Economia

Houve deterioração das contas públicas em 2023, ainda que superávit de 2022 tenha sido irreal, diz especialista

Governo teve déficit de R$ 230 bilhões em 2023

Agência O Globo - 30/01/2024
Houve deterioração das contas públicas em 2023, ainda que superávit de 2022 tenha sido irreal, diz especialista
Foto: Marcello Casal Jr/Agência Brasil

O pesquisador associado do FGV Ibre Guilherme Tinoco, especialista em contas públicas, afirma que o governo a necessidade de se cortar despesas para atingir o equilíbrio nas contas públicas vai se fazer necessário no debate, depois da estratégia do Ministério da Fazenda de propor o aumento de receitas.

O governo do presidente Luiz Inácio Lula da Silva fechou o primeiro ano do seu terceiro mandato com um rombo de R$ 230,5 bilhões nas contas púbicas, o equivalente a 2,12% do PIB. É o pior resultado desde 2020, ano da pandemia de Covid-19.

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O resultado do ano passado é também o segundo pior da série histórica do Tesouro Nacional, iniciada em 1997. Os dados divulgados ontem pelo Ministério da Fazenda também representam o maior rombo nas contas para um primeiro ano de mandato, seguindo essa comparação. Em 2022, houve um superávit de R$ 51,5 bilhões.

O gasto foi inflado pelo pagamento dos precatórios atrasados de anos anteriores. Sem contar esse gasto, o resultado foi negativo em R$ 138,1 bilhões (1,3% do PIB). Veja a seguir a análise de Tinoco, em entrevista ao GLOBO.

Qual a avaliação do senhor sobre o resultado das contas públicas em 2023?

Há três explicações para esse número. A primeira foi a perda de receita, primeiro com concessões, dividendos e royalties, mas também com queda importante da receita administrada (impostos). Segundo, elevação das despesas, que o governo eleito quis recompor. E a terceira perna foram os gastos extraordinários, sendo o precatório o maior deles.

O governo optou por rever os chamados gastos tributários. Essa ação é suficiente para conseguir equilibrar as contas públicas?

Num primeiro momento, há a estratégia de buscar arrecadação. Isso é válido. Mas, num segundo momento, a questão do corte de despesas vai aparecer. E isso pela própria regra do arcabouço fiscal, com os mínimos constitucionais pressionado determinadas rubricas de gastos. Tem a regra de aumento do salário mínimo. Esses fatores em conjunto já impõem um desafio dentro da própria despesa.

Os gastos com indexação própria vão corroer outras despesas?

Sim, espaço de investimento, outras (despesas) discricionárias, por exemplo. Há programas mais eficientes do que outros. O governo precisa tentar encontrar mais espaço dentro de programas que são menos eficientes. É uma agenda que já está sendo tocada, pelo Ministério do Planejamento, mas espera-se que em 2024 ela já comece a apresentar resultados. Revisão do número de beneficiários de alguns programas, por exemplo.

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O governo alega que houve pagamento de despesas herdadas do governo anterior, como precatórios e a reparação a estados e municípios. Qual a visão do senhor sobre essa justificativa?0

Faz sentido. No ano passado, apesar do superávit, houve vários fatores não recorrentes. Pelo lado da receita teve contribuição enorme da inflação. Muitos dividendos, porque o governo fez as companhias estatais distribuírem mais. E, no lado da despesa, houve pontas soltas, como aumentar o Bolsa Família mas sem prever o aumento no Orçamento.

Seria difícil um governo eleito reduzir esse gastos, sendo que foi promessa de campanha dos dois candidatos. A desoneração dos combustíveis, também, que foi recomposta ao longo do ano. O superávit de 2022 foi irreal. Mas, mesmo assim, houve deterioração das contas públicas em 2023. Em parte pela decisão do governo eleito de fazer uma recomposição das despesas e aumentar gastos sociais.

E para 2024. Mudar a meta de déficit é inevitável?

Ficou muito ambiciosa, difícil de conseguir. Mas acho que o governo tem que manter a meta e fazer os contingenciamentos necessários. Isso passa credibilidade, a regra foi colocada há menos de um ano. Foi pactuada assim. Acharia negativa uma mudança, embora seja difícil de cumprir. A gente vê o esforço da Fazenda para fechar as contas e tem que continuar nessa direção.