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Viuvez, estresse, parto prematuro: os desafios das gestantes ucranianas para dar à luz em meio à guerra

Cerca de 20% dos bebês nasceram prematuros em 2023, o dobro dos 10% antes da guerra; o número de nascimentos caiu pela metade no primeiro ano do conflito, que eclodiu em fevereiro de 2022

Agência O Globo - 31/01/2024
Viuvez, estresse, parto prematuro: os desafios das gestantes ucranianas para dar à luz em meio à guerra

Vestindo uma camisola rosa, que cobre a barriga redonda, Yana Lyakh não deixa de sorrir nem mesmo para contar uma história que para muitas mulheres seria traumática. A jovem ucraniana de 26 anos está grávida de oito meses, seu marido está lutando no front e sua cidade é incessantemente bombardeada por tropas russas. Em busca de um lugar seguro, semanas antes de data prevista para o parto ela procurou uma maternidade no município de Pokrovsk, na região de Donetsk, leste da Ucrânia.

— Estou aqui devido ao stress — disse à AFP em um quarto compartilhado com outras gestantes.

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Esta é a única maternidade em toda a bacia de Donbass, uma região industrial e operária no Leste do país, com uma unidade neonatal e incubadoras para bebês prematuros. Apesar dos alertas e bombardeios, a unidade não parou de funcionar desde a invasão russa, há quase dois anos.

A jovem vivia em Myrnograd, alguns quilômetros a leste, mais próxima ao front. Ela conta que a Rússia começou a bombardear as duas cidades no dia 6 de janeiro, o que deixou 11 mortos, incluindo cinco crianças. Assustada com os alertas de ataques aéreos e o risco que seu prédio fosse atingido, "corria do quinto andar até o térreo", explica.

— Por isso vim para cá. Lá, corria risco de um parto prematuro — argumenta.

20% de partos prematuros

Em outro leito, Katia Brendyuchkova, também aos oito meses de gestação, toma soro. Ela conta que está em risco de parto. Seu marido não é soldado, mas trabalha em uma mina de carvão em Pokrovsk. A cidade fica a 30 quilômetros de Avdiivka, uma localidade estratégica que os russos tentam tomar há meses e que fica situada na linha de frente do conflito.

Na maternidade de dois andares, algumas janelas estavam protegidas por sacos de areia. A unidade também transformou seu porão em abrigo antibombas e recorre a geradores de energia quando a eletricidade é cortada. Muitos obstetras e enfermeiras foram embora e os pacientes também reduziram, porque muitos habitantes deixaram a região.

Liubov Datsyk, diretora do departamento neonatal, conta que o número de nascimentos caiu de uma média de mil no ano anterior à guerra para 500 em 2022, e 622 em 2023. Cerca de 20% dos bebês nasceram prematuros em 2023, o dobro dos 10% antes da guerra. Os médicos não têm dúvidas de que a invasão russa é o principal motivo.

— O parto prematuro é causado por stress, o stress crônico. Nossas pacientes estão em uma espécie de zona cinza e toda a região de Donetsk é uma zona de guerra — explica Ivan Tsyganok, diretor da maternidade.

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O stress é agravado pelo fato de que os maridos da metade das gestantes estão no front, o que deixa as gestantes "preocupadas com seus maridos, com seus filhos", segundo Datsyk.

Viúvas grávidas

Os profissionais de saúde contam que há casos de pais mortos na guerra enquanto suas esposas estavam no hospital. Muitas vezes eles decidiram contar à mãe apenas após o parto, reconhece Datsyk. Caso contrário, a futura mãe "saberia que é viúva". Assim, a invasão russa paira sobre as crianças antes mesmo de nascerem.

— Quando temos filhos, queremos que tenham um futuro brilhante. Mas hoje nascem e há uma guerra — lamentou o diretor da maternidade à AFP.

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Lyakh planeja fazer o parto em Dnipro, uma grande cidade 150 quilômetros a oeste. Depois, ela e sua filha, que se chamará Sofia, se mudarão para a capital Kiev. Seu marido, de 23 anos, combate atualmente em Avdiivka para conter as forças russas. Uma vez por semana, ele a visita no hospital.

— Deveria ser transferido (para mais perto de Kiev), para que passássemos mais tempo juntos — explica Lyakh.

Brendyuchkova, que já tem uma filha de três anos, está assustada com os constantes bombardeios e quer ir embora:

— Quero ir para outro lugar, mas até agora, não há opção. Enquanto meu marido tiver um trabalho estável, ficaremos aqui.