Internacional

Agricultores que fazem cerco a Paris se opõem a acordo UE-Mercosul; entenda

Setor produtivo europeu considera que entrada de produtos sul-americanos com taxas reduzidas prejudicaria a cadeia produtiva

Agência O Globo - 29/01/2024
Agricultores que fazem cerco a Paris se opõem a acordo UE-Mercosul; entenda

O bloqueio das principais estradas da França que chegam a Paris, convocado por produtores rurais, é o ápice de uma disputa de 11 dias entre o governo e representantes da categoria, que cobram medidas práticas para auxiliar o setor e tornar a produção menos custosa e mais competitiva. No cerne das pautas apresentadas pelos produtores, ao menos uma delas tem ligação com a política internacional: o acordo União Europeia-Mercosul.

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A negociação entre os blocos europeu e sul-americano se arrasta desde 1999, com a pressão dos setores agrícolas europeus — em grande parte, o francês — sendo apontada como analistas como um dos fatores-chave para nunca ter sido assinado. Enquanto os produtores europeus exigem de seus governos vantagens competitivas para suportar a entrada da produção estrangeira no bloco, os negociadores americanos denunciam as práticas como barreiras protecionistas, que prejudicariam os setores mais competitivos de países como Brasil, Argentina e Uruguai.

O impasse foi o principal ponto de discussão entre o governo brasileiro e o bloco europeu no ano passado, quando o presidente Luiz Inácio Lula da Silva pressionou seus sócios sul-americanos a não assinar os termos de uma side letter — espécie de adendo — proposta pelos europeus, para impor punição aos países que não cumprissem os termos do Acordo de Paris. Na época, Lula culpou os franceses pela cláusula, classificou os termos como "inaceitáveis" e disse que nem mesmo os países europeus cumpriam as metas do acordo sobre redução de emissão de carbono.

— Estou doido para fazer um acordo com a UE, mas não é possível. A carta adicional que foi feita pela UE não permite que se faça um acordo — disse Lula, durante um discurso na Cúpula para um Novo Pacto Financeiro Global, em Paris, em junho do ano passado. — Não é possível que a gente tenha uma parceria estratégica e haja uma carta adicional fazendo ameaça a um parceiro estratégico. Como vamos resolver isso?

O setor agrícola é culturalmente importante na França, embora o seu peso no PIB tenha caído drasticamente: de 18,1% em 1949, no período de reconstrução após a Segunda Guerra Mundial, para 2,1% em 2022, segundo dados oficiais. Apesar da queda de representatividade, ainda exerce influência importante na política interna e regional.

Em meio aos protestos, uma série de atores declararam apoio aos produtores. Na manhã desta segunda-feira, o Greenpeace exibiu uma faixa na Pont de la Concorde, em Paris, com o slogan: "Apoio aos agricultores. Parem os acordos de livre comércio". O eurodeputado de extrema direita Jordan Bardella apelou ao presidente Emmanuel Macron para defender, ante a presidente da Comissão Europeia, Ursula von der Leyen, os agricultores franceses contra os "carros alemães" nesta negociação — em uma alegoria da oposição entre os interesses dos agropecuaristas e industriais dentro do bloco. Macron tem um encontro marcado com Lula, no Brasil, em março.

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O Gabinete de Macron tenta apresentar resposta às demandas internas. O premier Gabriel Attal anunciou uma série de medidas, como a eliminação do aumento da taxa do diesel para uso não agrícola e a ajuda a setores em crise. Ele também garantiu que não aprovaria a assinatura do acordo comercial negociado desde 1999 entre a UE e o Mercosul, mas os sindicatos consideraram as medidas insuficentes, e a pressão permaneceu. O ministro da Agricultura, Marc Fesneau, indicou na que novas medidas estão previstas para ser anunciadas "em 48 horas".

O setor agrícola encampa batalhas similares em toda a Europa. Países como Alemanha, Polônia e Romênia enfrentam questionamentos, enquanto agricultores da Bélgica bloquearam uma importante rodovia no domingo, usando tratores, para apelar a mudanças na Política Agrícola Comum europeia (PAC). O setor produtivo na Espanha já anunciou protestos a partir da próxima semana. (Com AFP e Bloomberg).