Internacional

Saída de embaixador argentino era esperada pelo Brasil e poderá afetar relação entre os governos Lula e Milei

Em sintonia com um plano de diplomacia low cost, a Casa Rosada deve deixar a embaixada em Brasília em mãos do atual encarregado de negócios

Agência O Globo - 31/01/2024
Saída de embaixador argentino era esperada pelo Brasil e poderá afetar relação entre os governos Lula e Milei

A decisão do governo do presidente argentino Javier Milei de oferecer ao até ontem embaixador do país no Brasil, Daniel Scioli, o comando da secretaria de Turismo, Esporte e Ambiente não pegou o Brasil de surpresa. Altos funcionários do Itamaraty e do Palácio do Planalto, confirmaram fontes, sabiam das articulações que estavam acontecendo em Buenos Aires e estavam preparados para a saída de Scioli, que, por enquanto — talvez por muito tempo —, será substituído pelo encarregado de negócios da embaixada argentina em Brasília, Pablo De Angeli.

Embaixador convocado: Milei chama presidente da Colômbia de 'comunista assassino' e provoca crise diplomática

Veja: Após 'lei ônibus' de Milei, presidente da Colômbia afirma que estudantes 'serão expulsos' da Argentina

Em momentos de ajuste fiscal drástico, a Casa Rosada pretende implementar uma diplomacia low cost, em sintonia com o mantra nacional de “no hay plata” (não tem dinheiro, em tradução livre). Embora exista uma explicação econômica, a eventual determinação de não ter um embaixador no Brasil implicaria um forte gesto de Milei a um governo que já chamou de comunista — entre outros. Na prática, um eventual rebaixamento permanente do Brasil em termos de importância para o atual governo argentino poderia trazer consequências para o comércio bilateral, entre outras.

Procurado pelo GLOBO, Scioli expressou seu agradecimento ao Brasil e ao governo do presidente Luiz Inácio Lula da Silva, e prometeu “continuar trabalhando pela relação bilateral”.

— Deixei tudo funcionando para que a relação entre Brasil e Argentina seja a melhor possível. Temos uma agenda de futuro — disse o ex-embaixador, que já foi vice-presidente, governador da província de Buenos Aires e candidato presidencial de peronistas e kirchneristas.

Leia mais: Integrantes do governo Lula veem 'sinais de retrocesso' na Venezuela, mas só vão se manifestar após chegada de embaixadora para avaliar situação do país

Scioli disse não saber se o governo Milei enviará um novo embaixador a Brasília. Sua saída foi negociada pelo agora secretário com a chanceler Diana Mondino, e com o próprio Milei. O presidente já assessorou Scioli na época em que o ex-embaixador era governador da província de Buenos Aires, e ambos sempre tiveram bom diálogo.

A relação do secretário com o presidente causa revolta no mundo peronista, onde muitos consideram Scioli um traidor. O secretário permanece alheio às críticas, e seus assessores, em conversas informarias, afirmam que o traído foi Scioli, quando acreditava ter o apoio do ex-presidente Alberto Fernández para disputar a eleição presidencial e foi obrigado a renunciar à sua pré-candidatura pelas pressões do então ministro da Economia, Sergio Massa. Meses depois, Massa foi derrotado nas urnas por Milei.

— O presidente Milei me agradeceu por tudo o que fiz no Brasil, hoje nosso principal sócio comercial — afirmou Scioli. Em sua decisão pesaram vários motivos, mas principalmente, comentaram fontes próximas ao secretário, os pessoais.

A ausência de um embaixador argentino no Brasil vai desequilibrar a balança, já que o governo Lula é representando em Buenos Aires pelo experiente embaixador Julio Bitelli. Juntos, Scioli e Bitelli coordenaram a visita da chanceler Mondino a Brasília, antes da posse de Milei, para preparar impedir que a relação bilateral entrasse em crise.

'Uma temporada perdida': Crise econômica esvazia um dos principais destinos turísticos da Argentina

Scioli também organizou a ida a Buenos Aires de uma grande missão empresarial em dezembro, que se reuniu com Milei após a posse. No Itamaraty, a contribuição de Scioli para melhorar o vínculo bilateral durante o governo do ex-presidente Jair Bolsonaro e após a vitória de Milei nas eleições de 2023 é considerado fundamental.

A saída do embaixador deverá impactar na intensidade da relação entre os dois países, que, no melhor dos cenários, estará baseada numa boa comunicação entre os Ministérios das Relações Exteriores. Semana passada, os chanceleres Mauro Vieira e Mondino se encontraram numa reunião no Paraguai e, segundo as mesmas fontes, estão em contato.

Em Brasília, fontes do governo Lula negaram preocupação pela partida de Scioli, mas admitiram que a relação bilateral, como já aconteceu em outras épocas, terá menor intensidade.