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Ataque hacker iraniano derruba canais de TV em três países e exibe imagens de mortos e feridos em Gaza: 'não temos escolha'

Ação dirigida pela Guarda Revolucionária ocorreu em dezembro e, segundo a Microsoft, foi a primeira do país a usar inteligência artificial; uso levanta temores de possíveis impactos nas eleições ao redor do mundo neste ano

Agência O Globo - 08/02/2024
Ataque hacker iraniano derruba canais de TV em três países e exibe imagens de mortos e feridos em Gaza: 'não temos escolha'
Ataque hacker iraniano derruba canais de TV em três países e exibe imagens de mortos e feridos em Gaza: 'não temos escolha' - Foto: reprodução

Quem assistia televisão em uma noite de domingo nos Emirados Árabes Unidos através de um set-top box (dispositivo eletrônico usado na TV para ampliar a oferta de canais) foi surpreendido com uma mensagem hacker. Nela, um homem gerado por inteligência artificial (IA) apresentava imagens da guerra em Gaza, que eclodiu no dia 7 de outubro, logo após a frase “Não temos escolha a não ser hackear para entregar esta mensagem a você”. De acordo com analistas da Microsoft, citados pelo The Guardian, o caso ocorreu em dezembro passado e teria sido operado por integrantes do grupo Cotton Sandstorm, baseado e apoiado pelo Irã.

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Na imagem, o âncora — um homem de óculos, com bandeiras da Palestina erguidas ao fundo, ambos gerados por IA — apresentou imagens de mortos e feridos no conflito em Gaza, vítimas dos bombardeios e incursões israelenses. Segundo o Guardian, as imagens não foram verificadas. No canto direito, era possível ver a marca “For Humanity” (Para a Humanidade, em tradução livre).

Segundo relatório da empresa de tecnologia, a operação foi dirigida pela Guarda Revolucionária Iraniana, e os integrantes do grupo Cotton Sandstorm teriam publicado vídeos mostrando a invasão aos aparelhos e derrubando a programação do canal. Além da interrupção no Emirados Árabes Unidos, a Microsoft também registrou invasões no Canadá e no Reino Unido. Uma das programações afetadas teria sido a da BBC, emissora britânica, embora a invasão hacker não tenha comprometido a rede de notícias diretamente.

'Surreal e assustador'

Ao jornal Khaleej Times, um espectador de Dubai, que usava um aparelho HK1RBOXX, contou que assistia à BBC, por volta de 22h30, quando foi surpreendido pela mensagem e “imagens angustiantes da Palestina apareceram na minha tela”.

— Assisti paralisado enquanto minha tela congelava e uma mensagem do hacker aparecia em letras maiúsculas contra um fundo verde. Isso foi imediatamente seguido por um boletim de notícias apresentado por um âncora [gerado por] IA. Foi surreal e assustador.

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Já uma mulher europeia relatou ao jornal emirático um estranho zumbido que precedeu a mensagem e imagem projetadas pelos hackers. Ela assistia um programa de perguntas e respostas no momento da invasão.

Segundo a mulher, as imagens eram “bastante gráficas” e, além do âncora, informações sobre o número de mortos e feridos estavam dispostos no canto esquerdo da tela.

— Antes que eu pudesse entender o que estava acontecendo, me vi assistindo a um âncora de óculos da IA ​​discutindo as atrocidades, acompanhado por uma legenda mostrando o número de palestinos mortos e feridos até agora. Os vídeos eram bastante gráficos, e tinha crianças por perto. Não queremos que elas sejam expostos a isso, mas fomos pegos despreparados. Todos os canais para os quais mudamos exibiam o mesmo conteúdo.

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A imagem, apesar de ter sido divulgada em dezembro, data de 8 de outubro de 2023, um dia após o ataque terrorista do Hamas contra o Estado judeu, que matou 1,2 mil pessoas e fazendo 240 reféns, segundo as autoridades israelenses. Segundo a mensagem dos hackers, até aquele momento, a resposta de Israel à agressão teria deixado 180 palestinos mortos e 347 feridos. Em quatro meses de guerra, esse número disparou: o Ministério da Saúde de Gaza já contabiliza mais de 27 mil mortos, a maioria sendo mulheres e menores de idade.

O movimento islâmico palestino é um dos grupos apoiados e financiados por Teerã no Oriente Médio, recebendo armas e treinamento.

Impacto em eleições

Uma publicação no blog da Microsoft, também citada pelo Guardian, afirma que a mensagem divulgada no início de dezembro marca “a primeira operação de influência iraniana que a Microsoft detectou onde a IA desempenhou um componente chave nas suas mensagens e é um exemplo da expansão rápida e significativa no âmbito das operações iranianas desde o início do conflito Israel-Hamas.”

A empresa afirma que diversos ataques cibernéticos iranianos foram lançados desde a eclosão do conflito, passando de uma operação a cada dois meses em 2021 para 11 somente em outubro de 2023.

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Ainda segundo a Microsoft, a medida que a guerra avança, os alvos de Teerã têm se expandido para incluir ataques à Albânia, ao Bahrein (único país do Oriente Médio a integrar a coalizão ocidental que apoiou os ataques em conjunto dos Estados Unidos e Reino Unidos contra os houthis, também financiados pelo Irã) e os EUA.

Além disso, em 2024, o calendário eleitoral será intenso, com cerca de 40 eleições nacionais programadas ao redor do mundo, incluindo de grandes potências como os Estados Unidos e a Índia. Por isso, especialistas citados pelo Guardian temem que o material produzido por inteligência artificial possa ser utilizado em grande escala para perturbar os pleitos, incluindo as eleições americanas, marcadas para novembro deste ano.

“Enquanto aguardamos com expectativa as eleições dos EUA em 2024, as atividades iranianas poderão basear-se no que aconteceu em 2020, quando se fizeram passar por extremistas americanos e incitaram à violência contra funcionários do governo dos EUA.”