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Mãe de refém morto 'por engano' em Gaza diz que perdoa soldados israelenses: 'Não sinto raiva'

Investigação do Exército de Israel concluiu que as vítimas haviam clamado por ajuda em hebraico no mesmo prédio onde foram alvejadas dias antes da tragédia; militares acharam que era uma armadilha

Agência O Globo - 17/01/2024
Mãe de refém morto 'por engano' em Gaza diz que perdoa soldados israelenses: 'Não sinto raiva'

Um mês após a morte do seu filho Yotam, refém do Hamas assassinado por engano por soldados israelenses na Faixa de Gaza, Iris Haim tornou-se um símbolo em Israel. A vida desta enfermeira de 57 anos mudou no dia 7 de outubro, quando o filho de 28 anos foi raptado no kibbutz Kfat Aza por terroristas do movimento islâmico palestino Hamas.

Durante o ataque ao kibbutz, onde cerca de 50 pessoas foram assassinadas, Yotam escreveu aos pais contando sobre os tiros e o medo que sentia. No total, o ataque deixou 1.140 mortos no sul de Israel, segundo contagem da AFP baseada em dados oficiais.

— Às 10h44, ele me escreveu dizendo que não conseguia respirar. Eu disse a ele para abrir a janela, mas ele estava com medo de que os terroristas estivessem esperando por ele lá fora — diz Haim, sobre a última troca de mensagens com o filho.

As autoridades informaram a Iris que tinham localizado o telefone de Yotam na Faixa de Gaza e posteriormente confirmaram que ele estava entre os 250 reféns feitos levados para o enclave palestino.

Rapidamente, Iris Haim tornou-se um dos rostos públicos das famílias dos reféns, cuja ausência assombra a sociedade israelense há mais de cem dias.

— Eu não sentia raiva, isso surpreendia as pessoas. Nem raiva nem lágrimas, eu falava de Yotam com um sorriso — lembra.

Num vídeo viral, ela defendeu que a vida dos soldados alocados em Gaza não era menos importante que a do seu filho.

Até 190 soldados morreram nos combates em Gaza, segundo o Exército israelense. Os seus bombardeios e operações terrestres neste território mataram quase 24.300 pessoas, a maioria mulheres e menores de idade, de acordo com o Ministério da Saúde do enclave, controlado pelo Hamas.

Iris recusou-se a se juntar a famílias que, segundo ela, exerciam pressão excessiva sobre as autoridades israelenses para libertarem os reféns.

— Tive uma mensagem diferente: antes de tudo, que o país está fazendo todo o possível para libertar os reféns. E que Yotam é forte — explicou.

Ele escolheu 'a luz'

No dia 14 de dezembro, em entrevista à AFP, ela mostrou-se otimista: “Quero o meu filho em casa, obviamente o mais rápido possível, mas quero que o povo confie no Exército, nas autoridades, eles fazem tudo o que podem”.

No dia seguinte, o exército a informou de que o seu filho foi morto juntamente com outros dois reféns devido a um erro cometido por soldados israelenses.

Depois de escaparem dos seus captores, eles perambularam pela Faixa de Gaza durante cinco dias, de acordo com uma investigação do Exército. Quando viram soldados israelenses, gritaram com eles em hebraico, mas o esquadrão acreditou que se tratava de uma armadilha do Hamas e disparou.

Em vez de afundar no “poço” da dor, segundo sua expressão, ela escolhe “a luz”. A mulher não esconde as lágrimas quando fala do filho, músico e atleta, mas também um “menino com dificuldades”.

— Ele teve que enfrentar desafios que superou sozinho — explica.

'Ele morreu livre'

Os retratos de Yotam são onipresentes no apartamento temporário onde Iris vive após a evacuação das cidades perto de Gaza. Para ela, o filho é “um herói”.

— Ele tomou as rédeas da sua vida, morreu livre, correndo riscos — defende.

O país ficou chocado quando ela enviou uma mensagem de compaixão pelos soldados que mataram seu filho: “Não sinto raiva, entendo a situação difícil em que se encontravam, amo-os e admiro-os”.

— Não me coloco na acusação. Não posso trazer o Yotam de volta, mas posso optar por ver as coisas de forma positiva — explica.

Especialista em cuidados paliativos e no tratamento de pacientes com demência, Iris acredita que a sua experiência profissional e agora pessoal lhe permite ajudar outras pessoas.

— Não quero que esqueçamos o Yotam, o seu heroísmo, porque é importante entender o que ele fez. Tenho muitos projetos para lembrá-lo — afirma.

Mas, ao mesmo tempo, iniciou uma série de conferências em Israel e no estrangeiro "para ajudar as pessoas a enfrentar os desafios".

— As pessoas me disseram ‘obrigado’ e me pediram para continuar apoiando-as. É um dever, como se Yotam o tivesse me confiado — conclui.