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De olho em Paris-2024, Rosamaria mergulha no vôlei japonês e se vê uma jogadora mais versátil

Ponteira e oposta trocou a Itália pelo Japão há cinco meses, teve dificuldades na rotina e melhora jogo defensivo

Agência O Globo - 09/02/2024
De olho em Paris-2024, Rosamaria mergulha no vôlei japonês e se vê uma jogadora mais versátil

Há cinco meses, Rosamaria decidiu sair da sua zona de conforto em busca do aperfeiçoamento profissional. A meta era ser uma jogadora de vôlei ainda mais completa, e, assim, não deixar o técnico José Roberto Guimarães com dúvidas na hora da convocação para os Jogos Olímpicos de Paris — ela concorre por um lugar como ponteira ou oposta.

O sonho da segunda Olimpíada parece estar próximo. Hoje, Rosamaria é a segunda maior pontuadora da liga japonesa, a V. League, onde atua pelo clube Denso Airybees, da cidade de Kota. E a primeira do time, que está em quinto lugar.

A rápida adaptação da jogadora de 29 anos é fruto da resiliência. Rosamaria topou dar uma chacoalhada na carreira após quase cinco anos na Itália. Mesmo ciente do choque cultural que estava por vir.

— Foi um choque em todos os sentidos. De fato, foi a primeira vez que me senti como uma estrangeira. Na Itália, por falar a língua quase fluentemente (ela tem origem italiana e estudou o idioma na infância), estava mais adaptada à cultura. Eu me sentia um pouco em casa. Aqui, entendi o que é aprender tudo do zero, precisar da ajuda de outras pessoas. Mas vim preparada, não 100%, em busca desse desconforto — conta.

Para quem viveu por mais de 20 anos em culturas essencialmente latinas, teve de entender que não há espaço para o “jeitinho brasileiro ou italiano” no Japão. Tudo precisa estar minuciosamente programado para funcionar com perfeição.

Disposta a imergir num novo modo de vida, Rosamaria não demorou muito a entender como os japoneses agem e pensam. O respeito ao próximo é muito caro ao povo japonês. Por isso, ela soube logo que precisaria fazer sua parte para que tudo funcionasse dentro de quadra.

— Foi importante para a minha adaptação, entender o porquê das coisas, viver ao máximo a maneira como eles vivem para me sentir em casa, e me sentir parte do grupo — afirma.

A principal mudança na vida de Rosamaria não foi a alimentação. Acostumada ao tempero brasileiro e às massas italianas, rapidamente ela descobriu que a culinária japonesa vai muito além do arroz e peixe cru. A grata surpresa a ajudou a lidar com a real questão: a rotina de treinos e jogos completamente diferente.

Lá, os jogos começam a partir do meio-dia, e são disputados em dois dias seguidos: sábado e domingo. O mais tarde é às 16h30. No Brasil e na Itália, os jogos são às 19h30. O mais cedo é às 17h.

— É uma preparação muito diferente, tive que adaptar meu corpo e minha alimentação para ter energia no jogo. Agora, tenho que acordar bem mais cedo, e, de manhã, tudo funciona com mais dificuldade— diz ela, que sentiu, sobretudo, a sequência de partidas. — No começo, sentia que no domingo acordava muito cansada. Acordava às 7h e não sabia como me adaptar para esse jogo. Tive que aprender como gerir a semana.

Mas não faltou apoio à jogadora para que ela pudesse apresentar seu melhor vôlei. Ela conta com a ajuda de uma intérprete nipo-brasileira para se comunicar com a comissão técnica e a solicitude japonesa para entender mímicas ou usar aplicativos de tradução.

E, claro, muita observação e treino para descobrir o segredo da defesa japonesa, que dificulta o ataque limpo de qualquer jogadora.

— Um dos meus objetivos ao vir para cá foi aprender o jogo da escola japonesa que é muito técnica. Gosto muito de observar como elas fazem e por que elas defender tanto. Não é treino exaustivo de defesa, mas a capacidade de reação que é impressionante, a leitura de jogo é diferenciada — explica Rosamaria, que conversou com Zé Roberto sobre sua ida para o Japão.

— Ele já trabalhou aqui, e me disse o que eu iria encontrar. Já estou defendendo melhor, tendo uma reação melhor. Também me fizeram entender que não é força, é jeito para superar esse tipo de defesa. É preciso pensar e ganhar variação de golpes. Acho que venho crescendo nisso.

Rosamaria, assim com as demais jogadoras selecionáveis, vêm sendo acompanhadas de perto pela comissão técnica da seleção brasileira. Também há troca de informações entre os clubes e a CBV sobre aspectos físicos e técnicos:

—Vim para cá para poder servir melhor à seleção nas Olimpíadas, podendo jogar bem nas duas funções, ser uma jogadora mais versátil — diz a atleta, que aponta o Brasil entre os favoritos ao ouro junto com equipes como Itália, Sérvia, Estados Unidos. — A Turquia também cresceu muito no ciclo. Mas tudo pode acontecer nos Jogos Olímpicos, é um torneio diferente.

Apesar de falar abertamente sobre os Jogos, Rosamaria sempre usa seu nome na condicional. Só vai comemorar quando sair a lista. E essa facilidade para lidar com a expectativa vem de muitos anos de análise e autoconhecimento, que foram primordiais para tratar a depressão diagnosticada em 2017.

Perto dos Jogos de Tóquio, a jogadora se afastou da seleção para se tratar num momento em que saúde mental era um tema ainda mais tabu do que hoje.

— Foi difícil admitir e aceitar o que estava acontecendo, tinha medo de parecer fraca. Aí, quando grandes atletas falam disso, tirei um pouco do peso das minhas costas. Hoje vejo que foi uma atitude de muita coragem. Precisamos treinar não somente o corpo, mas temos que treinar a mente também. De forma individualizada, pois cada pessoa vai lidar de uma forma com determinadas situações. Tem a ver com seu passado, seus traumas...

Hoje, ela sabe reconhecer os gatilhos e lidar com os sentimentos variados. Como a saudade de casa que bate, ainda mais nessa época do ano. “É triste estar fora do Carnaval”.

Mesmo tendo olhos apenas para Paris, Rosamaria não consegue se desapegar do futuro. Já começa a avaliar se não é hora de fazer outros sacrifícios, como abrir mão da seleção brasileira em um futuro próximo.

—Tenho pensado muito pós essa Olimpíada, se Deus quiser estarei lá... São seis anos longe de casa. Meus pais estão envelhencendo, minha avó está envelhecendo, minha irmã...Isso tem pesado no último ano, queria mais tempo para ficar com a família. Não sei, está tudo em aberto