Internacional
América do Sul não precisa de guerra, diz Lula na Guiana após falar com Irfaan
O presidente do Brasil, Luiz Inácio Lula da Silva, afirmou nesta quinta-feira, dia 29, em Georgetown, capital da Guiana, que o Brasil vai trabalhar para que a América do Sul seja uma zona de paz no mundo. Em um gesto político, Lula fez um pronunciamento após reunião com Irfaan Ali, presidente da Guiana, com quem debateu a disputa sobre o controle da região do Essequibo, parte do território guianense reivindicada pela Venezuela. O Brasil é o principal mediador e trabalha para evitar um confronto armado no seu entorno imediato.
"Nossa integração com a Guiana faz parte da estratégia do Brasil de ajudar não apenas no desenvolvimento, mas de trabalhar intensamente para que a gente mantenha a América do Sul como zona de paz no planeta Terra. Nós não precisamos de guerra", disse Lula, antes de esperado encontro o ditador venezuelano Nicolás Maduro, seu aliado político que ameaça anexar o território. "Esse é papel que o Brasil pretende jogar na América do Sul e no mundo."
Em resposta, Ali agradeceu a visita de Lula a Georgetown para encontro de chefes de governo da Caricom (Comunidade do Caribe), da qual foi anfitrião. "Essa região permanece como uma região de paz e de estabilidade, onde a soberania e integridade territorial entre todos na região é respeitada", disse o presidente guianense.
A presença de Lula em Georgetown vem sendo interpretada nos bastidores da diplomacia e por analistas como um gesto de apoio à integridade territorial da Guiana e um aviso à Venezuela. Lula, no entanto, se recusa a criticar as intenções do regime chavista.
Lula tem relação de afinidade política e atuou como avalista da reabilitação internacional do ditador chavista Nicolás Maduro, que realizou um referendo para angariar apoio político no ano passado e ameaçar tomar à força o território do Essequibo, reivindicado historicamente por Caracas.
A jornalistas, Lula negou que a reunião bilateral com Irfaan Ali e a que pretende fazer com Maduro sejam voltadas a discutir profundamente a questão do Essequibo. Afirmou, no entanto, que o Brasil está à disposição para ajudar na mediação e que ambosa sabem disso. Lula pregou que os líderes políticos tenham mais "paciência" e que "o mundo não comporta mais atrito".
"Esse assunto não pode ser esquecido porque é quase secular, já tem 100 anos, já passou Justiça, já passou pela ONU e vai continuar. O que vamos trabalhar é para que seja motivo de muita conversa e que possamos encontrar uma solução da forma mais amigável possível. Vou falar (isso) para o Maduro. Se em 100 anos não foi possível resolver o problema, é possível a que gente leve mais algumas décadas. A única coisa que tenho certeza é que a violência não resolverá esse problema, criará outros problemas", afirmou o petista.
Israel
O presidente disse que o Brasil não tem nem deseja ter contenciosos com nenhum país. Ele citou que são conhecidas as posições do Brasil contra guerras em curso no Leste Europeu, entre Rússia e Ucrânia, e no Oriente Médio, entre Israel e o grupo terrorista Hamas.
Declarações de Lula a respeito das duas guerras, porém, provocaram desconfiança entre parceiros nos regimes democráticos ocidentais e levaram a uma crise diplomática com Israel. O presidente comparou a ofensiva militar do país na Faixa de Gaza ao extermínio de 6 milhões de judeus ordenado por Adolf Hitler. As falas de Lula minaram as chances de o Brasil atuar como ponte nos dois conflitos.
Após se recusar a pedir desculpas sobre a analogia com o extermínio de judeus feito pelo regime nazista alemão - o Holocausto - e reiterar que considera que o governo israelense promove um "genocídio" de palestinos em Gaza, Lula evitou os dois termos durante a declaração na Guiana.
"Todo mundo sabe que o Brasil é contra guerra na Ucrânia. Todo mundo sabe que o Brasil é contra o que está acontecendo na Faixa de Gaza, da mesma forma que fomos contra os atos terroristas do Hamas", afirmou.
Maduro
Lula embarcou na sequência para Kingstown, em São Vicente e Granadinas, para comparecer à Cúpula da Celac (Comunidade de Estados Latino-americanos e Caribenhos), nesta sexta-feira, dia 1º de março. Ele disse que pretende ter uma reunião bilateral com Maduro.
O primeiro-ministro do país, Ralph Gonsalves, também hospedou diálogos entre Guiana e Venezuela para tratar da disputa territorial sobre o Essequibo.
"Vou a São Vicente agradecer ao Ralph por ser o coordenador das conversas entre Guiana e Venezuela e espero que a gente tenha uma reunião da Celac produtiva, harmoniosa e que todos nós saiamos de lá falando em paz, prosperidade, alegria, amor e não em ódio", afirmou Lula.
Assim como a Caricom, o governo brasileiro defende que a questão do Essequibo seja mediada também por meio da Celac, para evitar que a presença dos Estados Unidos, em fóruns como a OEA (Organização dos Estados Americanos), influencie as tratativas.
Uma primeira reunião entre presidentes Ali e Maduro ocorreu em Argyle (São Vicente e Granadinas) em 14 de dezembro. Os dois líderes se comprometeram que suas nações "não ameaçarão ou usarão a força uma contra a outra sob quaisquer circunstâncias, incluindo aquelas decorrentes de qualquer controvérsia existente entre ambos os Estados".
Dias antes, porém, Madurou promoveu um referendo sob medida para levar adiante seus planos, determinou a criação de um Estado venezuelano na região, a "Guiana Essequiba", a criação de uma zona de defesa chefiada por um general para administrar a área e ordenou que a estatal petrolífera PDVSA criasse uma divisão e concedesse licenças operacionais para explorar riquezas do Essequibo.
Delegações diplomáticas de Venezuela e Guiana se reuniram em janeiro, no Palácio do Itamarty, em Brasília. As tratativas continuam em andamento, enquanto houve reforço da presença militar na região. A Guiana ameaçou recorrer aos Estados Unidos para se defender militarmente, por causa da disparidade de poder bélico entre suas forças armadas e os militares bolivarianos.
Empresas dos EUA têm negócios na Guiana, para exploração do petróleo e outros recursos natuarais descobertos no Essequibo. Já a Venezuela tem parcerias estratégicas e militares com a Rússia e Irã, rivais dos Estados Unidos. A China possui negócios e relação política com os dois lados.
A expectativa do governo brasileiro é que Lula converse pessoalmente com Nicolás Maduro sobre a questão territorial com a Guiana e a repressão a opositores às vésperas da prometida realização de eleições presidenciais. Maduro e seus aliados nas instituições venezuelanas agem para sufocar a oposição e críticos do regime, rompendo os Acordos de Barbados que abriram uma plataforma para normalização e permitiram a suspensão de sanções.
Oficialmente, o Brasil colocou-se como mediador da divergência, e Lula tem discursado reiteradas vezes contra um confronto militar. Maior país da América do Sul e com maior poder político e militar, o Brasil é visto como um ator-chave na estabilidade da região.
A região representa 70% do território da Guiana, com cerca de 160 mil quilômetros quadrados. Faz parte da Amazônia, é rica em recursos naturais, como petróleo, gás e minerais, e escassamente povoada, por isso a cobiça.
A Venezuela moveu e concentrou tropas na região, assim como o Brasil levou blindados para a fronteira. A Guiana também deslocou recursos de defesa, embora exista enorme assimetria entre o poderio bélico de suas tropas em comparação com a Força Armada Nacional Bolivariana da Venezuela (FANB).
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