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Divisões dentro de Gabinete de guerra de Israel vêm à tona e põem em xeque Netanyahu e ofensiva em Gaza

Pressões internas na sociedade israelense também mostram fraturas em unidade em torno da reação ao Hamas após ataques de 7 de outubro

Agência O Globo - 19/01/2024
Divisões dentro de Gabinete de guerra de Israel vêm à tona e põem em xeque Netanyahu e ofensiva em Gaza
Netanyahu

Após a guerra em Gaza passar dos cem dias, as divergência entre integrantes do governo de crise de Israel — convocado pelo premier Benjamin Netanyahu na tentativa de unificar a resposta do país após o ataque terrorista do Hamas de 7 de outubro — começaram a vir a público. Sinais partindo de membros do Gabinete e da oposição apontam para um desgaste acentuado na cúpula israelense, indicando um possível rompimento diante da incapacidade da operação militar em atingir os dois principais objetivos definidos no começo da guerra: a aniquilação do grupo fundamentalista islâmico palestino e o resgate dos reféns capturados por ele.

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Em uma entrevista a um canal de TV na quinta-feira, o general Gadi Eisenkot, que atua como observador no Gabinete de guerra israelense, disse que Netanyahu tinha responsabilidade “nítida e clara” pelo fracasso do país em proteger seus cidadãos em 7 de outubro e ecoou a reivindicação da oposição por eleições antecipadas, pedindo que sejam convocadas nos próximos meses. Também declarou que o governo não era verdadeiro com a população sobre sua ofensiva contra o Hamas.

— Será necessário, dentro de alguns meses, realizar eleições e fazer com que o eleitor israelense volte às urnas para renovar a confiança porque, agora, não há confiança nenhuma — afirmou o centrista.

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Ele também afirmou que seria impossível resgatar os reféns com vida sem que um novo período de trégua fosse estabelecido — algo que vai de encontro à abordagem defendida pelo premier e integrantes da ala mais radical de seu governo, que repetidamente apontam que um cessar-fogo, mesmo temporário, beneficiaria o inimigo palestino.

— Devemos ter coragem de dizer que é impossível que os reféns retornem com vida sem um acordo, bem como uma significativa pausa nos combates — disse Eisenkot diante das câmeras. — [Dizer que os reféns podem ser resgatados] é disseminar uma ilusão.

Chefe do Estado-Maior militar reformado, o depoimento do general foi considerado simbólico por duas razões: a primeira, porque ele e seu oposicionista partido de União Nacional, liderado por Benny Gantz, uniram-se à coalizão governista para atender ao pedido de união de Netanyahu. Seus comentários, portanto, poderiam indicar um cansaço por parte daqueles que, em um primeiro momento, mostraram-se abertos a superar diferenças e seguir um objetivo comum. Outro fator com peso adicional é o fato de Eisenkot ter perdido o próprio filho, de 25 anos, na guerra em Gaza.

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Fissuras

Gantz e Netanyahu são membros com direito a voto no Gabinete de guerra, conjuntamente com Yoav Gallant, o ministro da Defesa do partido governista Likud, do premier. O aliado político mais próximo de Netanyahu, o ministro de assuntos estratégicos Ron Dermer, é outro observador.

Mas o grupo tem mostrado fissuras. Citando três pessoas que acompanham a relação, o jornal Financial Times afirma que Netanyahu e Gallant mal se falam, e entrevistas coletivas conjuntas com os dois e Gantz, que ocorreram no primeiro mês de conflito, pararam. Questionado sobre o relacionamento com Netanyahu, o escritório de Gallant disse que ele estava “centrado em garantir a segurança de Israel. Unidade na sociedade e governo israelenses é essencial para nossa vitória nessa guerra".

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Os dois já tinham tido divergências antes. Em abril do ano passado, Netanyahu destituiu brevemente Gallant antes de devolvê-lo ao cargo durante protestos em massa contra uma controversa reforma judicial, cuja principal disposição foi invalidada pela Suprema Corte no início deste ano. A relação entre Netanyahu e Gantz é esgarçada pela experiência de terem governado juntos em 2020. A coligação ruiu de forma amarga depois que Netanyahu rompeu o acordo antes que Gantz pudesse sucedê-lo como primeiro-ministro.

A deterioração nas relações cresce com o aumento da pressão popular à medida que a ofensiva continua, deixando mais de 24 mil palestinos mortos — de acordo com o Ministério da Saúde do Hamas —, e os reféns não são resgatados em segurança. Em novembro do ano passado, o Hamas libertou mais de 100 dos cerca de 240 reféns israelenses e estrangeiros sequestrados em outubro durante uma breve janela de paz mediada pelo Catar, que envolveu a soltura de presos palestinos sob custódia do Estado judeu. Estima-se que 132 reféns permaneçam em Gaza, com cerca de 107 ainda vivos, segundo a rede americana CNN.

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— Apenas uma pressão militar contínua levará à libertação [dos reféns] — disse Netanyahu na quinta-feira. — Interromper a guerra antes de alcançar nossos objetivos prejudicará a segurança de Israel por gerações.

Mas enquanto o governo insiste que apenas pela via militar os reféns voltarão para casa, protestos públicos ganham corpo, com familiares das vítimas questionando se a operação militar, longe de ajudar em seu retorno seguro para casa, os coloca em um risco maior.

— As pessoas estão morrendo em cativeiro, e queremos nossos entes queridos de volta e vivos, e a responsabilidade é apenas sua — disse ao governo Shir Siegel, cujo pai Keith é refém, em uma entrevista coletiva.

A popularidade do Likud e da maioria de sua coalizão caiu nas pesquisas desde o ataque do Hamas, e o Partido de União Nacional de Gantz agora lidera por ampla margem. O sinal de corrosão do apoio popular fez com que dois grandes jornais israelenses, o The Jerusalem Post e o Haaretz, publicassem que a chance de uma eleição para substituir o governo deveria ser antecipada para 2024.

Questionado se confiava em Netanyahu, Eisenkot fez uma pausa antes de responder:

— Hoje, confio no coletivo, no Gabinete conjunto que tomará decisões — afirmou. — Já cheguei a um ponto e a uma idade em que não confio nesse ou naquele líder de olhos fechados, e julgo um homem por suas decisões e pela forma como lidera o país.

Plano pós-guerra

Outro ponto contencioso, segundo o Financial Times, é a falta de um plano para o pós-guerra em Gaza, apesar dos pedidos de planejamento dos EUA, governos árabes e do establishment de segurança israelense. Na avaliação de autoridades israelenses e americanas, as preocupações de política doméstica fazem com que Netanyahu evite discutir a questão. Gallant juntou-se às críticas na segunda-feira, indiretamente chamando atenção do premier israelense para sua "indecisão política".

A coalizão de extrema direita do primeiro-ministro rejeita qualquer papel para a Autoridade Nacional Palestina, que controla a Cisjordânia ocupada, em uma Gaza pós-guerra. Estados árabes trabalham em uma iniciativa para garantir um cessar-fogo e a libertação dos reféns em Gaza como parte de um plano mais amplo que poderia oferecer a Israel uma normalização de relações se o país concordar com passos "irreversíveis" para a criação de um Estado palestino.

Mas Netanyahu rejeitou tal possibilidade na quinta, afirmando que consistentemente se opõe a um Estado palestino e que Israel manteria o "controle de segurança sobre todo o território" destinado a um.

— Disse esta verdade aos nossos amigos, os americanos, e também bloqueie a tentativa de impor uma realidade que prejudicaria a segurança israelense — afirmou. — O primeiro-ministro tem de ser capaz de dizer não, mesmo que para nossos melhores amigos.

A oposição a Netanyahu também faz prognósticos em cima do momento, considerado de fraqueza. Em uma entrevista na semana passada, um funcionário graduado de um dos partidos da oposição afirmou que "os americanos perceberam que o primeiro-ministro Benjamin Netanyahu está incapacitado por causa da situação política em que se encontra”, indicando que o premier estaria pautando suas decisões com base no risco para seu capital político. (Com New York Times)