Internacional

Autoridades do Camboja pedem que jovens evitem 'atividades inapropriadas' e 'perder a dignidade' no Dia dos Namorados

Assim como em outros lugares do mundo, país celebra o Valentine's Day, comemorado no dia 14 de fevereiro; governo vê data como ameaça as tradições budistas no país

Agência O Globo - 14/02/2024
Autoridades do Camboja pedem que jovens evitem 'atividades inapropriadas' e 'perder a dignidade' no Dia dos Namorados

Rosas e chocolates em formato de coração têm invadido as lojas de muitos países no sudeste asiático à medida que o Dia Dos Namorados se torna cada vez mais popular entre os jovens na região — o chamado Valentine's Day, comemorado nesta quarta-feira, dia 14 de fevereiro. Embora alguns possam ver a celebração anual do amor como uma diversão inofensiva, as autoridades do Camboja fizeram um apelo aos jovens para que evitem "atividades inapropriadas" e o perigo de "perder a dignidade" na data.

Política externa: Lula desembarca no Egito, primeiro destino internacional de 2024

Venezuela: Desaparecimento forçado de opositores, o modus operandi de Maduro

O Ministério da Educação cambojano, através de uma diretriz divulgada nas escolas públicas e privadas na noite de terça-feira, emitiu uma ordem para que os estudantes "tomassem medidas para prevenir atividades inadequadas no Dia dos Namorados". O feriado leva "um pequeno número de jovens a (...) esquecer de estudar e perder sua dignidade", acrescentou o texto.

Já o Ministério da Cultura pediu aos pais que "lembrem seus filhos de usar o dia de acordo com a bela tradição Khmer [ditadura que chegou ao poder em 1975, mas foi deposta poucos anos depois] para sua honra e dignidade". O Ministério dos Assuntos da Mulher, por sua vez, disse que algumas pessoas “compreendem mal o significado do dia 14 de fevereiro”.

Guerra em Gaza: Delegação israelense deixa o Cairo após reunião com mediadores do conflito no Oriente Médio

Mais explícita foi a Autoridade Nacional de Combate à AIDS, que alertou que alguns aproveitam o dia para "expressar um amor que leva ao sexo eventual" e lembrou que o HIV continua a se espalhar no país. Segundo a agência, no ano passado havia 7.600 pessoas que viviam com AIDS no país, incluindo 1.400 novos casos. Cerca de 42% dos novos casos são jovens com idades entre 15 e 24 anos.

Para a sociedade conservadora cambojana, a data é um feriado importado que ameaça as crenças budistas tradicionais do país, onde há uma forte pressão sobre as mulheres para que evitem o sexo antes do casamento. Por isso, as ações vieram de várias frentes.

O Khmer Vermelho

Apesar de ter iniciado uma rebelião contra o governo ainda nos anos 1960, o Khmer Vermelho chegou ao poder no Camboja apenas em 1975. Na época, a organização comunista se aproveitou da derrubada do rei Sihanouk — deposto em um golpe chefiado por seu antigo primeiro-ministro — para formar uma frente nacional no exílio. O regime chegou a recolocar Sihanouk na chefia de Estado, mas pouco depois, com a renuncia do rei, seu líder máximo, Pol Pot, assumiu o poder.

Logo um regime de terror é instaurado no país. Milhares de pessoas são presas, a população urbana é deslocada para fazendas coletivas de trabalhos forçados e a indústria nacional é praticamente eliminada. Estima-se que, entre 1975 a 1979, o Khmer Vermelho tenha matado cerca de 2 milhões de pessoas — 20% da população do país, nesse período chamado Kampuchea Democrática.

Incêndio de quase 48 horas no Paraguai: prédio corre risco de desabar a qualquer momento, diz prefeito

Em 1975, com a chegada ao poder do Khmer, o governo encarregou Kaing Guek Eav, conhecido como Duch, de estabelecer um centro de interrogatório da polícia política do regime. Pouco depois, ele assumiu a prisão de Tuol Sleng (S-21), onde entre 14 mil e 16 mil pessoas, incluindo ministros, diplomatas, estrangeiros e milhares de crianças, foram torturadas e mortas.

A aproximação com a China e a adoção de uma política agressiva em relação ao Vietnã levam o Camboja a ser invadido. Em 1978, as tropas vietnamitas, apoiadas pela URSS, instalam no poder dissidentes cambojanos.

Vídeo: explosão atinge principal gasoduto do Irã; governo denuncia 'sabotagem'

Então, o regime do Khmer Vermelho já perdia o controle da máquina de repressão e, com a chegada cada vez mais intensa de presos a Tuol Sleng, Duch ordenava a aceleração das execuções, abrindo mãos dos interrogatórios. O repressor, um dos últimos a fugir da invasão estrangeira, se refugiou nas selvas da Tailândia em 1979 e se misturou aos deslocados. Ele deixou o centro de tortura sem tempo de destruir milhares de documentos e fotos das vítimas.

Com a prisão, em 1999, do líder das forças remanescentes do Khmer Vermelho, a pressão aumenta para que os crimes do regime dos anos 1970 sejam julgados. O então primeiro-ministro, Hun Sen, que chegara ao poder por um golpe de Estado e que tinha muitos dirigentes do regime repressor em seu governo, cede aos pedidos um ano depois, e, com apoio da ONU, um tribunal especial para os crimes contra a Humanidade do Khmer Vermelho é instalado.

O ditador Pol Pot reapareceu em 1997. O próprio Khmer Vermelho, na época um pequeno grupo guerrilheiro com poucos milhares de integrantes, o capturou e o condenou à prisão perpétua. O maior responsável pela organização comunista e líder do regime nos anos 1970 morreu em 1998, em prisão domiciliar, supostamente de um ataque cardíaco.

Ex-integrante do Khmer Vermelho, Sen governou o país — foram quase quatro décadas no poder, após eliminar toda a oposição, com partidos rivais banidos, adversários forçados a fugir e a liberdade de expressão sufocada. Ele renunciou ao cargo em agosto do ano passado e entregou o poder ao seu filho mais velho, Hun Manet.