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Acusado de atacar a democracia, Bukele consolida apoio popular e deve se reeleger em El Salvador

Presidente forçou mudança de regras para se candidatar novamente, e partido do governo deve continuar no comando do Legislativo

Agência O Globo - 04/02/2024
Acusado de atacar a democracia, Bukele consolida apoio popular e deve se reeleger em El Salvador

O governo de El Salvador prendeu milhares de pessoas inocentes, suspendeu liberdades civis indefinidamente e inundou as ruas com soldados. Agora, o presidente por trás de tudo isso, Nayib Bukele, está sendo acusado de violar a Constituição ao buscar a reeleição. Mesmo seu colega de chapa admite que o objetivo é “eliminar” o que vê como uma democracia falha do passado. Mas a maior parte das pesquisas mostra que a população apoia Bukele, não apesar das táticas dele, mas justamente por causa delas.

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Nas eleições de domingo, os eleitores devem dar a Bukele e a seu partido, o Novas Ideias, uma vitória retumbante, cimentando o controle do presidente sobre todos os braços do governo. A maior razão, dizem analistas, é que o líder de 42 anos conseguiu um feito que parecia impossível: dizimar as gangues que tornaram o país um dos locais mais perigosos do mundo.

— Alguns chamam de ditadura — disse Sebastián Morales Rivera, um pescador que vive em uma área que era dominada por gangues no passado. — Mas eu prefiro viver sob uma ditadura de um homem com uma mente sã do que em uma ditadura com um bando de maníacos psicopatas.

Por mais de duas décadas, as gangues aterrorizaram El Salvador, abalando a economia, assassinando civis e provocando uma onda de migração para os EUA. Os dois partidos que governaram o país pouco fizeram para controlar os massacres, com presidentes que enriqueceram enquanto a população era caçada pelos criminosos.

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Bukele, um millennial eleito com promessas de mudança, chegou ao cargo em 2019 através de eleitores insatisfeitos com políticos tradicionais. E embora a repressão que se seguiu tenha atacado liberdades individuais, ela entregou os resultados que muitos queriam.

— A essas pessoas que dizem que a democracia está sendo desmantelada, a minha resposta é que sim, nós não estamos desmantelando, mas sim eliminando e substituindo por algo novo — disse Félix Ulloa, candidato a vice na chapa de Bukele. Para ele, o sistema democrático que existiu por anos em El Salvador só beneficiou políticos corruptos e deixou o país com milhares de mortos.

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Caso vença, Bukele se juntará a uma categoria de líderes globais que venceram eleições consecutivas ao mesmo tempo em que são acusados de abalar as bases democráticas. Governantes da Índia, Turquia e Hungria integram essa lista, e o ex-presidente dos EUA, Donald Trump, está perto da indicação do Partido Republicano, enquanto é processado por incitar uma insurreição em 2021.

A Constituição de El Salvador proíbe que presidentes se candidatem a mandatos consecutivos, segundo especialistas. Mas em 201, o partido de Bukele, que tem supermaioria no Congresso, substituiu juízes na Suprema Corte, que reinterpretaram a Carta para permitir que concorresse novamente.

— Não é mais uma república constitucional — disse Noah Bullock, diretor-executivo da Cristosal, um grupo de direitos humanos salvadorenho. — É um regime autoritário de fato.

'Presidente eterno'

Alguns acreditam que Bukele achará formas para permanecer no cargo por mais tempo. No X, o antigo Twitter, ele afirmou que não buscava a reeleição indefinida, uma vez que “as normas atuais não permitem”. Mas Ulloa afirma que a maior parte do país quer Bukele como “presidente eterno”.

Após uma explosão de violência em 2022, o governo impôs um estado de emergência e realizou uma série de prisões sem o devido processo. Cerca de 75 mil pessoas foram detidas, incluindo 7 mil que foram liberadas posteriormente, e milhares de outras que não são membros de gangues mas seguem detidas. Foi construída uma megaprisão para acomodar todos os novos presos.

Mas o estado de emergência, que durou dois anos, transformou o país. Os homicídios despencaram, assim como as extorsões. As detenções de salvadorenhos tentando cruzar a fronteira dos EUA caíram um terço no último ano, quando o número total de imigrantes disparou, algo que especialistas atribuem à sensação de segurança nas ruas.

Irma Mancia de Olmedo é uma vítima do novo Estado policial. Seu filho Mario Olmedo Mancía foi preso pelas autoridades em uma manhã de sexta-feira, em abril de 2022, quando saía de casa para ir ao barbeiro. A família não teve mais notícias dele.

— Não sei o que está fazendo, nada — disse Olmedo.

Ela afirma que Mario não tinha envolvimento com gangues, e que ele trabalhava em um callcenter. Mas, mesmo em meio à dor, ela expressou admiração por Bukele.

— Ele fez o possível para melhorar esse país. Se alguns de nós estão sofrendo as consequências, bem, essas coisas acontecem.

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Ainda há bolsões de resistência a Bukele, especialmente em famílias que alegam ter parentes presos indevidamente. E permanecem questões sobre o comprometimento do governo com o combate às gangues. Segundo funcionários do governo americano, Bukele negociou com lideranças dos grupos criminosos para que reduzissem os homicídios em troca de benefícios na prisão. Em um caso, o Departamento de Justiça dos EUA afirma que as autoridades locais ajudaram um chefe da gangue MS-13 a fugir do país, escapando de um pedido de extradição feito por Washington. Bukele nega as alegações.

E não são apenas os salvadorenhos que o apoiam. Bukele conseguiu admiradores ao redor do Hemisfério Ocidental, especialmente em países violentos, como Equador, onde o atual presidente Rafael Noboa prometeu construir prisões como as de El Salvador.

Nas urnas, apenas cinco candidatos da oposição estarão na disputa, e o partido do governista centra sua campanha em promessas de um presidente mais ativo e na estratégia do medo, o que tem funcionado até agora.

— Eles [a oposição] vão soltar os prisioneiros — disse Morales, o pescador. — Todos os políticos são manipuláveis.