Internacional

Após comparação com Holocausto, relembre todas as declarações de Lula sobre o conflito entre Israel e Hamas

Presidente condena ação do grupo extremista palestino desde os ataques de 7 de outubro, mas com o tempo também passou a subir o tom das críticas à resposta israelense

Agência O Globo - 19/02/2024
Após comparação com Holocausto, relembre todas as declarações de Lula sobre o conflito entre Israel e Hamas

Após comparar os ataques de Israel na Faixa de Gaza às mortes de judeus pelo regime nazista de Adolf Hitler, o presidente Luiz Inácio Lula da Silva foi alvo de uma série de críticas, como do primeiro-ministro israelense, Benjamin Netanyahu, do presidente do Memorial do Holocausto Yad Vashem, Dani Dayan, e da Confederação Israelita do Brasil (Conib).

Mas essa não foi a primeira vez em que Lula se posicionou de forma enfática diante do conflito entre Israel e o grupo extremista Hamas. Foram muitas as declarações dadas pelo líder brasileiro desde o ataque de 7 de outubro, que desencadeou o confronto.

Lula rapidamente condenou as ações do Hamas, tendo as classificado como um ato de terrorismo. Porém, passou aos poucos a subir o tom das críticas à resposta de Israel, chegando a atribuir os sucessivos ataques à Faixa de Gaza a um 'genocídio' e, agora, os comparando ao assassinato de judeus pelos nazistas.

Abaixo, relembre todas as principais declarações do presidente Lula sobre o conflito desde outubro até agora:

7 de outubro — 'Meu repúdio ao terrorismo em qualquer de suas formas'

No mesmo dia dos primeiros ataques do Hamas a Israel, Lula escreveu em seu perfil no X (antigo Twitter) que ficou "chocado com os ataques terroristas realizados hoje contra civis em Israel, que causaram numerosas vítimas".

"Ao expressar minhas condolências aos familiares das vítimas, reafirmo meu repúdio ao terrorismo em qualquer de suas formas. O Brasil não poupará esforços para evitar a escalada do conflito, inclusive no exercício da Presidência do Conselho de Segurança da ONU", continuou

Lula também reafirmou a posição da diplomacia brasileira em defesa de dois Estados: o de Israel e o da Palestina, fazendo um apelo à comunidade internacional para que as negociações para um acordo de paz sejam retomadas.

"Conclamo a comunidade internacional a trabalhar para que se retomem imediatamente negociações que conduzam a uma solução ao conflito que garanta a existência de um Estado Palestino economicamente viável, convivendo pacificamente com Israel dentro de fronteiras seguras para ambos os lados", destacou.

11 de outubro - 'É preciso que o Hamas liberte as crianças israelenses sequestradas de suas famílias'

Poucos dias depois dos ataques de Hamas a Israel, Lula voltou a falar sobre o conflito ao fazer um apelo para que o grupo extremista libertasse as crianças israelenses tidas como reféns. Na ocasião, também começou a tecer críticas à contraofensiva do país na região da Faixa de Gaza.

"É preciso que o Hamas liberte as crianças israelenses que foram sequestradas de suas famílias. É preciso que Israel cesse o bombardeio para que as crianças palestinas e suas mães deixem a Faixa de Gaza através da fronteira com o Egito. É preciso que haja um mínimo de humanidade na insanidade da guerra", disse via redes sociais.

18 de outubro - 'Ataque ao Hospital al-Ahli é tragédia injustificável'

Cerca de 10 dias após o início do conflito, Lula comentou o bombardeio ao Hospital al-Ahli na Faixa de Gaza. De início, a autoria do ataque foi atribuída a Israel pelo Hamas, que chegou a falar em centenas de mortos.

O país, no entanto, negou ter realizado o disparo, fato embasado posteriormente por uma análise da organização Human Rights Watch (HRW). Israel atribui o bombardeio a um lançamento fracassado pela Jihad Islâmica, organização palestina também considerada terrorista por Israel.

Apesar da guerra de versões, o presidente Lula condenou o bombardeio a um local onde estavam civis. "O ataque ao Hospital Baptista Al-Ahli é uma tragédia injustificável. Guerras não fazem nenhum sentido. Vidas perdidas para sempre. Hospitais, casas, escolas, construídas com tanto sacrifício destruídas em instantes. Refaço este apelo. Os inocentes não podem pagar pela insanidade da guerra", escreveu nas redes sociais.

20 de outubro — '1,5 mil crianças já morreram na Faixa de Gaza, que não pediram para o Hamas fazer o ato de loucura que fez, de terrorismo'

Dois dias depois, Lula voltou a falar sobre o conflito, atribuindo diretamente ao Hamas pela primeira vez o ato de terrorismo. Antes, o presidente já havia classificado os ataques contra Israel de "terroristas", mas não havia citado nominalmente o grupo extremista.

— Eu fico lembrando que 1.500 crianças já morreram na Faixa de Gaza. 1.500 crianças que não pediram pro Hamas fazer o ato de loucura que fez, de terrorismo atacando Israel. Também não pediram que Israel reagisse de forma insana e matasse eles. Exatamente aqueles que não tem nada a ver com a guerra, que só querem viver, que querem brincar, que não tiveram direito de ser criança — disse enquanto participava remotamente da cerimônia dos 20 anos do Bolsa Família.

24 e 25 de outubro - 'Não é uma guerra, é um genocídio'

No dia 24 de outubro, o chefe do Executivo subiu o tom ao criticar os ataques sucessivos de Israel à Faixa de Gaza nas últimas semanas, em resposta à ação do Hamas:

— Não é porque o Hamas cometeu um ato terrorista contra Israel, que Israel tem que matar milhões de inocentes. Não é possível que as pessoas não tenham sensibilidade. Não é possível. Se a ONU tivesse força, a ONU poderia ter uma interferência maior. Os EUA poderia ter uma interferência maior. Mas as pessoas não querem, as pessoas querem guerra.

Em evento no Palácio do Planalto no dia seguinte, Lula usou o termo "genocídio" ao se referir ao conflito:

— É muito grave o que está acontecendo do Oriente Médio, não se trata de discutir quem está certo e errado, quem deu o primeiro tiro, quem deu o segundo, o problema é que não é uma guerra, é um genocídio que já matou quase 2 mil crianças que não tem nada a ver com essa guerra.

13 de novembro — 'Israel também está cometendo um ato de terrorismo'

No dia em que recebeu o primeiro grupo de brasileiros que estavam na Faixa de Gaza, Lula afirmou que os bombardeios por parte de Israel eram "tão graves" quanto os ataques do grupo Hamas que iniciaram o conflito.

A declaração foi dada em 13 de novembro, quando a contraofensiva israelense já havia deixado 11 mil mortos no território palestino. Enquanto isso, os atos pelo Hamas de 7 de outubro provocaram 1,2 mil óbitos em Israel.

— Eu nunca tinha sabido de notícias de que crianças fossem vítimas preferenciais em uma guerra. A quantidade de mulheres e crianças que já morreram, e a quantidade de crianças desaparecidas a gente não tem conhecimento em outra guerra. Nessa guerra, sabe, depois do ato provocado, e eu digo ato de terrorismo do Hamas, que provocou um ato. As consequências, a solução do Estado de Israel é tão grave quanto foi a do Hamas — disse o presidente durante uma cerimônia no Palácio do Planalto.

Lula criticou ainda os relatos sobre ataques contra instalações médicas onde, além de pacientes e médicos, há milhares de civis abrigados:

— Porque eles [Israel] estão matando inocentes, sem nenhum critério. Jogar bomba onde tem crianças, onde tem hospital, sob pretexto de que um terrorista está lá, não tem explicação. Primeiro vamos salvar as crianças e as mulheres, aí depois faz a briga com quem quiser fazer.

Mais tarde naquele mesmo dia, quando foi pessoalmente receber o grupo de expatriados vindo de Gaza, o chefe do Executivo chegou a dizer que "Israel também está cometendo um ato de terrorismo".

— Nunca vi uma violência tão brutal, tão desumana contra inocentes. Se o Hamas cometeu um ato de terrorismo, o Estado de Israel também está cometendo um ato de terrorismo.

14 de novembro — 'É igual ao terrorismo'

No dia seguinte, Lula voltou a dizer que Israel também comete um ato de terrorismo. Durante uma transmissão ao vivo nas redes sociais, o presidente condenou a ação do Hamas, mas reforçou as críticas à resposta israelense.

— É por isso que eu disse ontem que a atitude de Israel em relação às crianças e às mulheres é igual ao terrorismo. Não tem como dizer outra coisa. Se eu sei que está cheio de criança naquele lugar, pode ter um monstro lá dentro que eu não posso matar as crianças porque eu quero matar os monstros. Eu tenho que matar o monstro sem matar as crianças. É simples assim — afirmou.

21 de novembro — 'Atos bárbaros não justificam o uso de força indiscriminada e desproporcional contra civis'

Em reunião extraordinária com os líderes do Brics (bloco formado por Brasil, Rússia, Índia, China e África do Sul), o presidente falou sobre uma catástrofe humanitária na Faixa de Gaza, lembrou a condenação aos atos do Hamas e criticou novamente a resposta de Israel na região:

— Em várias ocasiões, reiteramos o chamado pela liberação imediata e incondicional de todos os reféns. No entanto, tais atos bárbaros não justificam o uso de força indiscriminada e desproporcional contra civis. Estamos diante de uma catástrofe humanitária. Os inocentes pagam o preço pela insanidade da guerra, sobretudo mulheres, crianças e idosos.

Lula também atribuiu o conflito a um resultado de "décadas de frustração e injustiça, representada pela ausência de um lar seguro para o povo palestino". — O reconhecimento de um Estado palestino viável, vivendo lado a lado com Israel, com fronteiras seguras e mutuamente reconhecidas, é a única solução possível. Precisamos retomar com a maior brevidade possível o processo de paz entre Israel e Palestina — disse.

1º de dezembro — Netanyahu 'é uma pessoa muito extremista'

Em 1º de dezembro, Lula concedeu uma entrevista ao canal de TV do Catar Al Jazeera durante visita ao país. Na ocasião, ele abordou o conflito na Faixa de Gaza e destacou ter feito críticas ao Hamas, mas acreditar que o direito de Israel de se defender não pode envolver o assassinato de inocentes. Questionado sobre a ação do primeiro-ministro israelense, Benjamin Netanyahu, o presidente teceu duras críticas.

— Efetivamente como governante é uma pessoa muito extremista, de extrema direita, com pouca sensibilidade humana, com pouca sensibilidade para os problemas do humanismo do povo palestino (...) Ele precisa aprender a respeitar, sabe, que o povo palestino merece ser tratado com o mesmo respeito que o povo judeu, que o povo palestino tem o direito de ter a sua terra demarcada em 1967 e a ONU tem que obrigar a Israel e aos outros países a cumprir com isso — disse.

13 de dezembro — 'Brasil continuará trabalhando por um cessar-fogo permanente'

Em seu primeiro discurso à frente da presidência do G20, no dia 13 de dezembro, Lula afirmou que o Brasil segue trabalhando pelo cessar fogo "permanente" na Faixa de Gaza e pela libertação "imediata" de todos os reféns pelo Hamas.

— O Brasil continuará trabalhando pelo cessar fogo permanente que permita a entrada da ajuda humanitária em Gaza e pela libertação humanitária imediata de todos os reféns pelo Hamas. É fundamental que a comunidade internacional trabalhe para solução de dois estados, vivendo lado a lado em segurança e harmonia. Sem ação coletiva, essas múltiplas crises podem multiplicar-se e aprofundar-se — disse.

25 de dezembro — 'Não é humanamente possível aceitar o que está acontecendo'

No dia de Natal, Lula participou de um almoço de boas-vindas com repatriados que chegaram ao Brasil, vindos da Faixa de Gaza, na base da Força Aérea em Brasília. No encontro, o presidente disse que "não é humanamente possível aceitar o que está acontecendo na Faixa de Gaza".

— Não é possível a morte de tantas mulheres e tantas crianças. A destruição de todo o patrimônio construído pelo povo palestino —afirmou. Assim como em outros momentos, o líder brasileiro também defendeu “ser preciso urgentemente a liberação de reféns” mantidos pelo Hamas.

18 de fevereiro — 'O que está acontecendo (...) existiu quando Hitler resolveu matar judeus'

No último fim de semana, Lula deu diversas novas declarações em que novamente condenou os atos do Hamas, mas reforçou as críticas à resposta "desproporcional" de Israel. No sábado, em discurso na 37ª Cúpula da União Africana, na Etiópia, destacou a importância da criação de um Estado Palestino:

— Ser humanista hoje implica condenar os ataques perpetrados pelo Hamas contra civis israelenses e demandar a libertação imediata de todos os reféns. Ser humanista impõe igualmente o rechaço à resposta desproporcional de Israel, que vitimou quase 30 mil palestinos em Gaza, em sua ampla maioria, mulheres e crianças, e provocou o deslocamento forçado de mais de 80% da população. A solução para essa crise só será duradoura se avançarmos rapidamente na criação de um Estado Palestino livre e soberano, reconhecido como membro pleno das Nações Unidas.

No domingo, porém, o presidente comparou as ações israelenses à morte de judeus no regime nazista de Adolf Hitler durante entrevista a jornalistas no hotel em que ele está hospedado em Adis Abeba, capital da Etiópia. Na ocasião, Lula disse: — O que está acontecendo na Faixa de Gaza não existiu em nenhum outro momento histórico. Aliás, existiu quando Hitler resolveu matar os judeus.

A fala foi feita em meio a críticas a países ricos que suspenderam o financiamento à Agência das Nações Unidas de Assistência aos Refugiados da Palestina no Oriente Próximo (UNRWA, na sigla em inglês). As doações foram interrompidas após o governo israelense denunciar que funcionários do órgão haviam participado do ataque terrorista do Hamas a Israel em outubro.

Em janeiro, oito países — Austrália, Reino Unido, Canadá, Itália, Suíça, Holanda, Alemanha e Finlândia — se juntaram aos Estados Unidos na suspensão temporária do financiamento em um momento em que a falta de recursos aumenta no enclave. A UNRWA, por sua vez, anunciou que iria iniciar uma investigação e afastou “vários” acusados.

A comparação de Lula foi recebida com uma série de críticas. No X (antigo Twitter), o primeiro-ministro israelense disse que se trata de "banalizar o Holocausto e de tentar prejudicar o povo judeu e o direito de Israel se defender". "Comparar Israel ao Holocausto nazista e a Hitler é cruzar uma linha vermelha. Israel luta pela sua defesa e pela garantia do seu futuro até à vitória completa, e faz isso ao mesmo tempo que defende o direito internacional", escreveu Netanyahu.

Na sequência, o primeiro-ministro disse ter decidido “convocar imediatamente o embaixador brasileiro em Israel para uma dura conversa de repreensão”. O ministro das Relações Exteriores de Israel, Israel Katz, escreveu: “As palavras do presidente do Brasil são vergonhosas e graves. Ordenei aos funcionários do meu gabinete que convoquem o embaixador do Brasil para uma repreensão amanhã (segunda-feira)”. Segundo o colunista Bernardo Mello Franco, do GLOBO, o embaixador Frederico Duque Estrada Meyer foi convocado para uma reunião nesta segunda-feira, na qual deve se limitar a ouvir as queixas e transmiti-las ao Itamaraty.

O presidente do Memorial do Holocausto Yad Vashem, em Jerusalém, Dani Dayan, também repudiou as declarações de Lula. Em publicação no X, afirmou que as 'vergonhosas palavras' do líder brasileiro são uma 'escandalosa combinação de ódio e ignorância'. Além disso, disse que, segundo a definição da Aliança Internacional de Memória do Holocausto, trata-se de 'uma clara expressão antissemita'.

A Confederação Israelita do Brasil (Conib) também criticou as falas do presidente. Para o órgão, trata-se de “distorção perversa da realidade” que “ofende a memória das vítimas do Holocausto e de seus descendentes”. Nas redes sociais, a Conib escreveu que “Israel está se defendendo de um grupo terrorista que invadiu o país, matou mais de mil pessoas, promoveu estupros em massa, queimou pessoas vivas e defende em sua Carta de fundação a eliminação do Estado judeu”.

Em seguida, a Conib ainda afirmou que “o governo brasileiro vem adotando uma postura extrema e desequilibrada em relação ao trágico conflito no Oriente Médio, abandonando a tradição de equilíbrio e busca de diálogo da política externa brasileira. A Conib pede mais uma vez moderação aos nossos dirigentes, para que a trágica violência naquela região não seja importada ao nosso país.”