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Análise: Ataques liderados pelos EUA contra houthis mostram que guerra regional chegou. Quão grande será?

Com bombardeios contra grupo do Iêmen apoiado pelo Irã, não há mais a questão de se a guerra entre Israel e o Hamas escalará em um conflito mais amplo. Questão agora é se pode ser contido

Agência O Globo - 12/01/2024
Análise: Ataques liderados pelos EUA contra houthis mostram que guerra regional chegou. Quão grande será?

Desde o início da guerra Israel x Hamas, há quase cem dias, o presidente dos EUA, Joe Biden, e aliados enfrentaram dificuldades para manter o conflito restrito, temerosos de que uma escalada regional pudesse rapidamente atrair soldados americanos. Agora, com os bombardeiros liderados pelos EUA contra alvos no Iêmen na quinta-feira, não há mais uma questão de se haverá um conflito regional. Ele já começou. Agora, as grandes questões são que intensidade o conflito terá e se ele poderá ser contido — esta é exatamente a consequência que ninguém queria, presumivelmente até mesmo o Irã.

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— Não estamos interessados em uma guerra com o Iêmen. Não estamos interessados em nenhum tipo de conflito — disse nesta sexta-feira John Kirby, um dos porta-vozes da Casa Branca. — Na verdade, o presidente tem tentado evitar qualquer escalada, incluindo os ataques da noite passada.

É uma clara mudança de estratégia a decisão de Biden de lançar os ataques aéreos depois de resistir a chamados para agir contra os repetidos ataques da milícia baseada no Iêmen dos houthis contra embarcações no Mar Vermelho, que começaram a afetar o comércio global. Depois de emitir uma série de alertas, Biden se sentiu pressionado a agir na terça-feira, depois de uma série de ataques de mísseis e drones contra um cargueiro americano e embarcações ao redor.

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— Essa já é uma guerra regional, não mais limitada a Gaza, mas já espalhada para o Líbano, Iraque, Síria e Iêmen — disse Hugh Lovatt, um especialista em Oriente Médio do Conselho Europeu em Relações Externas.

Os EUA, disse, quiseram demonstrar estar prontos para deter as provocações iranianas, então visivelmente posicionaram seus porta-aviões e caças em posição para responder rapidamente. Mas essas mesmas posições deixam os EUA mais expostos.

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Durante o curso de 12 semanas, ataques contra alvos israelenses, americanos e ocidentais vieram do Líbano, Iraque e Síria, estimulando respostas cautelosamente direcionadas de forças dos EUA e de Israel. Os EUA também emitiram alertas ao Irã, que, dizem, atua como uma espécie de coordenador.

O que foi notável sobre os ataques retaliatórios no Iêmen foi sua amplitude: empregando caças e mísseis lançados dos mar, forças americanas e britânicas, apoiadas por pequeno número de outros aliados, atingiram um amplo número de bases de mísseis e drones houthis.

Corda-bamba

Biden caminha sobre a corda-bamba entre dissuasão e escalada, e seus aliados admitem que não há nenhuma ciência no cálculo. O Irã e seus aliados, incluindo o grupo xiita libanês Hezbollah no Líbano, têm sido cuidadosos com seu apoio ao Hamas, mantendo suas ações dentro de certos limites para evitar uma apla resposta militar americana que poderia ameaçar o exercício de poder iraniano no Líbano, Iraque e Síria. Mas quanto controle o Irã têm sobre esses grupos está em xeque, e seus líderes também podem ter avaliado de forma equivocada os limites a não ser ultrapassados dos EUA e de Israel.

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Os houthis, uma pequena tribo apoiada pelo Irã no Iêmen, estão entre os mais agressivos em testar os limites, tentando bloquear rotas internacionais de comércio através do Mar Vermelho e ignorando alertas dos EUA e do Ocidente para desistir.

Diplomatas ocidentais disseram que havia relutância em revidar por causa, de um lado, do frágil cessar-fogo na guerra civil do Iêmen e, de outro, da dificuldade de eliminá-los totalmente. Mas os repetidos ataques houthis contra navios, seu disparo direto contra helicópteros dos EUA e seu ataque de terça contra o cargueiro deixaram os EUA sem muita margem de escolha. Ainda não se sabe quanto levará para que os houthis se recuperem e ameacem novamente navios no Mar Vermelho, como já prometeram.

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Posição pró-Israel

Mas um envolvimento americano mais profundo também estimula a percepção mundial de que os EUA agem mais diretamente do lado de Israel, arriscando mais danos à posição americana e ocidental enquanto o número de mortos cresce na Faixa de Gaza. Agora Israel está defendendo sua conduta perante uma acusação de genocídio em uma corte internacional.

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O Irã faz uma guerra por procuração com grupos como o Hezbollah e os houthis para se distanciar das ações e manter sua credibilidade na região, tentando evitar um ataque direto, que poderia pôr em risco a República Islâmica e seu programa nuclear. Mas o Irã também vem sendo puxado por esses mesmos grupos.

— O Irã realmente tenta se afastar — disse François Heisbourg, um analista militar francês. — Não querem uma guerra agora: querem que suas centrífugas funcionem pacificamente.

Os iranianos não têm uma arma nuclear, mas poderiam enriquecer urânio suficiente para o nível necessário para um arma em poucas semanas, dos atuais 60% para 90%, disse.

— Eles fizeram 95% do trabalho.

Israel também está aumentando seus ataques contra os grupos alinhados ao Irã, especialmente no Líbano e na Síria. Deppois do ataque em 7 de outubro do Hamas, o Hezbollah começou uma série de ataques a partir do Líbano, levado Israel a retirar cidadãos de perto do conflito. Depois disso, a campanha aérea israelense matou 19 membros do Hezbollah na Síria em três meses, mais do que dois terços do resto de 2023, de acordo com uma contagem da agência Reuters. Mais de 130 militantes do Hezbollah também foram mortos por Israel no Líbano no mesmo período.

Em discursos públicos esta semana, o líder supremo iraniano, o aiatolá Ali Khamenei, e o líder do Hezbollah, o xeque Hassan Nasrallah, reiteraram que não querem uma guerra longa. Mas Colin P. Clarke, diretor de pesquisa do Soufan Group, uma empresa de consultoria em segurança e inteligência centrada no Oriente Médio, disse que Israel não poderia se dar ao luxo de ser complacente, dado o seu grave erro de cálculo antes de 7 de outubro de que o Hamas também não estava interessado em uma guerra.

Os recentes assassinatos que atingiram o cerne dos laços do Irã com o Hezbollah e o Hamas enervaram os iranianos, que os descreveram em salas de chat e nas redes sociais como sendo “tapas recorrentes”.