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Governo colombiano e ex-número dois de guerrilha das Farc anunciam novas negociações de paz

Iván Márquez chegou a assinar o acordo de paz em 2016, mas voltou a pegar em armas com a criação da Segunda Marquetalia, em 2019

Agência O Globo - 09/02/2024
Governo colombiano e ex-número dois de guerrilha das Farc anunciam novas negociações de paz

O governo colombiano anunciou na manhã desta sexta-feira que dará início a novas negociações de paz com a Segunda Marquetalia das Forças Armadas Revolucionárias da Colômbia (Farc). A informação foi divulgada através de um comunicado em conjunto, que conta com as assinaturas do alto comissário da Paz no país, Otty Patiño; o ex-número dois do grupo, Iván Márquez —que pegou em armas após assinar o acordo de paz em 2016; e o embaixador da Venezuela na Colômbia, Carlos Martínez, segundo a imprensa local.

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O texto de 11 pontos assinado pelas partes anunciou o início de "um processo de diálogos sociopolíticos para conduzir à assinatura de um acordo de paz entre o governo da Colômbia e a organização rebelde armada Segunda Marquetalia", criada por Márquez em 2019 após voltar à clandestinidade.

As partes também se comprometeram a "desenvolver imediatamente acordos prévios para a desescalada do conflito e a implementação de transformações para a construção social e ambiental do território".

No documento, que data de 1º de fevereiro, as partes apelam ainda para os "bons ofícios" da Venezuela, Noruega, Cuba, ONU e Conferência Episcopal Colombiana, que no passado garantiram os processos de paz no país.

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Ainda de acordo com a imprensa local, com o início formal do processo de paz, será necessário agora definir da agenda, elaborar os protocolos de negociação e instalar da Mesa de Diálogo para a Paz. O documento sobre as novas negociações não fornece detalhes sobre o local onde as conversações serão realizadas.

O anúncio acontece durante uma visita oficial do Conselho de Segurança da Organização das Nações Unidas (ONU) à Colômbia para apoiar a implementação do acordo histórico de 2016 e as novas tentativas do governo de negociar a paz com outros grupos armados.

A Colômbia é o maior produtor mundial de cocaína e está passando por um conflito armado que, em mais de meio século, deixou 9,5 milhões de vítimas, a maioria delas deslocadas.

Plano para 'Paz Total'

Com cerca de 1.663 combatentes, de acordo com a inteligência militar, e considerada a ala dura dos dissidentes, a Segunda Marquetalia permaneceu até agora à margem das negociações que o presidente Gustavo Petro está mantendo com a maioria das organizações armadas do país.

Segundo a imprensa colombiana, o grupo foi criado em 2019 quando alguns guerrilheiros, entre eles Márquez, anunciaram que apesar de terem assinado o acordo de paz em 2016, voltaram às armas. O ex-número dois teria afirmado em um livro que não concordava com os termos debatidos, mas mesmo assim assinou.

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Após assumir a Presidência em agosto de 2022, o primeiro esquerdista no poder no país está apostando em uma solução definitiva para seis décadas de conflito armado e violência por meio do diálogo, plano denominado "Paz Total", após o histórico acordo de paz que desarmou a maior parte das Forças Armadas Revolucionárias da Colômbia (FARC), há sete anos.

Os delegados de Petro também estão mantendo conversações com os guerrilheiros do Exército de Libertação Nacional (ELN) em Cuba e, na Colômbia, com os rebeldes do Estado-Maior Central (EMC), o maior grupo dissidente das FARC. Até agora, a maior conquista do projeto de Petro foi o compromisso do ELN e do EMC de abandonar o sequestro por resgate

O retorno de Márquez às armas em 2019 foi um dos golpes mais fortes no processo de paz que reintegrou cerca de 7 mil combatentes das Farc à vida civil. Outros líderes, com quem ele apareceu em um vídeo na época portando fuzis e anunciando uma nova rebelião armada, caíram mais tarde nas mãos de homens armados na Venezuela.

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O governo anterior de Iván Duque (2018-2022) chegou a oferecer então recompensas de US$ 880 mil (R$ 4,3 milhões na cotação atual) por cada um dos membros da Segunda Marquetalia.

Cético em relação à paz

Luciano Marín, o nome verdadeiro de Márquez, é um rebelde linha-dura de 69 anos. Principal negociador dos insurgentes com o governo de Juan Manuel Santos (2010-2018), ele nasceu em 16 de junho de 1955 em Florencia, no departamento de Caquetá (sul), na selva.

Juntou-se à 14ª Frente e, após nove anos como combatente, foi nomeado para o Secretariado, o órgão de liderança das FARC. Foi porta-voz nas fracassadas negociações de paz em Caracas e Tlaxcala (México) em 1992, e chefe do Bloco do Caribe em 2003.

Em 2011, seu nome foi considerado como o principal comandante da guerrilha após a morte de "Alfonso Cano" em uma operação militar, embora Rodrigo Londoño, conhecido como "Timochenko", tenha sido finalmente nomeado para o cargo.

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Márquez tem dezenas de mandados de prisão na Colômbia e nos Estados Unidos por crimes graves, como tráfico de drogas e centenas de assassinatos, depois que se afastou do acordo de paz que transformou a guerrilha em um partido político. Como negociador do acordo de paz, ele sempre foi um dos mais céticos e militaristas.

Ex-eclesiástico e professor, o guerrilheiro foi vítima de um ataque na Venezuela em 2022, de acordo com relatos da imprensa. Em julho passado, a mídia local especulou sobre sua morte, mas o então comissário de paz Danilo Rueda negou.

Estudos independentes indicam que a Segunda Marquetalia está em confronto com outros ex-rebeldes das FARC pelas rotas do tráfico de drogas. (Com AFP)