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Capacidade militar do Irã em ataques a vizinhos surpreende Ocidente, que reavalia opções para potencial confronto direto

Produção de mísseis por Teerã aumentou nos últimos 15 anos, à medida que o país aprimorou significativamente a tecnologia de precisão, orientação e aerodinâmica das armas

Agência O Globo - 19/01/2024
Capacidade militar do Irã em ataques a vizinhos surpreende Ocidente, que reavalia opções para potencial confronto direto

Quando o Irã bombardeou o Iraque, a Síria e o Paquistão esta semana, ele não estava apenas exibindo o alcance e a sofisticação de alguns de seus mais novos mísseis, mas também fazendo uma declaração: de que começa agora uma nova era em que Teerã pode testar suas capacidades militares à vontade e, como benefício adicional, reforçar suas credenciais como um importante fornecedor de armas.

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Em pelo menos um dos ataques — no qual Teerã alegou ter como alvo o grupo terrorista Estado Islâmico em Idlib, na Síria —, o Irã pareceu fazer uso de um de seus mísseis mais avançados e de maior alcance, o Kheibar Shekan. Tanto o alcance quanto a aparente precisão chamaram a atenção de autoridades de segurança nacional na Europa e em Israel, bem como de especialistas externos que acompanham os avanços tecnológicos iranianos.

A combinação de seus mais novos mísseis e sua frota de drones, que a Rússia vem comprando aos milhares para uso na Ucrânia, ajudou o Irã a se tornar o produtor de alguns dos armamentos mais sofisticados do Oriente Médio. E a disposição de Teerã de intervir em disputas de terceiros — como fornecedor de armas e munições para suas forças de procuração na região e para Moscou — pode complicar os cálculos dos EUA, já que o Pentágono precisa ter em conta a possibilidade de o crescente conflito no Oriente Médio talvez levar a um confronto direto com o Irã.

Os planos dos EUA para conter o Irã foram construídos há muito tempo com base na suposição de que a capacidade bélica de Teerã além de suas fronteiras era limitada.

Seus mísseis eram de precisão duvidosa e seu programa de drones ainda era novo. Suas armas mais potentes contra os EUA e seus aliados ocidentais eram, em grande parte, armas cibernéticas. Mesmo assim, apesar de ter desferido alguns golpes — hackeando, por exemplo, o Sands Casino, que sofreu um prejuízo de US$ 40 milhões em 2014 — a ameaça global representada pelo Irã ficou em segundo plano em relação à China e à Rússia.

Mas a habilidade do Irã de produzir drones aos milhares pegou muitas autoridades de surpresa. Agora, essa capacidade está forçando o Ocidente a repensar suas defesas e respostas.

Guerra ampla

Mark Esper, que foi um dos secretários de Defesa do presidente Donald Trump, observou na quarta-feira que "o Irã está fornecendo, apoiando, estimulando e financiando todas essas atividades" que perturbaram a vida no Oriente Médio e além, incluindo os ataques sucessivos dos houthis no Mar Vermelho.

— Temos que nos reunir com as democracias ocidentais e os Estados árabes, muito francamente, e elaborar um plano para lidar com o Irã e interromper esses fluxos — disse Esper à CNN.

O risco para a região e para o mundo é que as ofensivas desencadeiem uma guerra mais ampla. Depois que o Irã lançou um ataque de drones contra o que disse ser um grupo terrorista no Paquistão na terça-feira, Islamabad declarou nesta quinta que havia retaliado com lançamentos de mísseis contra extremistas no Irã.

Diplomatas e especialistas concordam que a disposição do Irã em disparar saraivadas de mísseis contra seus adversários é, em parte, um protesto e uma advertência, mas também um argumento de venda para futuros clientes. Seu míssil comum, do tipo vendido para os rebeldes houthi no Iêmen ou para o Hezbollah no Líbano, pode ser combinado com drones para sobrecarregar as defesas aéreas. Mas o Kheibar Shekan pode atacar mais longe e com mais precisão do que qualquer coisa que os iranianos tenham usado no passado.

Revelado em 2022, o Kheibar Shekan é um míssil de propulsão sólida guiado com precisão que tem um alcance de 1.450 km — o que significa que pode atingir Israel. Mas o que o diferencia do restante do arsenal do Irã é que sua ogiva é capaz de manobrar agilmente com pequenas barbatanas aerodinâmicas para escapar de pelo menos alguns sistemas tradicionais de defesa aérea.

O uso do míssil, quando foi lançado pela primeira vez e novamente nesta semana, sugere que se trata de um projeto preferencial da Guarda Revolucionária do Irã, um ramo das Forças Armadas do país que está desenvolvendo mísseis separadamente, mas em paralelo, a um programa administrado pelo Ministério da Defesa iraniano.

A decisão de usar o Kheibar Shekan esta semana na Síria, quando um míssil menos sofisticado teria sido igualmente eficaz, é vista como um sinal de que o Irã pode estar mais interessado em demonstrar seu poder ao Ocidente do que em retaliar um grupo terrorista.

— Foi muito interessante ver esse sistema sendo usado — disse Fabian Hinz, especialista em mísseis, drones e Oriente Médio do Instituto Internacional de Estudos Estratégicos (IISS, na sigla original) em Londres. — Há uma dúvida se eles podem ter escolhido o local para testar um de seus mísseis mais avançados em condições de combate ou enviar uma mensagem a Israel ou, possivelmente, fazer as duas coisas.

No total, o Irã tem mais de 3 mil mísseis balísticos em seu arsenal e está aumentando constantemente seu estoque de mísseis de cruzeiro, de acordo com estimativas militares e de inteligência dos EUA. No ano passado, o Irã planejou gastar 41% de seu orçamento militar em desenvolvimento e produção de armas, segundo o Centro de Políticas dos Emirados Árabes Unidos, uma organização de pesquisa com sede em Abu Dhabi. Em comparação, suas principais armas de combate, tanques e aeronaves, são em grande parte consideradas antigas ou obsoletas.

A produção de mísseis do Irã aumentou nos últimos 15 anos, à medida que o país aprimorou significativamente a tecnologia de precisão, orientação e aerodinâmica das armas.

Nas últimas semanas, segundo Hinz e funcionários da Inteligência dos EUA, o Irã e a Rússia parecem ter se aproximado de um acordo que expandirá seus negócios sobre o fornecimento iraniano de drones para incluir também mísseis balísticos. Isso pode ser decisivo no campo de batalha na Ucrânia, onde os russos adotaram nas últimas semanas uma estratégia de tentar sobrecarregar as defesas aéreas fornecidas pelo Ocidente, lançando barragens de mísseis em grandes cidades, áreas industriais e portos ucranianos.

Hinz afirma que é mais difícil saber com precisão quais mísseis o Irã forneceu aos parceiros do Hezbollah, que são notoriamente reservados quanto às suas capacidades. Mas o Kheibar Shekan — ou pelo menos uma cópia exata dele — foi exibido pelos houthis no Iêmen.