Internacional
Fome, desnutrição e escassez aguda: entenda a catástrofe humanitária 'iminente' em Gaza
Cerca de 97% da água no território foi considerada 'imprópria para consumo humano' e a produção agrícola está começando a entrar em colapso; envio de ajuda é insuficiente
O número de caminhões de ajuda que entram na Faixa de Gaza caiu significativamente em fevereiro, segundo dados da ONU, que alertaram para um risco de “fome [ou catástrofe humanitária] quase inevitável” no norte do território, onde o Fundo das Nações Unidas para a Infância (Unicef) estima que uma em cada seis crianças com menos de 2 anos de idade estão gravemente desnutridas, e os combates e saques tornam quase impossível a entrega de ajuda. Mas o que exatamente significa uma situação de fome ou catástrofe humanitária?
Dados do Escritório de Coordenação de Assuntos Humanitários da ONU (Ocha) mostram que pelo menos 500 mil pessoas já vivem em situação de fome ou catástrofe humanitária em Gaza, e quase toda a população de 2,4 milhões de pessoas enfrenta escassez aguda de alimentos — a pobreza alimentar atinge 90% das crianças com menos de 2 anos de idade e 95% das mulheres grávidas e que estão amamentando, segundo a Organização Mundial da Saúde (OMS).
Líderanças humanitárias têm chamado a atenção para a crise humanitária no enclave palestino há meses e exigido que Israel e outros países aumentem o envio de água, comida e medicamentos para os civis. Mas a morte de 112 civis na Cidade de Gaza, quinta-feira, enquanto tentavam conseguir suprimentos de um comboio humanitário enfatizou o grau de desespero no território.
"O risco de fome está sendo alimentado pela incapacidade de levar suprimentos essenciais de alimentos para Gaza em quantidades suficientes e pelas condições operacionais quase impossíveis enfrentadas por nossa equipe em campo", disse Carl Skau, vice-diretor executivo do Programa Mundial de Alimentos das Nações Unidas ao Conselho de Segurança nesta semana.
Até 27 de fevereiro, uma média de 96 caminhões por dia entrou em Gaza, uma queda de 30% em relação à média de janeiro e a menor média mensal desde antes do cessar-fogo no final de novembro, de acordo com dados da Agência das Nações Unidas de Assistência aos Refugiados da Palestina no Próximo Oriente (UNRWA, na sigla em inglês).
O QUE É UMA SITUAÇÃO DE CRISE HUMANITÁRIA?
Segundo critérios das Nações Unidas, a fome ou crise humanitária é caracterizada por uma situação de emergência generalizada, que afeta uma comunidade inteira ou um grupo de pessoas de uma região específica, devido aos altos índices de mortalidade e desnutrição, contágio de doenças ou epidemias e emergências sanitárias.
A ONU estima que a fome ameace 2,2 milhões dos 2,4 milhões de habitantes da Faixa de Gaza, principalmente no norte da Faixa.
— Se algo não mudar, a fome será quase inevitável — alertou Jens Laerke, porta-voz do Escritório de Coordenação de Assuntos Humanitários da ONU (Ocha). — Assim que a fome é declarada, é tarde demais para muitas pessoas.
Cerca de 97% da água em Gaza foi considerada "imprópria para consumo humano" e a produção agrícola está começando a entrar em colapso, disse Maurizio Martina, diretor-geral assistente da FAO. De acordo com a Associação Palestina de Desenvolvimento Agrícola (Parc), as forças israelenses destruíram um quarto das propriedades agrícolas no norte da Faixa de Gaza.
O secretário-geral da ONU para Assuntos Humanitários, Martin Griffiths, enviou uma nota em 22 de fevereiro, disponível para a AFP, pedindo ao Conselho de Segurança da ONU que garanta "a proibição da fome de civis como método de guerra".
COMO SE MEDE A FOME?
As medições são realizadas pelas agências da ONU sediadas em Roma — o Programa Mundial de Alimentos (WFP) e a Organização das Nações Unidas para Agricultura e Alimentação (FAO) — com base em uma iniciativa que reúne agências públicas e organizações não-governamentais para a Classificação Integrada das Fases de Segurança Alimentar (IPC).
O sistema tem cinco fases: Segurança Alimentar Geral (Fase 1), Insegurança alimentar moderada/limitada (Fase 2), Crise aguda de alimentação e subsistência (Fase 3), Emergência humanitária (Fase 4) e Fome ou catástrofe humanitária (Fase 5).
A fome ou catástrofe humanitária da Fase 5 é definida quatro critérios:
A Unicef alertou recentemente que as graves dificuldades de acesso a itens básicos podem levar a uma "explosão" da mortalidade infantil em Gaza, onde uma em cada seis crianças com menos de dois anos está gravemente desnutrida.
O Ministério da Saúde de Gaza, governada pelo grupo terrorista Hamas, informou a morte de quatro crianças por "desnutrição e desidratação" nesta sexta-feira. As mortes foram registradas no hospital Kamal Adwan, no norte do enclave. Desde o início do conflito, dez morreram morreram por causas semelhantes no enclave palestino, disse o porta-voz do ministério, Ashraf al-Qudra.
— Não tive escolha a não ser matar os cavalos para alimentar as crianças — disse à Abu Gibril, um fazendeiro palestino de 60 anos e refugiado no grande campo de deslocados internos de Jabaliya, no norte da Faixa, à AFP na semana passada. — [Minha família conseguiu escapar dos combates, mas] agora é a fome que está tirando vidas.
POR QUE O ENVIO DE AJUDA PARA GAZA DIMINUIU?
O declínio reflete, em parte, o rigor das medidas de inspeção na passagem de Kerem Shalom, no sul de Israel, que tem atuado como a principal porta de entrada desde que foi reaberta em dezembro. As mercadorias também entram em Gaza vindas do Egito por meio de uma passagem na cidade de Rafah, depois de passarem pela inspeção israelense em um local separado.
O economista-chefe do Programa Mundial de Alimentos da ONU, Arif Husain, disse que outros fatores também impediram as entregas, incluindo a insegurança em Gaza e o fato de que atualmente há apenas dois pontos de passagem de fronteira pelos quais a ajuda pode passar.
Os controles israelenses sobre as mercadorias que entram em Gaza têm como objetivo eliminar itens que poderiam ser usados pelo Hamas. Os funcionários da ajuda humanitária disseram em entrevistas que, embora necessário, o sistema de inspeção causou atrasos significativos que resultaram em menos ajuda geral. Antes da guerra, cerca de 500 caminhões transportando ajuda entravam em Gaza todos os dias.
Além disso, os manifestantes israelenses que exigem a libertação dos cerca de 100 reféns que se acredita ainda estarem vivos em Gaza impedem o fluxo de ajuda em Kerem Shalom.
O enviado especial dos EUA para ajuda humanitária, David Satterfield, disse no mês passado que os ataques militares israelenses contra policiais palestinos estavam tornando quase impossível a distribuição da ajuda assim que ela entrava em Gaza, porque as forças de segurança normalmente protegem a ajuda de populações desesperadas.
— Muito pouca ajuda está chegando — disse Alaa Fayad, um veterinário que foi deslocado para a cidade central de Deir al Balah e segundo o qual a ausência de forças de segurança palestinas permite que as gangues roubem parte dos alimentos que são entregues.
Gaza era dependente de entregas de ajuda mesmo antes da guerra, quando dois terços de sua população eram sustentados com assistência alimentar. Hoje, a ajuda alimentar é necessária para quase toda a população de 2,4 milhões de pessoas.
(Com AFP e New York Times)
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