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'Paraíso dos narcotraficantes': Como são as rotas usadas por facções para exportar cocaína do Equador

Maior cidade do país é conectada por canais, e criminosos passaram a usar submarinos para o envio de drogas à Europa

Agência O Globo - 15/01/2024
'Paraíso dos narcotraficantes': Como são as rotas usadas por facções para exportar cocaína do Equador
'Paraíso dos narcotraficantes': Como são as rotas usadas por facções para exportar cocaína do Equador - Foto: reprodução

O barco da guarda costeira percorre o rio Guayas, no Equador. À direita, densos manguezais escondem a exploração de camarões espalhada pelo imenso estuário. À esquerda, casas de tijolos de uma das favelas compõem o território das gangues que semeiam o terror pela região. Em Guayaquil, epicentro do tráfico de drogas do país, a luta contra os grupos criminosos não se limita apenas às áreas urbanas.

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No centro do estreito canal, um enorme porta-contentores de cerca de vinte metros de altura é visto navegando. O estuário de Guayaquil e seus 28 portos (incluindo um em águas profundas) são o pulmão da economia equatoriana: além do petróleo, 80% das exportações do país saem por este golfo, principalmente seus produtos-chave, como bananas e camarões. Também é um paraíso para os narcotraficantes.

– O Equador tornou-se o principal distribuidor de cocaína do mundo – destacou o capitão de fragata Fernando Álvarez. – Setenta por cento da cocaína que chega à Europa vem do Equador, e 80% dela sai de Guayaquil – explicou o oficial à AFP.

Contaminação

Sob condição de anonimato, outro oficial afirmou que “toda cidade está conectada por canais”, e que controlar tudo isso é “uma tarefa muito complicada”. O grande canal natural que conecta a cidade ao mar aberto tem quase 75 quilômetros de comprimento. Os traficantes agem em todos os lugares: dentro dos portos, nos canais e também mar adentro.

Primeiramente, há o transporte tradicional por barco, em direção à América do Norte. Em 20 anos, os traficantes passaram de pequenas embarcações para semissubmersíveis e submarinos. A rota passa pelo sul e norte do arquipélago protegido de Galápagos e representa um contrabando intenso de combustível. Para Álvarez, o aumento da potência está “em consonância com todo o dinheiro” que as facções têm.

Com a explosão do fentanil nos EUA, o consumo de cocaína se deslocou para a Europa. O tráfico seguiu o mesmo caminho, pois “desta região de Guayas partem navios mercantes para todo o mundo, principalmente para o continente europeu”, continuou o capitão. Tradicionalmente, explicou, a contaminação (por carregamentos clandestinos de cocaína) ocorre na fase inicial, antes do envio da mercadoria.

– Mas também ocorre nos arredores dos portos, onde os navios são abastecidos pelos traficantes – enfatizou Álvarez, destacando que este último modus operandi é pouco conhecido. – A droga é armazenada em áreas ao longo dos canais. Usando pequenas embarcações, os traficantes abordam clandestinamente grandes navios e os contaminam.

De acordo com o outro oficial, “há manguezais por toda parte, então é fácil se esconder”. Como os piratas, “eles se aproximam em barcaças e usam escadas ou ganchos para subir nos enormes navios petroleiros e porta-contentores. Retiram os lacres dos contentores para esconder a droga e partem com a mesma rapidez”. Geralmente, agem durante a noite ou ao amanhecer, às vezes com a cumplicidade da tripulação.

– Esses criminosos são verdadeiros Homens-Aranha!

Cada vez mais violentos

Os criminosos frequentemente se fazem passar por pescadores e estão muito bem organizados. Eles acompanham a rota dos navios para gerenciar o recebimento da mercadoria nos portos europeus. Segundo Álvarez, por suspeitar que há risco de contaminação, um grupo tático é enviado a bordo para proteger o navio. Algumas companhias de navegação também recorrem a escoltas de segurança privada.

Embora geralmente as gangues evitem confronto, elas “não hesitam em abrir fogo, e jogam suas armas na água quando são interceptadas”. Para o funcionário, eles estão “cada vez mais violentos” e “se adaptam toda hora”. Chegam até a ameaçar os soldados, muitos dos quais se recusam a dar seus nomes ou mostrar seus rostos diante das câmeras. Também tentam suborná-los, segundo uma fonte de segurança estrangeira.

As gangues colaboram com três atores do tráfico transnacional: os cartéis mexicanos de Sinaloa e Jalisco Nova Geração e a máfia albanesa, por sua vez vinculada à Ndrangheta italiana. Quase 80% dos crimes estão relacionados às drogas, segundo Álvarez. O trabalho da guarda costeira – que também é responsável por proteger as Galápagos da depredação das frotas pesqueiras chinesa e espanhola – tem sido afetado por isso.

O estado de exceção declarado no início da semana para pôr fim à crise de segurança sem precedentes que o Equador enfrenta desde 9 de janeiro “mudou as coisas a nosso favor”, comentou o capitão, destacando que as regras de uso da força mudaram porque “essas gangues agora são consideradas forças de combate, o que significa que podemos responder com mais firmeza”.