão”, o analista acredita que foram as altas esferas do Fatah que bloquearam a libertação de Barghouti em 2011.
— Barghouti é para muitos a solução, mas não é para mim — afirmou Nashaat Aqtash, professor na Universidade de Birzeit e colaborador na campanha eleitoral do Hamas nas últimas eleições, em 2006. Ele vê o prisioneiro com muitos apoios entre a nova safra de membros do Fatah, mas não entre os líderes veteranos. Acredita que, apesar da guerra, das pressões internacionais e das pesquisas, nem Abbas nem Barghouti venceriam uma eleição presidencial contra um candidato do Hamas.
Rodeada de cartazes com a imagem do falecido presidente Yasser Arafat (1929-2004), a militante Haifaa Qudsia, de 68 anos, teme que, uma vez livre, Israel queira enviar Barghouti para o exterior. Ela acredita, porém, que ele manterá seu papel de líder — e defende que ele é “a única saída que resta ao Hamas nas circunstâncias atuais”. Outros, como Abdelqader Badawi, se agarram aos ensinamentos aprendidos entre as grades com seu ex-companheiro de cela, destacando que “o último dia de ocupação será o primeiro dia de paz”.
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