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Morte de Navalny ocorre a um mês de uma eleição na qual Putin concorrerá quase sozinho

Os três rivais aprovados para concorrer com o presidente em março apoiam posições do governo, especialmente sobre a guerra na Ucrânia

Agência O Globo - 16/02/2024
Morte de Navalny ocorre a um mês de uma eleição na qual Putin concorrerá quase sozinho
Morte de Navalny ocorre a um mês de uma eleição na qual Putin concorrerá quase sozinho - Foto: Reprodução

O anúncio da morte do líder oposicionista russo Alexei Navalny, dentro de um complexo prisional remoto no Ártico, foi feito em meio aos preparativos oficiais para a eleição presidencial na Rússia marcada para os dias 15, 16 e 17 de março. Analistas são praticamente unânimes em apontar que Vladimir Putin, no comando desde 2000 (com um breve período como primeiro-ministro), conseguirá mais um mandato de seis anos por uma vasta margem. Mas a votação também traz uma peculiaridade: ao contrário de disputas anteriores, todos os candidatos aprovados são alinhados ao Kremlin, em diferentes graus, e todos aparecem em listas de sanções internacionais.

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Tecnicamente, Putin não poderia concorrer a mais um mandato, e em 2020 chegou a propôr mudanças na Constituição, permitindo a transferência de poderes presidenciais para o Parlamento e para o primeiro-ministro, um movimento que chegou a ser interpretado como o primeiro passo para sua saída do poder. Mas não passou de impressão: em abril daquele mesmo ano, um pacote de propostas de mudanças na Carta Magna foi aprovado em referendo, incluindo a possibilidade de mais dois mandatos a Putin, contando a partir das eleições de março.

O secretário de Imprensa, Dmitry Peskov, disse que a agenda apertada do presidente não permite que participe de atos com eleitores ou comícios. Ele tampouco estará em debates com seus adversários — a certeza de vitória é tamanha que Peskov já indicou algumas das viagens que Putin deve fazer após eleito, incluindo Turquia e Coreia do Norte.

Nos últimos 24 anos, Putin participou de quatro eleições, e jamais foi para o segundo turno. O pior resultado aconteceu justamente na primeira delas, em 2000, quando já ocupava interinamente a Presidência, e recebeu 53,4% dos votos, enfrentando o comunista Gennady Zyuganov. Em 2008, impedido de concorrer, fez de seu então primeiro-ministro, Dimitry Medvedev, o candidato e o vencedor com 71.25% dos votos (novamente contra Zyuganov). Em 2012, "Dima" chegou a sinalizar a vontade de disputar a reeleição, mas foi rapidamente dissuadido por Putin, que embora ocupasse o cargo de premier ainda estava à frente de decisões cruciais de governo.

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Na última eleição, Putin recebeu 77,53% dos votos, e agora ele espera superar os 80%, segundo seus apoiadores mais próximos. E se há seis anos a "novidade" foi a votação na Crimeia, anexada em 2014, as autoridades russas prometem levar as urnas para outras regiões ocupadas da Ucrânia, como Donetsk e Luhansk. Kiev afirma que todos os votos depositados serão nulos, e promete processar qualquer observador — russo ou estrangeiro — que ali estiver.

Outra "novidade" será a completa ausência de nomes que representem algum tipo de oposição concreta. Em 2018, a celebridade de reality shows e filha de Anatoly Sobchak, padrinho político de Putin, Ksenia Sobchak, recebeu sinal verde para concorrer, e chegou a fazer discursos no Ocidente com propostas liberais (para os padrões russos).

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Agora, os vetos foram mais amplos: Yekaterina Duntsova, jornalista e crítica de Putin, prometia libertar todos os presos políticos em seu primeiro dia no cargo, incluindo Alexei Navalny, mas foi barrada em dezembro por "inconsistências nos documentos de campanha". Em fevereiro, o ativista antiguerra Boris Nadejdin também foi vetado, sob justificativa de que cerca de nove mil assinaturas de apoio eram inválidas.

Com isso, apenas alguns velhos e novos conhecidos do Kremlin estarão nas cédulas.

Pelo Partido Comunista, foi aprovado o nome de Nikolai Kharitonov, de 75 anos, que desde 1994 ocupa um assento na Duma, a Câmara baixa do Parlamento. Ele já concorreu contra Putin em 2004, quando recebeu 9,4 milhões de votos. Como parlamentar, seguiu a linha dúbia do Partido Comunista, oficialmente de oposição mas votando com os governistas em projetos cruciais, como o reconhecimento das independências das Repúblicas de Donetsk e Luhansk, na Ucrânia, movimento que antecedeu a invasão do país vizinho. Por conta de seu apoio ao projeto, foi incluído em listas de sanções dos EUA e União Europeia, acusado de “cumplicidade na guerra de Putin” e de “apoiar os esforços do Kremlin para invadir a Ucrânia”.

Pelo Partido Liberal Democrático da Rússia (de extrema direita), Leonid Slutsky comanda a comissão de Relações Exteriores da Duma, e é uma das faces mais conhecidas do país no exterior, não necessariamente por suas habilidades diplomáticas. Contra ele pesam alegações de assédio sexual e enriquecimento ilícito, um caso revelado por Alexei Navalny. No início da guerra, liderou as infrutíferas negociações de paz com Kiev, e posteriormente disse que o conflito era contra o "fascismo moderno" da Ucrânia. Além de Putin, Slutsky é o "campeão" das sanções na eleição, e aparece em listas de governos ocidentais desde 2014, quando a Crimeia foi anexada.

Por fim, pelo Partido Novo Povo, de centro-direita, Vladislav Davankov tenta se apresentar como uma alternativa, e chegou a expressar alguma oposição incial à guerra (posteriormente abandonada). Igualmente alvo de sanções da União Europeia e Estados Unidos, ele mantém ótimos laços políticos dentro do Kremlin, e ajudou a relatar propostas importantes para a onda conservadora recente de Putin, como a lei que proíbe procedimentos de transição de gênero. Em outra proposta de destaque, em 2023 sugeriu ao governo que permitisse a exibição de "Barbie" e "Oppenheimer" nos cinemas mesmo sem a autorização dos estúdios, e sem o pagamento de direitos autorais.