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'General inverno' é fator de risco para a Ucrânia em meio ao aumento dos ataques aéreos russos

Segundo especialistas, Moscou se aproveita das baixas temperaturas para tentar sufocar a população das principais cidades ucranianas, atingindo infraestruturas estratégicas de abastecimento de energia elétrica

Agência O Globo - 18/01/2024
'General inverno' é fator de risco para a Ucrânia em meio ao aumento dos ataques aéreos russos
'General inverno' é fator de risco para a Ucrânia em meio ao aumento dos ataques aéreos russos - Foto: Reprodução

Os presidentes da França, Emmanuel Macron, e da Ucrânia, Volodymyr Zelensky, conversaram nesta quinta-feira sobre a "necessidade de fortalecer ainda mais a defesa aérea" das forças de Kiev, após os intensos bombardeios russos das últimas semanas. Segundo especialistas, Moscou tenta sufocar a população das principais cidades ucranianas e desgastar os sistemas antimíssil do país para atingir infraestruturas estratégicas de abastecimento de energia elétrica em meio ao rigoroso inverno do Hemisfério Norte.

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"Discutimos em detalhes a situação no campo de batalha, as necessidades prioritárias de defesa da Ucrânia, incluindo itens para o próximo pacote de ajuda militar da França, e a necessidade de fortalecer ainda mais a defesa aérea do país", disse Zelensky na rede social X (antigo Twitter) após o anúncio de lançamento de uma coalizão de 23 países para facilitar o fornecimento de artilharia a Kiev.

A Rússia disparou cerca de 300 mísseis e 200 drones explosivos Shahed em dois ataques, em 29 de dezembro e na madrugada de 1º para 2 de janeiro, que causaram a morte de cerca de 50 pessoas, segundo o presidente ucraniano. Na semana passada, uma nova onda de ataques russos matou quatro pessoas e deixou outras 45 feridas na Ucrânia, disseram as autoridades.

Os mísseis russos atingiram um shopping center e prédios altos em Kryvyi Rig, cidade natal de Zelensky, matando uma pessoa, segundo o vice-chefe do Gabinete da Presidência, Oleksiy Kuleba. Outro ataque com míssil na região ocidental de Khmelnytsky matou duas pessoas, enquanto uma idosa morreu depois de ser retirada dos escombros de sua casa na região de Kharkiv. O Kremlin, como de costume, afirmou que atingiu apenas “alvos militares”.

Defesa antiaérea posta à prova

Segundo Zelensky, cidades ucranianas são alvo de bombardeios russos quase todas as noites. Nesta quinta, Moscou disparou 33 drones contra a Ucrânia, assim como mísseis teleguiados contra a cidade de Kharkiv, no leste, informou o Exército ucraniano. A defesa antiaérea derrubou 22 desses drones, segundo a mesma fonte, acrescentando que as forças russas dispararam dois mísseis antiaéreos guiados S-300 da região fronteiriça de Belgorod.

Kiev tem alertado que precisa de apoio contínuo para manter seus sistemas de defesa aérea em meio à escalada dos ataques russos.

“Para a Ucrânia, talvez as maiores dificuldades incluam não apenas o frio relativo, mas a infraestrutura de energia danificada do país”, escreveu Marina Miron, especialista em estudos de guerra do King's College de Londres, em artigo publicado no site The Conversation. “Isso pode ter um impacto profundo nas operações militares, pois, por exemplo, a falta de eletricidade pode prejudicar tudo, desde as comunicações até a capacidade operacional dos hospitais de campanha.”

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É por isso que, segundo a especialista, “Zelensky enfatizou a necessidade de instalar mais defesas aéreas para evitar que os russos destruam a rede de energia da Ucrânia”.

Segundo Mick Ryan, pesquisador associado do Centro de Estudos Estratégicos e Internacionais, com sede em Washington, um dos primeiros objetivos do Kremlin é "pôr à prova" a defesa antiaérea ucraniana, que aumentou sua potência graças ao sistema Patriot americano e a seu equivalente franco-italiano, SAMP/T MAMBA.

A Rússia tem a esperança de que "a Ucrânia fique sem interceptores antes de que a Rússia fique sem mísseis e drones", disse Ryan, um general australiano reformado, na rede social X (antigo Twitter).

Vontade nacional

Se a infraestrutura de energia for protegida, o lado ucraniano afirma que não prevê nenhuma dificuldade durante a guerra, uma vez que tanto a Ucrânia quanto a Rússia estão acostumadas ao inverno, afirmou o chefe da inteligência militar de Kiev, Kyrylo Budanov.

Embora a chuva e a neve possam impedir a mobilidade de máquinas pesadas, como tanques, as forças ucranianas estão se movendo principalmente a pé, com grupos de até 15 soldados de infantaria, sem equipamentos pesados, razão pela qual “o clima terá pouco efeito sobre suas operações”, explicou o comandante das Forças Armadas da Ucrânia da Frente Sul, Alexander Tarnavsky.

No entanto, alguns analistas acreditam que o inverno é um teste para a vontade nacional dos ucranianos. No país, o fervor patriótico dos primeiros meses após o início da invasão russa, em 24 de fevereiro de 2022, quando os homens se alistaram como voluntários, diminuiu. Cada vez mais, testemunhos de homens que se opõem à luta estão aparecendo na imprensa.

Zelensky propôs, em dezembro, a mobilização de "entre 450 mil e 500 mil soldados adicionais" para compensar as pesadas perdas do Exército ucraniano e lidar com os 600 mil soldados russos posicionados na Ucrânia. No entanto, reconheceu que precisa de "mais argumentos" para tomar uma decisão final sobre essa questão.

— Sou contra sanções tão severas — disse Olena, de 42 anos, à AFP.

Liudmila, outra moradora de Kiev, de 50 anos, tem uma opinião oposta.

— Por que algumas pessoas devem ir à luta e outras não? É uma questão de segurança nacional. Todos os cidadãos devem participar — declarou.

O Exército ucraniano conta oficialmente com 850 mil soldados, embora não forneça números sobre os mortos ou feridos na frente de batalha. As estimativas mais recentes dos EUA, publicadas em agosto pelo New York Times, calculam o número de mortos em cerca de 70 mil soldados ucranianos e 120 mil feridos.

Novo alvo

Um ano após os ataques maciços de Moscou contra as infraestruturas energéticas da Ucrânia, a atual campanha russa, em pleno inverno no segundo ano de guerra, afetou instalações civis essenciais e áreas residenciais, segundo Kiev.

Moscou mobilizou sua economia para a guerra, com um orçamento de Defesa previsto para este ano 70% maior do que o do ano anterior. Enquanto isso, os países ocidentais demoram para enviar a quantidade necessária de mísseis antiaéreos terra-ar à Ucrânia, muito mais complexos e custosos de fabricar que alguns drones desenvolvidos em parte com equipamentos civis.

“A capacidade dos soldados ucranianos de dominar rapidamente a tecnologia ocidental levou a um otimismo equivocado de que o tempo necessário para desenvolver unidades de combate coesas poderia ser reduzido", argumentaram Franz-Stefan Gady, pesquisador associado do Instituto Internacional de Assuntos Estratégicos, de Londres, e Michael Kofman, analista militar do Carnegie Endowment, no veículo britânico The Economist.

Segundo o Ministério da Defesa britânico, o objetivo principal dos ataques russos é a indústria de defesa que Kiev está tentando fortalecer frente à escassez de entregas de armas ocidentais.

Os russos "agora estão tentando atacar o complexo militar-industrial, as empresas, não as infraestruturas energéticas [como fizeram no inverno passado], mas a produção de armas", disse à AFP o analista militar Mykola Bielieskov, do Instituto Ucraniano de Estudos Estratégicos.

— Começamos a produzir mais armas do que antes — afirmou à AFP Sergiy Zgurets, diretor do centro de pesquisas ucraniano Defense Express, em alusão às munições, drones, veículos blindados e radares.

Diante da ofensiva russa, o chefe da diplomacia ucraniana, Dmytro Kuleba, pediu a aceleração das entregas ocidentais de "sistemas adicionais de defesa aérea, drones de combate" e "mísseis com um alcance de mais de 300 quilômetros".

Um dos principais apoiadores da Ucrânia contra a invasão russa, a Polônia também pediu à Otan mísseis de longo alcance para Kiev responder aos ataques russos. O governo ucraniano espera aviões de combate F-16 prometidos por vários países europeus, que poderiam participar da defesa antiaérea com mísseis ar-ar.

O secretário-geral da Otan, Jens Stoltenberg, disse na segunda-feira que os países da aliança militar liderada pelos EUA já forneceram "quantidades significativas de sistemas de defesa aérea à Ucrânia”, mas “estão empenhados em reforçar ainda mais as capacidades de defesa da Ucrânia”. (Com agências internacionais)