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'Madrinha da cocaína': Conheça Griselda Blanco, narcotraficante mentora de Pablo Escobar que é tema de minissérie

Colombiana deixou como legado a rota entre o país sul-americano os EUA e o método de execução sobre duas rodas; foram mais de 200 assassinatos em quase duas décadas

Agência O Globo - 23/01/2024
'Madrinha da cocaína': Conheça Griselda Blanco, narcotraficante mentora de Pablo Escobar que é tema de minissérie
'Madrinha da cocaína': Conheça Griselda Blanco, - Foto: reprodução

Um dos maiores e mais temidos traficantes de toda a história da América Latina é uma mulher. Griselda Blanco Repestro foi, por quase duas décadas, a principal referência no cartel de cocaína dos Estados Unidos, erguendo um império em Nova York e Miami. Acumulou uma horda de inimigos, uma pilha de corpos, fortunas e experiência suficiente para orientar o famoso narcotraficante, Pablo Escobar. Sua história já rendeu filmes, documentários e livros, e volta a ser contada na minissérie "Griselda", da Netflix, que estreia na quinta-feira. A traficante será interpretada pela atriz colombiana Sofía Vergara.

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Blanco nasceu em 15 de fevereiro de 1943, em Cartagena, na Colômbia, mas instalou-se em Medellín com a família quando ainda era bebê. Filha de mãe solo, cresceu em uma sociedade completamente hostil: nas décadas de 1940 e 1950, o país vivia um contexto de pobreza e extrema violência (conhecido como “La violencia”), provocada por uma guerra civil “aberta e irrestrita” entre o partido liberal e o conservador, com efeitos não somente nas áreas urbanas, mas também no campo, explica Elizabeth Dickinson, analista sênior para a Colômbia do International Crisis Group.

— Certamente suas ações [futuras] não foram isoladas. Elas ocorreram no laboratório de violência que era a Colômbia na época. — diz.

Há muitas versões sobre os eventos que ocorreram no passado da traficante. Muitos, por exemplo, contam que Blanco teria cometido seu primeiro assassinato com apenas 11 anos. A vítima seria um menino de 10 anos, de família rica. O caso, porém, nunca pôde ser confirmado, principalmente por conta da instabilidade do período, que teria comprometido possíveis registros. Ela também teria fugido de casa quando tinha entre 13 e 14 anos, após ter sido vítima de uma tentativa de abuso por parte de seu padrasto. Na rua, começou a praticar pequenos furtos e a se prostituir. Foi nesse contexto que conheceu seu primeiro marido, Carlos Trujillo, pai de seus três primeiros filhos — Dixon, Uber e Osvaldo.

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Trujillo era mais velho do que Blanco e teria sido uma das peças-chaves para a guinada e transformação na vida da jovem. Tirando vantagens da crise e instabilidade no país, ele operava uma rede de tráfico humano e falsificação de documentos, facilitando a imigração ilegal de muitos colombianos ansiosos para deixar sua terra e se instalar nos EUA. Durante seu relacionamento, ele treinou Blanco, ensinando-lhe os trâmites e as habilidades necessárias para participar de seus negócios.

O império nova iorquino

O conhecimento, a experiência e os contatos com pilotos e funcionários, responsáveis pelas movimentações ilegais, feitos durante sua participação na rede de tráfico humano foram essenciais para que Blanco, no futuro, pudesse erguer seu império da cocaína e acumular uma fortuna de pelo menos US$ 2 bilhões. Mas, na visão de Elaine Carey, autora do livro "Women Drug Traffickers: Mules, Bosses, and Organized Crime" (2014), o diferencial da traficante estava mesmo na sua inteligência. O salto de uma educação rudimentar para a consolidação mais à frente de um cartel em Nova York seria a prova disso.

Blanco instalou-se no Queens com a família nos anos de 1960. Na época, ainda trabalhava na área de Trujillo, mas queria mudar o foco dos negócios para a cocaína, algo que o marido não concordava. Para Dickinson, esse teria sido um dos seus principais legados: “entender que a droga tinha potencial para explodir em escala e quantidade de dinheiro que circularia", observa. A oportunidade para a mudança surgiu com a morte de Trujillo, em 1970. Dizem que Blanco teria sido a responsável pelo evento, mas não há evidências que comprovem. Ao que tudo indica, o homem foi vítima de cirrose. Verdade ou não, a coincidência ajudou aos poucos a construir um dos muitos títulos que receberia ao longo da sua vida: o de Viúva Negra.

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A introdução no mercado de cocaína veio com seu segundo marido, Alberto Bravo, que conheceu ainda em Nova York. Aplicando o modelo e o dinheiro feito com o tráfico humano, Blanco passou a investir no novo negócio. Especializou-se como distribuidora e, ao longo dos anos, mostrou uma habilidade excelente para logística. Em 1973, por exemplo, abriu uma empresa de lingerie, com bolsos e compartimentos para facilitar a entrada da droga no país com as “mulas” (pessoas usadas para transportar drogas), uma de suas inovações no cartel. Segundo estimativas das autoridades, a organização de Blanco chegou a enviar aos Estados Unidos uma tonelada e meia de cocaína por mês.

— Tem uma frase famosa que diz "Nova York: se você consegue fazer aqui, você consegue fazê-lo em qualquer lugar." — lembra Carey. — Ela fez seu nome no estado e por isso era tão poderosa no crime organizado.

Entrou na mira da investigação ainda no início dos anos 1970, sendo acusada em 1975. Para escapar, voltou à Colômbia. Bravo acabou morto na capital do país, no mesmo ano. Sua morte também foi atribuída à ela, embora sem comprovações. Ainda no país, engatou seu terceiro casamento com Darío Sepúlveda, pai de seu quarto filho, Michael Corleone, batizado em homenagem ao protagonista da franquia de filmes "O poderoso chefão" (1972), longa pelo qual a traficante não escondia sua paixão. A relação, porém, também durou pouco. Em 1983, Sepúlveda foi morto — corroborando mais uma vez para a narrativa de suposto assassinato contra seus companheiros e reputação de “Viúva Negra”.

A experiência com a falsificação de documentos acabou mostrando-se necessária. Carey conta que as autoridades americanas tinham dificuldades para localizá-la por conta das suas inúmeras identidades. Blanco voltaria aos EUA apenas no fim da década, mas não para Nova York. Reconstruiria a vida novamente, partindo para seu segundo império: Miami.

'Madrinha da Cocaína'

Nova York acabou funcionando como o grande elefante branco. Com todos os olhos e ouvidos voltados para o estado, Miami tornou-se um lugar mais fácil para se esconder das autoridades. Blanco chegou à cidade ainda no início da década de 1980, período que ficaria marcado por um banho de sangue causado pela guerra instaurada entre as diferentes facções, que desejavam o poder na região. Ainda que seu império fosse em Nova York, foi na Flórida que Blanco se consagrou — construindo uma reputação violenta, cruel e assassina, que a marcaria para o resto da História.

O primeiro ponto de inovação ocorre com a criação de uma nova rota para transportar o produto. Blanco conseguia fazer a cocaína circular da Colômbia para a Miami, caminho posteriormente herdado por Escobar, seu pupilo. Por isso, "Madrinha" ou "Rainha da Cocaína": atribuem à ela o êxito da entrada do narcótico em Miami, cidade conhecida por ter sido "construída pela coca", lembra Carey. A segunda revolução implementada teria sido a associação do tráfico de drogas à violência. Blanco usava a intimidação para expandir seu negócio e muitos afirmam que os assassinatos em motocicletas (um pilota e o outro atira) teriam sido sua invenção.

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— Esse é um legado que ainda não foi superado na Colômbia e no mundo todo. — destaca Dickson, salientando que, apesar de seus sucessores elevarem a violência a outro nível, “ela foi uma das pioneiras” no ramo.

Apesar da intensidade desses anos, ficou pouco tempo na Flórida. Fugindo novamente da polícia, mudou-se mais uma vez, rumo à Califórnia. Viveu sob o pseudônimo de Lucrecia Adarmez, uma dona de casa venezuelana. Desacelerou o ritmo dentro do cartel, mas ainda atuava como distribuidora.

Gênero como aliado

Blanco foi presa pela primeira vez em 1985, na Califórnia, em um caso iniciado no Distrito Sul de Nova York, sob acusação de fabricar, importar e distribuir drogas. Foi sentenciada a 15 anos de prisão, e passou a cumprir a pena em uma prisão californiana. Mas, até esse desfecho, passaram-se anos até que finalmente fosse pega. Para a jornalista investigativa Deborah Bonello, autora do livro “NARCAS: The Secret Rise of Women in Latin America’s Cartels” (2023), o fato de ser mulher teria causado boa parte da dificuldade.

As autoridades, diz, tendem a ver as mulheres como menos suspeitas, inocentes, e, consequentemente, acabam prestando menos atenção nelas. Por isso, a “Rainha da Cocaína” (e tantas outras que trabalharam no crime organizado) fez da invisibilidade uma vantagem: Bonello explica que a traficante tinha funcionárias em todos os escalões da sua organização, além de usar espaços considerados femininos, como salões de beleza, para fazer negócios.

— Como esses espaços eram exclusivos para mulheres, era muito difícil para a polícia entrar neles. Também eram espaços vistos como inocentes pela polícia. — destaca. — Não era lá que as autoridades procuravam para rastrear narcóticos transnacionais.

Na perspectiva de gênero, também a violência teria sido indispensável para que Blanco pudesse estabelecer-se em um mercado dominado por homens. Mesmo Pablo Escobar teria dito que “um dos homens que mais tinha medo era Griselda Blanco”. Foram mais de 200 vítimas, muitas delas assassinadas à luz do dia. Também aqui, pioneira: ao trazer “novos níveis de violência e domínio” para uma mulher, reescrevia um novo papel para aquelas que, apesar de estarem no comércio ilegal desde os anos 1920 e 1930, eram descritas sob uma ótica masculina, aponta a jornalista.

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Enquanto cumpria pena, a Justiça de Miami corria para construir uma segunda acusação, dessa vez por três assassinatos. As investigações baseavam-se no seu principal assassino de aluguel, Jorge Ayala. Em 1994, ela foi transferida para o condado de Miami-Dade, onde responderia pelos crimes. Para sua sorte, a medida não foi adiante: Ayala, testemunha chave do caso, acabou envolvido em um escândalo sexual com três secretárias do gabinete da procuradora-geral Katherine Fernandez Rundle, levando a mandatária a fazer um acordo com Blanco. Quatro anos depois, viria confessar os assassinatos e crimes menores, passando a cumprir as duas penas simultaneamente. Ficou quase 20 anos atrás das grades, até que foi libertada em 2004, com 61 anos, e deportada imediatamente para a Colômbia.

Voltou para Medellín, o início de tudo, para encerrar sua história. Manteve algumas propriedades, que planejava vender, para ter alguma renda ao longo da vida. Diferente do luxo e da extravagância que a rodeou nos últimos anos, levou o restante da vida sem pompa, segundo seus familiares, e teria cortado laços com o cartel de cocaína. Perdeu dois filhos enquanto estava viva e o terceiro morreu pouco depois, restando apenas Corleone. Foram oito anos de liberdade, até o dia de sua morte. Foi assassinada quando saía de um açougue. Estava acompanhada de uma jovem grávida, quando dois homens em uma moto atiraram. Blanco chegou a ser levada para o pronto-socorro, mas não resistiu.

Colombianas de fibra

A história de Blanco chegará ao streaming da Netflix nesta quinta-feira, na série "Griselda", dos mesmos criadores de diretores de "Narcos" (2015) e "Narcos: México" (2018). A minissérie contará com seis episódios, cada um com uma hora de duração. A "Madrinha" será interpretada pela atriz Sofía Vergara, que também atua como produtora executiva. Vergara, que também é colombiana, conheceu a história de Blanco por acaso. Apesar de terem nascido no mesmo país, a atriz contou à Netflix que nunca tinha ouvido falar na traficante de drogas.

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— Me vi interpretando esse papel por ele retratar uma colombiana de fibra — relatou.

O processo de pesquisa e imersão na personagem foi vagaroso, estendendo-se por quase dez anos. Por isso, na concepção de Vergara, Blanco foi uma personalidade complexa e cheia de nuances. Mulher, mãe e traficante, a "Rainha da Cocaína" fez tudo o que podia para conquistar mais poder, mas também para cuidar dos filhos.

— Isso é algo que toda mulher, especialmente as que são mães, são capazes de compreender, entendendo ou não como ela lidou com a situação. No mundo dela, ela fez o que sabia. — disse a atriz colombiana, acrescentando: — No fundo, só a Griselda de verdade poderia nos contar os motivos de cada um de seus atos.