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Gangues mantêm cerco a aeroporto de Porto Príncipe; premier haitiano tem pouso negado na República Dominicana

Um dia depois de tentativa de invasão ao maior aeroporto do Haiti, companhias internacionais suspendem voos para o país, que vive a maior crise de segurança em anos

Agência O Globo - 05/03/2024
Gangues mantêm cerco a aeroporto de Porto Príncipe; premier haitiano tem pouso negado na República Dominicana
Gangues mantêm cerco a aeroporto de Porto Príncipe; premier haitiano tem pouso negado na República Dominicana - Foto: Reprodução / internet

Grupos criminosos no Haiti mantiveram o cerco ao aeroporto de Porto Príncipe, o maior do país, um dia depois de uma tentativa frustrada de invasão ao local. Desde o fim de semana, quando mais de três mil detentos foram libertados de presídios, o que levou à convocação de um estado de emergência pelo governo, as gangues anunciaram uma “união” para derrubar o premier Ariel Henry, que ainda está fora do país.

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Nesta terça-feira, algumas atividades da capital, como os serviços de transporte e parte do comércio, foram retomadas, mas o clima de tensão ainda continua no ar. Moradores montaram barricadas em ruas e diante de residências, e jornalistas na capital haitiana ainda relatam muitos homens armados.

Os criminosos também são vistos nos arredores do aeroporto Toussaint Louverture, que na véspera foi cenário de um dos mais ousados ataques das gangues que há anos dominam regiões inteiras do Haiti, incluindo da capital.

Segundo informações da agência Associated Press, os criminosos cortaram um pedaço da cerca que dá acesso ao terminal, e foram repelidos por militares, posicionados no local desde a semana passada, quando houve uma outra tentativa de invasão. Três aeronaves de pequeno porte foram atingidas pelos disparos. Na ofensiva de segunda-feira até um blindado foi usado pelos soldados.

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Sem qualquer garantia de segurança e com o risco de um novo ataque, companhias aéreas dos Estados Unidos que ainda operavam voos para a capital haitiana anunciaram a suspensão dos serviços por tempo indeterminado.

A Junta Civil de Aviação da República Dominicana anunciou que as operações de passageiros e de carga para o país vizinho estão suspensas. Em comunicado, o órgão afirma que o país “se reserva o direito, em circunstâncias excepcionais, durante um período de emergência ou no interesse da segurança pública, de restringir ou proibir temporariamente e imediatamente os voos”.

No site Flightradar24, que monitora o tráfego aéreo ao redor do mundo, todas as chegadas e partidas do aeroporto de Porto Príncipe aparecem como “canceladas” ou com “status desconhecido”. A situação é a mesma nos aeroportos de Cap-Haitien, de onde saem e chegam voos para os EUA, e de Les Cayes, que opera voos domésticos.

Ausência do Estado

A nova explosão de violência no Haiti, que já convive com a virtual ausência do Estado há muitos anos, deu seus primeiros sinais na semana passada, quando houve uma tentativa de invasão do aeroporto de Porto Príncipe, e quando as organizações criminosas cogitaram uma inédita campanha conjunta para derrubar o premier Ariel Henry.

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A situação se agravou no sábado, com as ações contra a maior prisão do país e a libertação de mais de 3,6 mil detentos. A decretação do estado de emergência e do toque de recolher, no fim de semana, foi entendida como declaração de guerra.

Analistas apontam que embora as gangues já façam parte da rotina de violência do Haiti, e tenham se aproveitado do caos após o assassinato do presidente Jovenel Moïse, em 2021, o roteiro agora é diferente. Sob o aparente comando do chefe de uma organização criminosa, Jeremy “Barbecue” Chérizier, as organizações lançaram ataques contra instituições do Estado, como a polícia, e sinalizaram que querem derrubar Henry e assumir o controle do país de 11 milhões de habitantes.

— As gangues andaram por Porto Príncipe com suas armas em punho. Isso não foi feito à noite, e a polícia não era encontrada em lugar algum — disse à NPR a ativista Monique Clesca, que chamou o fim de semana de “três dias de terror”.

Também à NPR, Robert Fatton, professor da Universidade da Virgínia, destacou que a intenção das gangues de derrubar Henry e o próprio Estado haitiano é inédita, e extremamente perigosa.

— A situação está à beira de um colapso real de toda e qualquer instituição ainda remanescente no país — disse Fatton.

Premier ausente

Sem eleições desde 2016, o Haiti há muito era razão de preocupação dos países da vizinhança. Em outubro, o Conselho de Segurança da ONU autorizou o envio de uma força multinacional, a ser liderada pelo Quênia. Mas a Justiça queniana tem barrado o envio de policiais locais ao país.

Para tentar quebrar o impasse, Ariel Henry foi a Nairóbi no fim de semana — justamente quando a crise subiu de patamar — em busca de um acordo com as autoridades locais, algo que ele, segundo a imprensa queniana, conseguiu. Já o retorno dele para o Haiti não foi tão bem sucedido: sem garantias de segurança para viajar diretamente a Porto Príncipe, ele tentou ir para a República Dominicana, onde seu pouso foi negado. Sem sucesso, a aeronave foi redirecionada para Porto Rico, onde permanecerá até segunda ordem.

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Antes mesmo do estouro da mais recente crise de segurança no Haiti, as relações entre os dois países que dividem a Ilha de Santo Domingos eram tensas. No ano passado, o governo dominicano fechou a fronteira terrestre em meio a uma disputa em torno de um canal — no mês passado, o presidente Luis Abinader afirmou, diante do Parlamento, que entregaria em breve os últimos trechos de uma cerca em 190 km de fronteira, destinados a barrar a entrada de imigrantes em situação irregular. Agora, presidente rejeitou receber refugiados da nova onda de violência no país vizinho.