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Itália aprova para consumo humano primeira farinha de grilos moídos

Apesar de serem uma boa fonte de vitaminas e proteínas, produtos a base de insetos sofrem alta repressão no país, cujas autoridades têm medo de ter a culinária associada a eles

Agência O Globo - 01/02/2024
Itália aprova para consumo humano primeira farinha de grilos moídos
Itália aprova para consumo humano primeira farinha de grilos moídos - Foto: Reprodução

Foi dada a largada para a comida do futuro. A Nutrinsect, uma empresa italiana que fabrica farinha a base de grilo, foi a primeira — e até o momento, a única — a receber sinal verde no país para produzir, processar e comercializar alimentos para consumo humano feitos com insetos. O produto tem sido distribuído a hotéis, restaurantes e cafeterias desde segunda-feira.

— Estamos abrindo uma nova página na história da alimentação. — disse o dono da empresa Josè Francesco Ciaani à agência de notícias italiana Ansa.

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A empresa de Ciaani está localizada em Montecassiano, na província de Macerata. Por quase quatro anos, milhões de grilos foram criados, congelados e, em seguida, moídos até virarem pó, em um método considerado ético e monitorado pela Agência Sanitária Local (ASL), segundo a Ansa e o The Guardian. Até o momento, a liberação era restrita apenas para uso em rações de animais de estimação.

Além da distribuição que já tem sido feita, a farinha também pode ser encontrada online por € 6 (cerca de R$ 32). Para aqueles que temem que o grilo possa estar sujo ou vir de um lugar contaminado, Cianni esclarece que a farinha, que tem cor marrom escura e textura fina, "é 100% feita na Itália" e brincou:

— Vai combinar muito bem com outras especialidades italianas.

Forte oposição

A aprovação vai de encontro ao que defendem muitos puristas alimentares e até autoridades italianas, que tentaram restringir o uso de alimentos a base de insetos, explicou o Guardian.

No início de 2023, A União Europeia aprovou a venda de insetos — grilos, gafanhotos e larvas de besouro — para consumo humano. A farinha de grilo, gafanhotos e larvas ganhou cada vez mais espaço nas receitas da culinária italiana, mas sofreu forte oposição daqueles que temiam associar os insetos aos alimentos do país.

Entre eles está o ministro da Agricultura da Itália, Francesco Lollobrigida. Ele e mais outros dois ministros baixaram quatro decretos para reprimir o uso dessas farinhas. "É fundamental que estas farinhas não sejam confundidas com alimentos produzidos na Itália", afirmou o dirigente da pasta, citado pelo jornal britânico The Times.

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Apesar disso, assim que a regulamentação se tornou oficial, o governo acabou cedendo, decidindo apostar em rotulagens mais rigorosas, que deixassem o consumidor ciente do que estavam consumindo. Uma delas é o uso de "Acheta domesticus" (grilo doméstico, em latim) nas embalagens.

Com a aprovação, Cianni convidou o ministro da Agricultura, Francesco Lollobrigida, para visitar suas instalações e "ver por si mesmo como o produto é saudável e nutritivo". Para ele, a movimentação do governo "gerou bastante debate, mas no fim eles fizeram a coisa certa".

Saborosos e sustentáveis

Os grilos, apontam a Ansa e o Guardian, são ricos em proteínas, cálcio, ferro e vitamina B12, além de conterem fibras, baixa quantidade de gorduras e calorias. Segundo especialistas da agência da Organização das Nações Unidas (ONU), a dieta à base de insetos é boa para o organismo devido à alta taxa de proteínas, baixo índice de gorduras e carboidratos, além de serem boas fontes de vitaminas, fibras e minerais.

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Um relatório das Nações Unidas para Agricultura e Alimentação (FAO) de 2013, divulgado pela CNN, mostra que a variedade e introdução desses bichos na alimentação já é realidade de cerca de 2 bilhões de pessoas. De acordo com o documento, é na maior parte do Ocidente que está o sentimento de repulsa à ingestão da iguaria.

Apesar disso, o preconceito vem arrefecendo e cada vez mais os insetos vêm sendo considerados como uma opção saudável para compor o prato. Segundo o Guardian, espera-se que o mercado de insetos atinja € 2,7 bilhões (R$ 14,45 bilhões) até 2030, isso é, em menos de uma década.

Além de saudável, o hábito de consumir insetos pode fazer bem também para o meio ambiente, ao driblar os danos causados pela agropecuária e os problemas de escassez de alimentos. Os grilos, por exemplo, precisam de seis vezes menos ração que o gado, quatro menos que as ovelhas e metade do que é necessário para alimentar porcos e frangos, embora correspondam à mesma quantidade de proteína, observa o documento.

— É bom para o meio ambiente porque os recursos necessários para a criação de grilos e os espaços utilizados são muito pequenos e, portanto, as emissões são quase nulas — explicou Cianni.