Internacional

'O Brasil é parceiro da Venezuela', diz nova embaixadora em Caracas

Aos 62 anos, Glivânia Maria de Oliveira, diretora do Instituto Rio Branco, chefiará embaixada em Caracas, que ficou seis anos acéfala

Agência O Globo - 05/02/2024
'O Brasil é parceiro da Venezuela', diz nova embaixadora em Caracas

Depois de seis anos de ausência, o Brasil voltará a ter embaixador em Caracas. Em meados deste mês, o posto será assumido pela embaixadora Glivânia Maria de Oliveira, de 62 anos, atual diretora do Instituto Rio Branco (IRB) e garante nos diálogos entre o governo da Colômbia e o Exército de Libertação Nacional (ELN). Numa longa conversa em sua sala do IRB, a embaixadora defendeu a parceria do Brasil com a Venezuela e assegurou que o único caminho possível para fazer uma contribuição positiva no país é o diálogo. “Nós não exigimos, nós dialogamos sobre as diferenças”, respondeu a embaixadora quando foi perguntada pela situação da democracia e dos direitos humanos no país onde será a mais alta representante do Brasil.

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Para a experiente diplomata, que já chefiou a embaixada no Panamá, o consulado brasileiro em Boston e o Departamento de Organismos Internacionais do Itamaraty, “não se trata de mediação, o Brasil é parceiro da Venezuela”. A seguir, os principais trechos da entrevista:

Como a senhora está encarando o desafio de ir para Caracas? Foi uma surpresa?

Estou muito satisfeita e grata pela indicação. E, sim, não esperava. Mas estar no processo de diálogo entre o governo da Colômbia e o Exército de Liberação Nacional (ELN) me reaproximou da região. Acho que nossa agenda com a Venezuela e outros países da região é fundamental. Vou com cautela, mas tenho muita energia e vontade de avançar.

Qual foi a primeira coisa que a senhora pensou quando recebeu o convite?

Minha família e meus amigos vão dizer: “Lá está ela abraçando um novo desafio.” Todos me apoiaram absolutamente.

Quais serão suas prioridades na chegada?

Como costuma acontecer quando assumimos o comando de uma missão, são feitos contatos iniciais. Farei a apresentação de cartas credenciais, terei contato com a Chancelaria, com as autoridades. O primeiro mês será de intensa interação e apresentação no marco da continuidade do esforço que vem sendo feito desde janeiro de 2023 para normalizar e retomar a relação, para reconstruir pontes. Os contatos iniciais são muito importantes: é o momento de conhecimento da realidade de perto. É importante conhecer os diferentes grupos da sociedade. Penso, por exemplo, nas federações de comércio, no mundo acadêmico, responsáveis de instituições relevantes no contexto venezuelano. A identificação de parcerias e interlocutores que possam ajudar no avanço das pautas que procurarei levar adiante, conforme as prioridades estabelecidas pelo novo governo. Também faremos contatos na área cultural, cooperação técnica, educacional, meio ambiente... São todas frentes muito importantes.

Quais são essas pautas?

Temos a área comercial, de interesse econômico, questões consulares, o apoio à comunidade brasileira lá, saber quantos são os brasileiros que vivem no país. Hoje já temos uma seção consular que funciona regularmente em Caracas. Precisamos saber o que aconteceu com os brasileiros, quais são suas necessidades, em que condições estão. Fui a pessoa que abriu o primeiro espaço para a mulher brasileira no exterior, no consulado de Boston, e tenho muito orgulho disso. Essa iniciativa foi replicada em outros consulados. Temos questões na área militar, porque ainda não temos um adido da área da Defesa nem na Polícia Federal. O programa de cooperação na área da Defesa é fundamental na América Latina. Muitos militares venezuelanos passaram por nossas escolas de formação, e a ideia é retomar esse caminho. Precisamos conhecer as pessoas, abrir canais, desenvolver percepções. O contato com a realidade é muito importante.

A oposição venezuelana, incluindo a líder opositora María Corina Machado, fará parte desses primeiros contatos?

Há muito trabalho a fazer, muitos contatos, conforme prevê a prática diplomática. Precisamos estabelecer contatos com o governo venezuelano, abrir canais de diálogo em várias frente que priorizamos, como a questão da energia, do fornecimento de energia para o estado de Roraima. Temos interesses na área comercial, e acreditamos que ali podemos ter uma relação positiva, que construa um caminho para a recomposição do Brasil como um dos parceiros comerciais da Venezuela. Há setores no Brasil interessados em potencialidades de investimentos na Venezuela, e para eles será importante ver a evolução da situação do país.

O interesse central é voltar à Venezuela?

Há um interesse muito grande. A Venezuela é um mercado importantíssimo para Roraima e para outros estados e regiões do Brasil, precisamos trabalhar nessa área. O país tem um potencial, e é uma peça importante para nossa visão sobre a integração. A Venezuela é um elo fundamental nesse processo.

Como se concilia esse interesse do Brasil com a questão política, a demanda de respeito à democracia e aos direitos humanos?

Lidamos com isso mantendo canais de diálogo. Nós não exigimos, nós dialogamos sobre as diferenças. Nosso histórico, com tristes exceções, mostra que o Brasil dialoga, interage com outros atores e procura formar espaços de diálogo que possam favorecer avanços. Essa é nossa posição histórica. Para mim, este posto é um privilégio, porque é uma manifestação de confiança. Tenho experiência em organismos multilaterais, em mediações de conflito. O que se faz é uma calibragem fina, para ver por onde se pode avançar. O caminho é o diálogo, e disso a gente não se afastará. Outros países apoiam esses esforços, por exemplo México e Noruega.

O Brasil quer ser mediador na Venezuela?

Não se trata de mediação, o Brasil é parceiro da Venezuela. Temos a nossa visão, nosso desejo de que o processo eleitoral ocorra da melhor forma, em linha com a visão do Acordo de Barbados. O nosso interesse é que existam condições de estabilidade, desenvolvimento e avanço. Temos lá um potencial enorme, e isso seria benéfico para os dois lados. Sabemos que existe uma comunidade expressiva de brasileiros na Venezuela, e sair de um país não é da nossa tradição diplomática, o Brasil não abandona brasileiros pelo mundo, pelo contrário, trabalhamos muito duro para dar assistência.

Sua experiência como garante nos diálogos entre o governo da Colômbia e o Exército de Libertação Nacional (ELN) vai ajudar na Venezuela?

Gostaria de continuar sendo garante, porque existe uma relação entre os dois países e é o mesmo espaço temático. Posso dizer com absoluta segurança que existe um compromisso evidente da Venezuela de contribuir para o avanço desse processo e regularizar a situação. A Venezuela tem um papel importantíssimo. O meu papel, como representante do Brasil, será trabalhar para avançar, acompanhar a situação interna do país, o processo eleitoral, conhecer as pessoas, interagir.

A expectativa do Brasil é de que este seja um ano de eleição presidencial na Venezuela?

Sim, essa é a expectativa. É o que está previsto. Há desafios, mas faço votos de que o processo avance.

Resolver a situação da Venezuela é do interesse regional, pelo expressivo aumento da emigração de venezuelanos para países vizinhos, inclusive o Brasil, onde vivem 500 mil venezuelanos...

Sim, é uma preocupação regional. É um desafio para todos os países. Nossa política é humanista, de apoio a essas pessoas. O Brasil acolhe refugiados, tem políticas humanitárias, esse é um espaço de solidariedade.

O Brasil pensa no retorno da Venezuela ao Mercosul?

O interesse do Brasil é contribuir para criar condições na Venezuela, e na região em geral, que nos permitam caminhar na direção de uma integração e cooperação cada vez maior.