Internacional
Com visitas a Israel e Papa Francisco, Milei busca projetar liderança 'messiânica'
Agenda externa pautada por religião contraria tradição argentina, mas segue lógica disruptiva da ultradireita global
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Contrariando a tradição de todos os presidentes argentinos desde a redemocratização do país, em 1983, Javier Milei ignorou os países vizinhos em suas primeiras viagens internacionais — principalmente o Brasil — e organizou uma agenda externa com base em seus interesses pessoais, políticos e, algo inédito no país, religiosos.
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A visita do chefe de Estado argentino a Israel, na semana passada, serviu para fortalecer sua adoção do judaísmo como religião, em 2021 — mesmo sem ter se convertido —, e também para construir a imagem de um líder messiânico, de projeção global, segundo fontes do governo. Amanhã, Milei será recebido pelo Papa Francisco, a quem chamou de “comunista que acoberta ditadores assassinos” durante a campanha. Assim, o argentino manda recados para as comunidades judaica, católica e evangélica em seu país e confirma, em seus primeiros movimentos internacionais, um total alinhamento com os EUA e Israel, seguindo a lógica da ultradireita global.
'Espécie de Moisés'
As imagens que Milei e seus colaboradores divulgaram nas redes sociais durante a viagem a Israel são parte da estratégia de construção de uma liderança que o presidente argentino pretende que seja messiânica. O desejo não é novo, confirma o biógrafo de Milei, o jornalista Juan Luis González. O chefe de Estado chorou no Muro das Lamentações ao lado do novo embaixador argentino em Israel, o rabino Shimon Axel Wahnish — desde 2021 homem do círculo íntimo de Milei. Também se reuniu com as máximas autoridades de Israel e familiares de reféns argentinos em poder do grupo terrorista Hamas, e visitou alvos dos ataques de 7 de outubro.
— Milei se considera um líder messiânico. Em sua posse, o rabino que participou da missa inter-religiosa organizada pelo governo se referiu a Milei como Rei Salomão, e ele chorou. O messianismo está presente em todo o momento — explica o biógrafo.
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Na Argentina vive a maior comunidade judaica do mundo hispano, estimada em 125 mil pessoas, de acordo com o Censo realizado em 2022. O apego ao judaísmo tem, portanto, também uma importância política e eleitoral, que acompanha os interesses pessoais do presidente argentino.
Para o especialista em pensamento judaico Facundo Milman, que frequenta, assim como Milei, a Associação Comunidade Israelense Latina de Buenos Aires, “está muito claro que o presidente se considera uma espécie de Moisés”.
— A mensagem do judaísmo penetra com muita força em Milei, que passa a considerar Wahnish, um rabino marroquino, seu principal assessor espiritual — diz. — Ele se sente identificado com o povo judeu porque considera que também enfrenta adversários que querem exterminá-lo. O presidente encontrou uma família na religião judaica.
Em Israel, as imagens divulgadas mostraram uma pessoa fragilizada e completamente comprometida com uma religião que entrou em sua vida quando ele dava seus primeiros passos na política e tentava se recuperar da morte de seu cachorro Connan, que chama de filho.
Mas a política está de mãos dadas com o projeto religioso do presidente, que levou em sua comitiva mais de 20 empresários, vários deles membros da comunidade judaica.
O apoio a Israel também é um recado para a comunidade evangélica argentina, que tem se aproximado do presidente e de alguns de seus ministros, entre eles Sandra Pettovello, à frente da pasta de Capital Humano. Entre 2008 e 2019, o percentual de argentinos que dizem seguir a religião passou de 9% para 15,3%, de acordo com uma sondagem do Conselho Nacional de Pesquisa Científicas e Técnicas. Nos últimos cinco anos, o percentual teria aumentado ainda mais.
Já a comunidade católica continua sendo a mais expressiva do país: 76,5% dos argentinos se declaram católicos, segundo a agência de checagem Chequeado. Isso explica por que Milei não pode soltar a mão do catolicismo e foi convencido por seus assessores sobre a necessidade de recompor o vínculo com o Papa.
— As duas viagens de Milei têm um aspecto espiritual, mas também político. No Vaticano, o presidente, que já pediu desculpas ao Papa, vai aproveitar a canonização da primeira santa argentina (María Antonia de Paz y Figueroa, conhecida como Mama Antula) para fazer controle de danos — afirma o veterano jornalista Sergio Rubin, que cobre religião no jornal Clarín e está em Roma para acompanhar o encontro. — Milei é o presidente mais religioso dos últimos 40 anos.
Para o analista internacional Jorge Castro, “a religiosidade de Milei é uma novidade na política argentina”.
— Junto com essa religiosidade, vejo a decisão deliberada do presidente de se colocar no centro dos acontecimentos internacionais. Mais uma vez, Milei desafia consensos internacionais, mostra-se como uma figura disruptiva e está conseguindo que suas ações tenham repercussão no mundo — acrescenta Castro.
Para Juan Tokatlián, vice-reitor da Universidade Di Tella, “o principal objetivo de Milei com as viagens, sobretudo a de Israel, é ser coerente com sua aliança com o Ocidente”.
Mudança de embaixada
O especialista lembra que, como fizeram em suas Presidências Donald Trump e Jair Bolsonaro, o argentino também prometeu mudar a embaixada de seu país de Tel Aviv para Jerusalém, o que causa controvérsias internas.
— O problema é que quando tomamos partido em 1991 e enviamos barcos para ajudar os EUA na guerra contra o Iraque, a comunidade judaica sofreu dois atentados em Buenos Aires. Um alinhamento da Argentina e a ruptura com uma tradição de equilíbrio pode custar caro — alerta.
Mas Milei, na opinião de seu biógrafo, não faz esse tipo de cálculo político.
— Ele disse a vários conhecidos que iria a Israel porque foi o que Davi lhe disse num sonho. Para Milei, religião, esoterismo e política é tudo a mesma coisa. Ele sente que está numa missão messiânica.
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