Internacional
'Minha família está em Gaza': a rotina dos familiares de reféns que ocupam há meses uma praça em Israel
Praça em Tel Aviv virou lar de parentes e amigos de israelenses sequestrados pelo Hamas durante o ataque terrorista de 7 de outubro; área virou local de protesto e consolo
Uma semana depois de terroristas do Hamas invadirem seu kibutz e sequestrarem sua esposa e seus três filhos pequenos, Avihai Brodutch se instalou na calçada em frente ao quartel-general do exército em Tel Aviv. Segurando uma placa com os dizeres “A minha família está em Gaza”, ele disse que não sairia de lá até que fossem trazidos para casa.
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Transeuntes comovidos paravam para consolá-lo e tentar animá-lo. Eles levaram café, travessas de comida e mudas de roupa, e acolheram Brodutch em suas casas para que pudesse se banhar e dormir um pouco.
— Eles foram muito gentis e fizeram tudo o que podiam — disse Brodutch, de 42 anos, um agrônomo que cultivava abacaxi no kibutz Kfar Azza antes do ataque terrorista de 7 de outubro. — Havia um sentimento de destino comum.
A manifestação de um homem só cresceu rapidamente nas semanas seguintes aos ataques. Mas as calçadas do quartel-general militar não podiam acomodar multidões, e algumas pessoas ficaram incomodadas com o local, que foi associado aos protestos contra a reforma judicial do governo do premier Benjamin Netanyahu no ano passado.
A massa se deslocou, então, um quarteirão para o norte, até à praça em frente ao Museu de Arte de Tel Aviv, onde uma longa mesa retangular posta para 234 pessoas e rodeada de cadeiras vazias foi instalada para representar os reféns. Desde que cerca de 110 reféns voltaram para casa, após um acordo de cessar-fogo temporário com o Hamas, metade da mesa foi reorganizada para corresponder às condições descritas pelos libertados. Além das fotos dos reféns nas cadeiras, há meio pedaço de pão pita mofado em cada prato e garrafas de água suja na mesa em vez de copos de vinho.
Nos meses que se seguiram aos ataques, a praça continuou atraindo um fluxo constante de israelenses e turistas em missões voluntárias de apoio às famílias. Mas também se tornou um lar longe de casa para os pais, filhos adultos, irmãos, primos e outros parentes de reféns.
Embora o inverno em Tel Aviv costume ser úmido e frio, muitas pessoas montaram tendas na praça, chegando a dormir lá na companhia das únicas pessoas no mundo que, segundo eles, podem realmente compreender o que estão vivenciando: as famílias de outros reféns.
— Se não sei o que fazer, venho aqui — disse Yarden Gonen, de 30 anos, que usavam um moletom branco estampado com uma foto da sua irmã Romi Gonen, de 23 anos, que foi baleada e sequestrada no festival "Tribe of Nova edição Universo Paralello", perto da fronteira com Gaza. Um amigo que estava com ela foi morto.
— Nenhum de nós está fazendo nada remotamente relacionado às nossas vidas anteriores [ao ataque] — disse Yarden Gonen, afirmando que até mesmo ir a uma cafeteira a faria se sentir mal. — Fazer isso seria normalizar a situação. Seria como dizer: ‘Tudo bem, e estou acostumada com isso’. E não estou disposta a fazer isso.
Gonen disse que encontrou conforto na presença constante na praça de pessoas que não possuem parentes entre os reféns, como as ativistas pela paz do Women Wage Peace, que ficam de vigília diariamente das 16h às 18h para que as famílias não estejam sozinhas. Há também um trio de mulheres, que se uniram pela raiva contra organizações internacionais e acreditam que elas falharam com os reféns, carregando cartazes dizendo: “Cruz Vermelha, faça o seu trabalho!” ou “ONU Mulheres, onde você está?”.
— Quando está chovendo e vejo que as pessoas vieram, é comovente, porque elas poderiam ter ficado no conforto de casa — disse. — Há um sentimento de que elas nos apoiam, de que não fomos abandonados.
Embora o governo de Israel tenha declarado que um dos principais objetivos da guerra em Gaza seja libertar os reféns, o Exército afirmou que até agora resgatou apenas um pequeno número de indivíduos. Três outros foram mortos por enganos pelas tropas israelenses.
A maioria dos reféns que retornaram — incluindo a esposa e os filhos de Brodutch — foram libertados em troca de palestinos detidos em prisões israelenses, como parte de um acordo de cessar-fogo negociado com o Hamas em novembro.
Para muitas das famílias de reféns, o maior receio é que, apesar do objetivo declarado, o governo não esteja priorizando a libertação deles. Portanto, temem que a perda dos reféns possa ser considerada como dano colateral de um conflito sangrento.
O Ministério da Saúde de Gaza afirma que mais de 29 mil pessoas, a maioria delas civis, foram mortas no território desde o começo da guerra.
Muitas pessoas que visitam regularmente a praça de Tel Aviv dizem que se Israel não garantir a libertação dos reféns, o país nunca mais será o mesmo.
— Não valemos nada se eles não voltarem — disse Jemima Kronfeld, de 84 anos, que visita a praça toda quinta-feira. — Não teremos valor. Perderemos o que éramos, a sensação segura de estar em casa.
No caos inicial após o ataque surpresa, muitas pessoas não sabiam se os seus familiares — que tinham desaparecido dos kibutzs e da rave perto da fronteira com Gaza — foram amarrados e arrastados até a fronteira ou mortos. Eles criticam a falta de resposta do governo.
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O Fórum de Reféns e Famílias de Desaparecidos, uma organização da sociedade civil, surgiu para preencher o vazio. O grupo oferece diversos serviços para famílias de reféns, servindo-lhes três refeições por dia, serviços médicos, psicológicos e jurídicos e atuam como grupo de defesa, organizando e financiando aparições nos meios de comunicação social e reuniões com líderes mundiais, além de manifestações que pressionam pela libertação dos reféns.
O fórum arrecada doações privadas, mas não recebe apoio do governo israelense, que ainda não fornece atualizações regulares às famílias, disse Liat Bell Sommer, que largou seu emprego para chefiar a equipe de comunicação com a mídia internacional.
Outros voluntários contribuem quando podem.
— Eu simplesmente senti que tinha que fazer alguma coisa. Pensei que ficaria louca se não tivesse alguma participação nisso — disse Hilla Shtein, de 49 anos, uma gerente de recursos humanos que vai à praça várias vezes por semana para trabalhar em um estande onde visitantes podem fazer uma doação e pegar chapéus, moletons e botões que dizem “Traga-os para casa AGORA”.
Os itens mais populares — agora onipresentes em todo Israel — são placas de identificação que dizem “Nossos corações estão reféns em Gaza”, em hebraico.
— É difícil porque [a situação dos reféns] está realmente na sua cara quando você está aqui — disse Shtein, acrescentando: — mas, de qualquer maneira, isso pulsa no coração o tempo todo.
Depois de relatos na semana passada de que Netanyahu teria dito aos negociadores para não participarem mais das conversas no Cairo sobre um cessar-fogo e o regresso dos reféns, o fórum acusou o governo de abandonar os sequestrados. Milhares de pessoas protestaram na noite de sábado, apesar das tempestades, apelando ao governo para garantir o regresso imediato dos reféns.
Quem visita a praça regularmente diz que sempre existe algo novo para ver.
Em janeiro, o artista Roni Levavi instalou um túnel gigante de 30 metros por onde as pessoas podem caminhar para experimentarem estar num espaço escuro e fechado, como os túneis em Gaza descritos por alguns reféns libertados. Os professores da escola de dança Romi Gonen dão aulas abertas na praça todos os domingos à tarde em homenagem aos reféns. Amigos de Carmel ‘Melly” Gat, de 39 anos, uma refém que é terapeuta ocupacional e instrutora de ioga, dão aulas abertas de ioga todas as sextas-feiras de manhã.
Há um estande onde os visitantes podem escrever cartas aos reféns, ou pintar uma pedra se preferirem, e outro que oferece instruções de primeiros socorros focadas em saúde mental. Ocasionalmente, alguém se senta e toca uma música pop israelense em um piano doado por parentes de Alon Ohel, de 22 anos, um músico que foi sequestrado na rave, e a multidão canta junto.
Quando é aniversário de um refém, algumas famílias comemoram o dia na praça. Para Kfir Bibas, que teria completado 1 ano no cativeiro, instalaram uma cadeira alta de bebê simbólica, onde puseram um bolo de aniversário. Na segunda-feira, o Exército israelense disse que temia pela segurança do bebê e de sua família.
No início de fevereiro, Albert Xhelili, de 57 anos, um artista visitante vindo de Santa Fé, Novo México, atraiu curiosos quando começou a desenhar retratos a carvão dos reféns que pendurou em um varal em uma das tendas da praça.
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Ariel Rosenberg, de 31 anos, consultora de marketing em Nova York que chegou em Israel em janeiro como parte de um grupo de trabalho voluntário, disse que ela e seus companheiros de viagem estiveram na praça recentemente para ajudar a organizar cartazes com fotos dos reféns, separando os que foram libertados dos que não estavam vivos, algo que era doloroso para as famílias.
Rosenberg disse que os membros do grupo voltam todos os sábados à noite para participar de comícios semanais pedindo a libertação imediata dos reféns, e muitas vezes passam na praça em outras noites.
— Vim para prestar testemunho — disse Rosenberg. — Tornou-se um espaço sagrado.
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