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Suposto espião russo diz à PF sofrer de amnésia e não se recordar como entrou no Brasil

Em depoimento, Sergey Cherkasov disse ter conseguido um documento com uma pessoa desconhecida em uma favela próxima a Copacabana, no Rio

Agência O Globo - 16/01/2024
Suposto espião russo diz à PF sofrer de amnésia e não se recordar como entrou no Brasil

Preso no Brasil desde 2022, o suposto espião russo Sergey Vladimirovich Cherkasov disse à Polícia Federal não se lembrar de como nem quando entrou no país. O motivo, segundo ele, é o fato de estar sofrendo de amnésia. No termo de declaração de 6 de dezembro, a única informação que Cherkasov disse se recordar é que veio da Rússia para cá de avião. A informação foi antecipada pelo Fantástico e confirmada pelo GLOBO.

No depoimento, o estrangeiro também afirmou ter conseguido um documento falso, com uma identidade brasileira, com uma pessoa desconhecida em uma favela próxima a Copacabana, no Rio.

Ele disse ter adotado a identidade falsa em nome de Victor Müller Ferreira por ser um foragido de heroína no sul de seu país e em territórios vizinhos. A Rússia pede sua extradição.

As autoridades russas sustentaram que Cherkasov não era um espião, mas sim um traficante ligado a um grupo criminoso, liderado por um cidadão do Tadjiquistão, que fornecia heroína da região de Moscou para Lipetsk. O governo de Vladmir Putin pede a sua extradição para que cumpra a pena na Rússia.

Como mostrou O GLOBO, porém, a PF identificou indícios que o russo contava com uma rede de apoio no Brasil que tinha a participação de um funcionário da diplomacia russo. Cherkasov e o agente diplomático foram indiciados pela PF por lavagem de dinheiro e associação criminosa. As investigações apontam que o estrangeiro recebeu em sua conta depósitos mensais feitos em uma agência bancária do Rio pelo servidor da Embaixada da Rússia.

No depoimento que prestou à PF, Cherkasov foi questionado acerca de movimentações financeiras realizadas em suas contas bancárias que levantam suspeitas sobre a ajuda que recebia enquanto sustentava a identidade falsa. Sobre 62 depósitos, entre 2021 e 2022, ele não soube informar a origem. Já para as demais transferências, o russo argumentou serem relativas à compra de um carro usado, ao pagamento de escritura e taxas pagas em decorrência de um imóvel no interior de São Paulo e ainda de uma dívida com uma amiga.

“Que questionado a respeito da transferência de US$ 70 mil no período em que esteve nos Estados Unidos da América, respondeu que as transferências fracionadas se deram como uma forma de evitar o pagamento de comissões dos corretores de blockchain e de transferir valores abaixo dos limites impostos pela corretora; que não enxerga como uma questão de lavagem de dinheiro, mas de praticidade”, diz um trecho do depoimento.

À PF, Cherkasov negou integrar qualquer associação para a prática dos crimes de falsa identidade, falsidade ideológica, uso de documento falso, lavagem de capitais e espionagem. Ele também negou ser oficial da Inteligência militar russa e afirmou que as fotos em que aparece fardado se tratavam de comemorações da vitória da Rússia na Segunda Guerra, eventos em que civis utilizam esse tipo de vestimenta, segundo o estrangeiro.

Em nota, o advogado Paulo Ferreira, que representa o suposto espião, disse que "está totalmente empenhado em comprovar a inocência de Sergey ao longo da instrução processual".

"O único crime admitido por Sergey foi o uso de documentos falsos, um delito que já foi confessado. É crucial ressaltar que, até o momento, não existem provas concretas que sustentem as acusações de lavagem de dinheiro, associação criminosa e espionagem. A defesa está confiante de que, ao analisar de maneira minuciosa os fatos apresentados, será evidente a ausência de fundamentos sólidos para tais imputações", afirmou a defesa.

Relator do processo de extradição no Supremo Tribunal Federal (STF), o ministro Edson Fachin concordou com o pedido da Rússia, mas condicionou a entrega do russo ao término da investigação ainda em curso no Brasil.

A Embaixada da Rússia não retornou aos contatos da reportagem.