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Congresso argentino suspende debates sobre Lei Ônibus; parlamentares voltam a se reunir ao meio-dia desta quinta-feira

Analistas estimam que as discussões podem levar ao menos 30 horas e durar dias

Agência O Globo - 01/02/2024
Congresso argentino suspende debates sobre Lei Ônibus; parlamentares voltam a se reunir ao meio-dia desta quinta-feira
Congresso argentino suspende debates sobre Lei Ônibus; parlamentares voltam a se reunir ao meio-dia desta quinta-feira - Foto: Reprodução

Depois de um dia intenso no Congresso argentino, pelo início dos debates sobre a Lei Ônibus - megapacote de reformas ultraliberais proposto pelo presidente Javier Milei - os parlamentares decidiram suspender os trabalhos na noite desta quarta-feira e só retomar a partir desta quinta, ao meio-dia, segundo publicou o site do jornal La Nación. O acordo para suspender o debate foi feito entre as diferentes bancadas do parlamento, com exceção do kirchnerismo.

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O partido de Milei ainda não conseguiu que a "Lei de Bases" seja votada na generalidade, devido à extensa lista de oradores inscritos para falar na Câmara: ainda restam 140.

Ainda segundo o La Nación, os incidentes ocorridos nas imediações do Congresso durante a sessão acabaram convencendo os deputados de que o melhor a fazer seria deslocar-se para uma sala intermediária, para diminuir a tensão dentro e fora do parlamento. A decisão veio após onze horas de sessão. Analistas estimam que as discussões podem levar ao menos 30 horas e durar dias.

O resultado ainda é incerto e seu significado para Milei só poderá ser avaliado na versão final aprovada, mas o megaprojeto de lei já chegou esvaziado, caindo dos originais 664 artigos para pouco mais de 500, com inúmeras concessões feitas pelo presidente para evitar sua rejeição, inclusive a retirada da parte fiscal e de algumas estatais importantes da lista de privatizações. Além disso, Milei já não busca 4 anos de poderes especiais para governar por decreto, agora pede apenas 2.

Mudanças nos artigos

A sessão foi aberta com 137 deputados presentes — a minoria governista, que ocupa 38 das 257 cadeiras, precisava de um quórum mínimo de 129 parlamentares da Câmara dos Deputados para validar a sessão e começar a votar a chamada “Lei Ônibus”, que contém mais de 500 artigos. Os blocos da chamada “oposição dialoguista” confirmaram sua presença, mas somente o PRO do ex-presidente conservador Mauricio Macri garantiu que “apoiará tudo”.

— Chegamos a um acordo e a norma geral será sancionada — disse, antes da sessão, o deputado ultraliberal José Luis Espert, da base do governo, sobre as reformas do projeto.

A oposição, porém, antecipou publicamente que o projeto sofreria mudanças em vários capítulos e, de fato, a discussão começou com os governistas enumerando uma longa lista de quase 150 artigos retirados do texto original. Já a bancada peronista, que governou até dezembro, e a minoria de esquerda — um total de 104 deputados — rejeitam totalmente o projeto, que declara emergência econômica, energética, sanitária e de segurança, e dá poderes extraordinários ao governo para driblar o controle do Congresso.

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— Isso não é uma lei, isso é um cambalacho — declarou a deputada e ex-candidata presidencial esquerdista Myriam Bregman.

Primeiro, o projeto será votado como um todo e, em seguida, pelo menos 170 artigos contestados pela oposição durante as comissões plenárias serão tratados individualmente. O resultado final dependerá da votação “artigo por artigo” da lei, momento em que várias reformas-chave podem ser rejeitadas, como os poderes discricionários reivindicados por Milei e a lista de empresas públicas que ele quer privatizar, entre outras.

Dúvida também no Senado

Uma vez aprovado, o projeto de lei seguirá para o Senado, onde o governo tem apoio de apenas 7 dos 72 senadores, mas também espera contar com os mesmos aliados que conquistou na Câmara. Se o Senado introduzir alterações, o texto terá que retornar à Câmara dos Deputados.

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— Há diferenças com relação a alguns dos artigos que ainda estão sendo objeto de negociação, que os governistas provavelmente terão dificuldades para aprova — avaliou o deputado Martín Tetaz, da centrista União Cívica Radical (UCR), um bloco de 34 legisladores que votará a favor da aprovação do texto em geral.

Para garantir a aprovação da lei, o governo retirou um “capítulo fiscal” do projeto, com o qual buscava assegurar o “déficit zero”, mas que foi contestado por opositores, aliados e governadores de províncias afetadas pelas mudanças.

Também abriu mão de alterar o sistema previdenciário, o que afetaria a atualização periódica da renda de quase seis milhões de aposentados, depreciada pela inflação.

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Mas a oposição ainda contesta a extensão e o alcance dos “poderes delegados” discricionários que Milei demanda para introduzir mais reformas por via executiva sem controle do Congresso, e pode barrá-los na votação artigo por artigo.

A privatização total ou parcial de 41 empresas públicas, consideradas pela oposição estratégicas para os interesses nacionais, é outro ponto que gera intenso debate e pode ser reduzido ou eliminado. Milei já retirou da proposta a petrolífera YPF e concedeu que o Banco Nación, a geradora de energia elétrica Nucleoelectrica e a empresa de comunicações por satélite Arsat sejam abertas somente a uma privatização parcial.

O texto original da Lei Ônibus garantiria a Milei um corte nos gastos públicos de cerca de 5% do PIB, promessa que agora ele afirma alcançar com outras medidas de ajuste, como a diminuição das transferências para as províncias.

Os blocos opositores que apoiaram o governo anteciparam seu apoio às controversas mudanças na regulamentação de manifestações de rua, leis sobre florestas, geleiras e manejo do fogo, reformas no mercado de energia, e a eliminação ou redução de entidades públicas culturais e dedicadas à luta contra a discriminação, entre outras.

Aposta nas reformas

Desde que assumiu a Presidência, há 50 dias, Milei concentrou suas reformas na Lei Ônibus e em um megadecreto com os quais pretende redefinir o sistema econômico e modificar centenas de normas e leis, visando reverter uma crise que mantém mais de 45% dos argentinos na pobreza, com uma inflação anual de 211% em 2023.

Milei já avançou com uma desvalorização do peso em 50% e a liberação de todos os preços, acelerando a inflação para 25,5% em dezembro. Além disso, resgatou o programa de crédito de US$ 44 bilhões com o Fundo Monetário Internacional, que elogiou os primeiros ajustes e ontem liberou US$ 4,7 bilhões como parte do refinanciamento, mas previu recessão de 2,8% na economia local em 2024.

Empurra-empurra, bloqueios de rua e gás lacrimogêneo aumentaram a tensão em frente ao Congresso durante o debate da Lei Ônibus. Organizações sociais, sindicais e estudantis, movimentos de bairro e militantes de partidos de esquerda se reuniram em frente ao Parlamento no início da manhã para protestar contra o projeto de lei. Houve incidentes entre a polícia e militantes de esquerda. Ao menos três pessoas foram presas. (Com AFP e El País)