Internacional

Bombardeios de Israel matam mais de 30 em Rafah, em meio a temor de tragédia na cidade

Extremo sul de Gaza virou destino para mais de 1 milhão de palestinos deslocados pelo conflito; na Cidade de Gaza, corpo de menina de 6 anos que pediu socorro foi encontrado

Agência O Globo - 10/02/2024
Bombardeios de Israel matam mais de 30 em Rafah, em meio a temor de tragédia na cidade

Em meio ao temor de um aprofundamento da catástrofe humanitária em Gaza, as Forças Armadas de Israel bombardearam, neste sábado, a cidade de Rafah, no extremo sul do enclave palestino, matando ao menos 31 pessoas. O ataque aconteceu horas após o premier, Benjamin Netanyahu, exigir do comando militar um "plano combinado" para a retirada de civis da cidade e eliminação do Hamas.

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Ao menos quatro bombardeios foram registrados no sul do enclave palestino neste sábado. Vinte e oito dos mortos foram vitimados em três ataques aéreos durante a madrugada, segundo autoridades de Gaza e jornalistas da Associated Press que viram os corpos chegarem ao hospital. Os mortos eram de três famílias distintas, incluindo 10 menores de idade — o mais novo, uma criança de 3 meses de idade. Horas depois, um outro bombardeio matou três oficiais da Polícia Civil local, de acordo com autoridades municipais.

O Gabinete de Benjamin Netanyahu anunciou, durante a semana, que Rafah se tornaria o foco das operações em Gaza. Em comunicados sequenciais, as autoridades israelenses justificaram que a cidade se tornou o último reduto do Hamas, estimando que quatro batalhões do grupo terrorista estão em operação no local. O anúncio, por outro lado, provocou aflição em observadores internacionais, que apontam para o risco de um aumento no número de civis mortos.

Rafah se tornou refúgio para milhares de cidadãos palestinos, que fugiram de suas cidades de origem à medida que o conflito se intensificava mais ao norte. A cidade, que antes da guerra abrigava 250 mil pessoas e era considerada empobrecida até mesmo para os padrões do enclave, é casa para mais de metade dos 2,3 milhões de habitantes do enclave.

Atualmente, a população local sofre com uma severa falta de alimentos, água e remédios, e a crescente aglomeração de pessoas agravou surtos de doenças como a sarna e a disseminação de piolhos. A ONU estima que há um chuveiro para cada 2 mil pessoas e um banheiro para cada 500. Mais de 28 mil pessoas já morreram nos ataques israelenses a Gaza.

O Hamas alertou, neste sábado, que uma ofensiva terrestre israelense em Rafah poderá deixar "dezenas de milhares de mortos e feridos". Em um comunicado, o grupo que governa Gaza desde 2007 advertiu para o risco de "uma catástrofe e um massacre que poderia levar a dezenas de milhares de mártires e feridos". Também responsabilizaram "a administração dos Estados Unidos, a comunidade internacional e a ocupação israelense" por possíveis consequências.

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Mesmo aliados de Israel demonstraram preocupação com o avanço sobre Rafah. Na quinta-feira, o presidente dos Estados Unidos, Joe Biden, subiu o tom contra as ações israelenses e classificou as operações militares como "exageradas", ao passo que o porta-voz da Casa Branca, John Kirby, disse em coletiva de imprensa que uma ofensiva contra a cidade, nas condições atuais, poderiam resultar em um "desastre".

Também no meio da semana, o secretário-geral da ONU, António Guterres, previu que uma operação militar provocaria uma "tragédia gigante" em Rafah, acrescentando que "metade da população de Gaza" está amontoada na cidade e não tem para onde ir. A chefe da diplomacia alemã, Annalena Baerbock, disse na rede social X (antigo Twitter) que uma ofensiva em Rafah desencadearia uma 'catástrofe humanitária anunciada".

Apesar das críticas internacionais, o governo manteve a posição de prosseguir com o avanço sobre o sul do enclave. Em um comunicado por escrito, o Gabinete de Netanyahu justificou que seria "impossível alcançar o objetivo da guerra sem eliminar o Hamas", ponderando ser fundamental que "os civis evacuem as zonas de combate".

Fotógrafos da AFP viram vários edifícios em Rafah destruídos por bombardeios israelenses nas primeiras horas de sexta-feira. Várias pessoas transportavam os corpos de três crianças, mortas em um destes ataques.

— Forçar mais de um milhão de palestinos deslocados em Rafah a evacuar [a cidade] novamente sem encontrar um lugar seguro para onde ir seria ilegal e teria consequências catastróficas — disse Nadia Hardman, especialista em direitos de migrantes e refugiados da ONG Human Rights Watch.

Menina que pediu socorro é encontrada morta

Também neste sábado, na Cidade de Gaza, o Crescente Vermelho confirmou ter encontrado o corpo da menina Hind Rajab, de seis anos, que ficou internacionalmente conhecida ao implorar para ser resgatada, depois que o carro da sua família foi atacado e ela ficou sozinha, assustada e ferida, rodeada pelos corpos dos seus familiares mortos.

— Estou com tanto medo — disse ela em um telefonema ao Crescente Vermelho Palestino. —Chame alguém para vir me buscar, por favor.

Depois de mais de duas semanas de esforços frenéticos para chegar até ela, o corpo de Hind foi recuperado neste sábado, juntamente com os de parentes e de duas equipes enviadas para encontrá-la. O Crescente Vermelho e o Ministério da Saúde da Faixa de Gaza, controlada pelo Hamas, confirmaram a sombria descoberta e culparam as forças israelenses.

A mãe de Hind, Wissam Hamada, atribuiu a sua morte aos "incrédulos": o primeiro-ministro Benjamin Netanyahu, o presidente dos EUA, Joe Biden, e "todos aqueles que conspiraram contra Gaza e o seu povo".

— Perguntarei diante de Deus no Dia do Juízo Final aqueles que ouviram os pedidos de ajuda da minha filha e não a salvaram — disse ela à AFP.

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Hind foi ouvida pela última vez depois de ficar presa no veículo da família com outros parentes enquanto tentavam fugir da Cidade de Gaza de um avanço israelense. Vários familiares os encontraram quando foram à área de Tel al-Hawa, à procura do carro perto de um posto de gasolina onde ele havia sido avistado pela última vez, segundo o avô da menina, Baha Hamada,.

— Eles conseguiram chegar à área porque as forças israelenses se retiraram hoje de madrugada — contou Hamada, uma das últimas pessoas a falar com a menina ao telefone.

Em um comunicado, o Ministério da Saúde do Hamas afirmou que Hind "foi morta pelas forças de ocupação (israelenses) com todos aqueles que estavam com ela no carro em frente ao posto de gasolina em Tel al-Hawa”. O Crescente Vermelho disse que os militares israelenses “miraram deliberadamente a ambulância quando ela chegou ao local”, apesar da “coordenação prévia” permitir sua passagem.

'Ela estava apavorada'

Hind inicialmente sobreviveu ao tiroteio e conseguiu falar com sua família por telefone e fazer uma ligação de emergência, publicada pelo Crescente Vermelho em 3 de fevereiro.

“Por mais de três horas, Hind implorou desesperadamente por resgate dos tanques da ocupação (israelenses) que a cercavam, suportando tiros e o horror de estar sozinha, presa entre os corpos de seus parentes baleados pelas forças israelenses diante de seus olhos”, afirmou o Crescente Vermelho.

Nada mais foi ouvido da jovem, mesmo quando a ambulância foi enviada para buscá-la, disse a organização. Seu avô disse que ela foi ferida nas costas, nas mãos e nos pés.

— Ela estava assustada, apavorada — disse ele à AFP, soluçando. — Hind é minha primeira neta, ela é um pedaço do meu coração.

Não houve comentários do exército israelense quando contatado pela AFP. (Com AFP e NYT)