Todo o espectro político do Chile, de esquerda à direita, assim como familiares e apoiadores, se despediram nesta sexta-feira do ex-presidente Sebastián Piñera, que morreu na terça-feira enquanto pilotava o seu helicóptero. Piñera foi destacado como um democrata aberto às diferenças por adversários, como o atual presidente do país, o esquerdista Gabriel Boric, e a ex-presidente socialista, Michelle Bachelet. Este é o último dia do cortejo fúnebre do ex-presidente, que teve início na quarta-feira, na cidade de Valdiva.

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Todo o gabinete do presidente de esquerda Gabriel Boric, assim como a viúva de Piñera, Cecilia Morel, casada com o ex-presidente desde 1973, e os seus quatro filhos, chegaram à sede do antigo Congresso Nacional, no centro de Santiago, para uma cerimônia no último dos três dias de luto decretados pelo governo.

— Ainda não posso fazer muitas reflexões porque o impacto é muito forte [...], mas tem sido muito emocionante ver todas as pessoas de todos os lugares do Chile — disse Cecilia Morel, acrescentando: — Agradeço também ao governo, ao Presidente Boric, que nos recebeu com muito carinho e organizou este funeral de Estado.

Os gestos do executivo também foram destacados pelos quatro filhos de Piñera, que agradeceram a Boric com abraços calorosos.

As palavras de Morel surgiram em um momento em que líderes de direita criticaram a "oposição dura e injusta" que Boric e membros do seu governo encarnaram quando lideraram a oposição a Piñera durante a crise social de outubro de 2019, e depois na pandemia que atingiu a economia do país. Piñera terminou seu mandato em março de 2022 com o pior índice de aprovação na história democrática do Chile.

— Sua morte é muito chocante, ele ainda tinha todo o potencial para ser presidente novamente depois deste período que os chilenos estão testando com a esquerda — disse à AFP Nancy Garrido, administradora de 45 anos, segurando uma foto com a imagem presidencial de Piñera, como milhares de outras pessoas que fizeram fila para o funeral público desde quarta-feira.

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Na quarta-feira, o velório de Piñera mobilizou o país e contou com a presença de líderes estrangeiros, como o ex-presidente do Equador, Guillermo Lasso, e do Paraguai, Mario Abdo, segundo a Chancelaria. Depois disso, o corpo será sepultado em uma cerimônia reservada.

A trágica morte de Piñera na terça-feira, enquanto pilotava seu helicóptero no sul do país, chocou o país, que vivia paralelamente o luto pelos mega-incêndios em Valparaíso, que deixaram 131 mortos. Na segunda-feira, Boric contou que conversou com o ex-presidente para coordenar a ajuda ao desastre do incêndio.

— Reconheço e aprecio o fato de ele nunca ter se recusado a oferecer ajuda e conselhos, apesar das diferenças públicas que tivemos no passado — disse o atual presidente no antigo Congresso em Santiago, diante de todo o seu gabinete e líderes de todo o espectro político.

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Após os comentários do ex-presidentes democrata-cristão Eduardo Frei Montalva (1994-2000), a ex-presidente Bachellet destacou Piñera como o político que "tanto na ditadura quanto no surto (social), escolheu a saída institucional de dar voz ao povo por meio do voto".

Com alguns de seus oito netos em lágrimas, o caixão do ex-presidente foi carregado com honras militares até a catedral, antes de receber uma homenagem no palácio presidencial La Moneda e ser enterrado no cemitério Parque del Recuerdo, em Santiago, em uma cerimônia privada.

O acidente

Sebástian Piñera morreu aos 74 anos após o helicóptero que pilotava ter caído no Lago Ranco. A causa da morte foi apontada como “asfixia por submersão”. Na aeronave estavam, além do ex-presidente, outras três pessoas, incluindo a irmã dele, Magdalena. Todos saíram ilesos. Piñera orientou os passageiros a saltar do helicóptero antes dele.

Segundo o jornal El Mundo, ao perceber que havia um problema com o voo, ele “procurou se aproximar da superfície do lago para que seus companheiros pudessem pular na água com segurança”. À imprensa local, Magdalena afirmou que o irmão disse: “Se eu pular com vocês, o helicóptero cairá sobre todos nós”.

O empresário era um dos homens mais ricos do Chile. Foi o primeiro líder de direita a chegar ao poder por eleição popular após a ditadura de Augusto Pinochet (1973-1990), acabando com duas décadas de hegemonia de governos de esquerda. Ele, que governou por dois mandatos (2010-2014 e 2018-2022), foi elogiado por apoiadores e adversários políticos por sua capacidade de diálogo.

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Mas também foram lembrados vários casos de conflito de interesses em que esteve envolvido. Sua fortuna, estimada em mais de US$ 2,4 bilhões (R$ 11,9 bilhões na cotação atual), está entre as maiores do Chile e da região. A publicação dos Pandora Papers, sobre a venda da mineradora Dominga em 2010 por uma empresa de seus filhos, manchou ainda mais sua imagem em 2021.

Entre os marcos de suas gestões destacam-se a agilidade na reconstrução do país após o terremoto de 2010 e a rápida compra de vacinas da China em 2020, o que tornou o seu país um dos primeiros a imunizar a maioria da população contra a Covid-19.