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República separatista na Moldávia pede 'proteção' à Rússia; Moscou promete considerar a ideia

Transnístria mantém relação próxima com os russos há décadas, e autoridades em Chisinau veem um roteiro similar ao do Leste ucraniano antes da guerra

Agência O Globo - 28/02/2024
República separatista na Moldávia pede 'proteção' à Rússia; Moscou promete considerar a ideia

Representantes da república separatista da Transnístria, na Moldávia, pediram à Rússia que "proteja" o território do que consideram ser uma crescente pressão das autoridades moldávias, incluindo uma "guerra econômica" imposta pelo governo central. Medindo as palavras, os russos disseram que é uma "prioridade" a proteção dos moradores do enclave, e que vão considerar o pedido, mas sem detalhar o que pode ser feito.

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Durante uma sessão do Congresso da Transnístria, que não era convocado desde 2006, centenas de políticos locais votaram a favor de uma resolução pedindo que a Duma (Câmara Baixa) e o Conselho da Federação (Câmara Alta) do Parlamento da Rússia adotem "medidas para proteger a Transnístria em meio a uma crescente pressão da Moldávia". O texto nota ainda que "220 mil cidadãos russos" vivem na república separatista — cerca de 30% dos moradores são etnicamente russos, e no final do ano passado Moscou facilitou a obtenção de cidadania por eles.

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O documento pede ainda ajuda à ONU, ao Parlamento Europeu, à Organização para a Segurança e Cooperação na Europa e à Cruz Vermelha para resolver as disputas em aberto.

— Queremos que chamem a atenção para a inadmissibilidade das medidas que as autoridades da Moldávia tomam em relação à nossa república. É necessário manter a paz na nossa terra, a fim de garantir todos os direitos e liberdades dos nossos cidadãos — disse a vice-presidente do Congresso local, Galina Antyufeyeva, à TASS.

Antes da convocação do Congresso, políticos de oposição sugeriram que um pedido formal para que a região, localizada na fronteira com a Ucrânia, fosse anexada por Moscou, um desejo antigo dos separatistas, que chegaram a realizar um referendo sobre o tema, em 2006. Contudo, a hipótese não se concretizou, ao menos por enquanto. Em comentários emitidos após a aprovação da resolução, a Chancelaria russa disse que iria "considerar" o pedido.

"Proteger os interesses dos residentes da Transnístria, os nossos compatriotas, é uma das prioridades. Todos os pedidos são sempre cuidadosamente considerados pelos departamentos russos relevantes", observou o Ministério das Relações Exteriores, citado pela RIA.

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Durante o processo de desmantelamento da União Soviética, no início dos anos 1990, a Transnístria declarou indepenência em relação à então República Soviética da Moldávia, e dois anos depois, em 1992, travou uma guerra civil que deixou dezenas de mortos. Desde então, tropas russas estão constantemente no território como uma força de manutenção de paz, e também encarregadas de proteger um dos maiores depósitos de armas soviéticas da Segunda Guerra Mundial.

Na prática, a Transnístria tem sistemas político, judicial e econômico próprios, contando com uma moeda própria, o rublo transnístrio, e uma reconhecida reverência à simbologia soviética. Apesar das diferenças, as trocas comerciais entre os dois lados do rio Dniestre (que separa a Transnístria do restante da Moldávia) se mantiveram ao longo das décadas. Mas a chegada da presidente Maia Sandu ao poder em Chisinau, em 2020, começou a azedar as relações.

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Declaradamente pró-Ocidente, Sandu recusou encontros com as autoridades separatistas, e, no começo do ano, o governo moldávio cancelou benefícios aduaneiros a empresas transnístrias, uma decisão que dá apoio às acusações de "guerra econômica" de Tiraspol, reiteradas na declaração aprovada nesta quarta-feira. Em 2022, antes das medidas comerciais, ataques na região, sem autoria declarada, ajudaram a incitar os ânimos entre os dois lados. A Rússia foi acusada de forjar as ações para desestabilizar o país, mas negou as alegações.

Em resposta ao texto, Chisinau afirmou que se tratava de uma peça de "propaganda", e que essa era mais uma campanha "para causar histeria" — no ano passado, a Moldávia ganhou o status de candidato oficial a uma cadeira na União Europeia.

Mas analistas ocidentais veem uma outra história por trás das alegações da Transnístria. Desde o início da invasão da Ucrânia, há rumores de que os russos poderiam tentar anexar oficialmente o território, se aproveitando da sua presença militar na área.

Uma ofensiva no começo da guerra, posteriomente debelada, de Moscou sobre Odessa, cidade portuária no Sul ucraniano, foi considerada o passo inicial para a entrada das tropas russas na Transnístria, algo que a Rússia nega. Desde 2022, o Conselho da Europa considera o território como "sob ocupação militar" de Moscou, citando a presença de forças regulares e irregulares russas na área.

Agora, o pedido feito pelos mais de 600 parlamentares transnístrios, embora não seja explícito sobre a anexação, guarda semelhanças com demandas feitas por separatistas no Leste da Ucrânia, em Donetsk e Luhansk, desde 2014, e que pavimentaram o caminho para a guerra. Em comum, os dois casos apelam para uma doutrina de relações exteriores da Rússia que prioriza a defesa de "seus compatriotas", mesmo distantes das fronteiras oficialmente estabelecidas.